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22 DE ABRIL DE 1988 199

Seria, pois, a todos os títulos preocupante a supressão deste direito já constitucionalmente reconhecido, tanto mais que será sempre possível admitir que o reconhecimento do direito à identidade pessoal é, em grande medida, a consagração de uma identidade que o indivíduo tem consagrada na esfera das suas relações enquanto entidade privada, enquanto particular. E o direito à cidadania é também um direito de identidade na esfera das suas relações públicas, no âmbito da comunidade política. Assim, o direito à identidade é simultaneamente um direito à identidade no sentido das suas relações enquanto particular - e essa é a identidade pessoal - e um direito à identidade enquanto membro de uma comunidade política - e esse é o direito à cidadania, que também configura um direito pessoal.

São estas as razões que juntaria para manter esta nossa predisposição em não abandonar o reconhecimento do direito à cidadania.

O Sr. Presidente: - Mas V. Exa. mantém, dentro dessa tese, a interpretação do Sr. Deputado Almeida Santos no sentido de que se deve ler "a todos os portugueses são reconhecidos", não é assim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sem dúvida, Sr. Presidente, certamente que sim.

O Sr. Presidente: - Era só para nos entendermos, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quanto à questão do direito à palavra, talvez posteriormente ainda tenha algo a dizer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, quero apenas referir - e aliás, o Sr. Deputado Jorge Lacão já o referiu - que a norma segundo a qual todos têm direito à cidadania não significa nem implica que a todos seja reconhecida a cidadania. Por consequência, a questão dos estrangeiros não é relevante nesta discussão.

O Sr. Presidente: - Como disse, isso só é exacto se interpretarmos a norma em termos de que "a todos os portugueses são reconhecidos". Desta forma, não tenho objecções a colocar. A minha objecção resulta - V. Exa. compreenderá - da circunstância de se considerar que esta norma á aplicável a todos. Se se aplica aos portugueses exclusivamente, a objecção e a contradição desaparecem.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Como não se reconhece a cidadania, mas o direito à cidadania, mesmo no caso dos estrangeiros, suponho que não fica prejudicado...

O Sr. Presidente: - Repare que os direitos fundamentais são direitos face ao Estado Português, pelo que isso não tem sentido, a não ser no do respeito da relação existente com Estados estrangeiros. Mas isso não é a mesma coisa e encontra-se noutras normas.

Percebi a explicação que o Sr. Deputado Almeida Santos deu para a norma, embora, na minha perspectiva, possa não a subscrever como interpretação mais razoável. Mas entendo-a, e nesse aspecto deixa de subsistir a contradição.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente quero dar uma contribuição útil numa vertente, que é a histórica.

Pura e simplesmente, creio que o PSD lavrou aqui num equívoco, o que pode acontecer a todos. nós. A intervenção do Sr. Presidente demonstrou-o exuberantemente e o debate ulterior mais ainda. A história do preceito, tal qual se encontra redigido, é simples de rastrear. A Constituição de 1976 estabelecia sucintamente, no seu artigo 33.° que "a todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar". Foi proposto, no âmbito da primeira revisão constitucional, designadamente pelo meu partido, que se incluíssem no elenco dos outros direitos pessoais alguns outros, nomeadamente o direito à cidadania, não porque o direito à cidadania inexistisse, uma vez que no n.° 4 do artigo 30.° se estabelecia exactamente que ninguém podia "ser privado, por motivos políticos, da cidadania portuguesa, da capacidade civil ou do nome", mas sim porque parecia correcto que, existindo essa proibição de privação, se desse a esses direitos a estrutura inequívoca do direito fundamenal. E assim foi feito, o que nos pareceu inteiramente correcto.

Sucede apenas que não tinha passado pela cabeça de ninguém, até essa data, embora isso possa naturalmente acontecer, que se pudesse alguma vez entender o direito à cidadania tal qual aparece aqui situado e definido, não como o nosso - "nosso" no sentido de "dos portugueses" - direito à Pátria, como o direito que temos enquanto membros da República Portuguesa tal qual é definida, competentemente, no artigo 1.° da Constituição, mas sim como uma espécie de direito a uma pátria concedido à universalidade dos homens do nosso planeta, isto é, como se a Constituição estabelecesse, através desta cláusula, uma espécie de obrigação por parte do Estado Português de espalhar e semear a cidadania portuguesa a quem a deseje ou possa recebê-la. Portanto, através deste preceito não se concede ao mundo inteiro um direito a ser português.

O Sr. Presidente: - Compreendo muito bem que essa interpretação seja lógica. A questão resulta apenas de que, em matéria de identidade pessoal, de capacidade civil, de bom nome e reputação, de imagem e de reserva da intimidade da vida privada e familiar, não existe qualquer razão para restringir aos cidadãos portugueses essa protecção. Assim sendo, razões de boa técnica aconselhavam a que se destrinçassem claramente dois universos que, se num caso não têm razão de ser em separado, noutro já a têm.

Mas já percebemos quais os motivos da divergência, não valendo a pena prolongar a discussão. E talvez V. Exa. tenha a benevolência de considerar que a observação feita não é, do ponto de vista jurídico, tão abstrusa como isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a observação não será excessivamente abstrusa, até porque é formulada com alguns argumentos e alguma cópia de interrogações. Parece-me sim especiosa, porque