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22 DE ABRIL DE 1988 201

trata de qualquer direito à propriedade intelectual, mas sim do direito que as pessoas têm a que aquilo que dizem num determinado momento não seja guardado fora do ambiente em que decorreu e venha amanhã a ser oposto à pessoa, num contexto e com interlocutores diferentes, contra sua vontade. É aquilo a que a doutrina alemã chama "direito à transitoriedade da palavra", pois o que é dito no momento é para valer apenas nesse momento, salvo se a pessoa consentir que a expressão da sua palavra seja guardada e utilizada depois.

Penso que o fundamental será dizer qual o interesse presente nesta proposta, interesse esse que, por um lado, tem um carácter eminentemente pessoal, nos termos que acabo de enunciar, e, por outro, é também - e hoje fala-se cada vez mais da dimensão objectiva dos chamados "direitos da personalidade" - um direito àquilo que os leitores mais atentos do que é dito, a nível de alguma reflexão marxista sobre a sociedade moderna, designadamente por Habermas, conhecem como direito a uma comunicação sem coerção. Se sobre todos nós impendesse a possibilidade de a nossa expressão ser gravada, a comunicação entre as pessoas seria extremamente prejudicada na sua autenticidade, pureza e inocência.

Penso que, por consequência, e do ponto de vista técnico, este direito é o correlato do direito à imagem. O direito à imagem é, como já referi, o direito a não se ser fotografado contra a sua vontade, sendo o direito à palavra o que acabei de referir, independentemente do seu conteúdo. Não se trata apenas de dizer, como alguma jurisprudência do Supremo Tribunal tem entendido, que está apenas tutelada aquela palavra que contende com a reserva da vida privada, mas também que, seja qual for o conteúdo da expressão, as palavras das pessoas não poderão ser gravadas contra a sua vontade.

É certo que as nossas palavras estão neste momento a ser gravadas aqui, mas também é certo que para esse fim demos o nosso consentimento. Caso contrário, a nossa palavra não deveria ser gravada.

De resto, chamo a tenção dos Srs. Deputados para o facto de que, consagre-se ou não este direito, uma boa interpretação da Constituição extraí-lo-á sempre. Os alemães extraíram-no, não o tendo na sua Constituição, e a possibilidade que temos de rever a lei fundamental com frequência extrai este direito como uma expressão da dignidade humana. Penso que tal direito decorre do processo geral de emancipação dos direitos da pessoa a partir da honra, pois, partindo-se daí, afirmou-se depois, com um conteúdo próprio, o direito à intimidade, do qual se autonomiza o direito à palavra, que é um direito diferente, porque vale seja qual for o conteúdo das expressões. Consequentemente, este direito vale em relação à palavra que contende não apenas com a privacidade ou a intimidade, mas também com o direito à palavra tout court.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Aprovo inteiramente o espírito desta proposta.

É certo que sou um ignorante de direito. Mas afigura-se-me que a Constituição deve ser suficientemente clara e duvido de que tudo aquilo que foi dito

pelos Srs. Deputados Alberto Martins e Costa Andrade fique suficientemente explícito através da inclusão neste artigo da expressão "à palavra". Por consequência, afigura-se-me que aquilo que VV. Exas. querem criar - e bem - é um novo direito e que este deve ser explicado de uma maneira suficientemente perceptível em artigo autónomo da Constituição. Doutro modo, afigura-se-me que a Constituição pode de algum modo tornar-se menos perceptível.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, nunca fica mais indefinido ou mais impreciso do que o direito à imagem. É precisamente o correlato.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas supunha eu, até há momentos, quando o ouvi, que o direito à imagem era mais do que o direito de não se ser fotografado contra vontade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É a sua dimensão principal, mas é natural que tenha outras.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Penso que é mais do que isso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Como por exemplo?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É o direito de não ter a sua imagem desfigurada.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, isso é o direito ao bom nome ou à honra. É dou-lhe a definição do Sr. Dr. Orlando de Carvalho: "A imagem é o direito do retrato."

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas não entro na definição do direito à imagem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o direito ao vídeo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, e ao cinema.

O Sr. Presidente: - É a imagem estático-dinâmica.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas, independentemente do que se entenda por direito à imagem, sugiro que os Srs. Deputados que intervieram e apresentaram uma boa proposta a formulem em termos de que esta possa valer de forma mais clara para quem leia a Constituição. Por outro lado, e embora a Constituição não tenha carácter pedagógico, entendo que pelo menos a parte relativa aos direitos fundamentais o tem. E mais: deveria ser ensinada nas escolas e não apenas nas faculdades de Direito.

O Sr. Presidente: - Concordo com V. Exa. em que a Constituição deva ter uma função pedagógica. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, sempre que se fala nos direitos da personalidade aparece o direito à imagem. É um dos direitos clássicos, mas talvez só modernamente se pensou em equiparar a palavra à imagem. Não tenho direito a outra coisa que