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196 II SÉRIE - NÚMERO 8-RC

O Sr. Presidente: - Funcionalmente.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Todavia, há no País autoridades - e não me refiro a autoridades em sentido institucional ou constitucional - que, talvez tendo beneficiado de um especial tipo de alfabetização, fazem doutrina. É ainda a questão do termo "pessoa" que está em causa - e repare V. Exa. quão longe vai a polissemia. É o doutrinário da reforma do sistema educativo quem sustenta a tese de que a educação transforma o animal em pessoa. Veja, portanto, a dificuldade que haverá se num texto constitucional, neste momento, adoptarmos, sem o definir, o termo "pessoa", havendo a doutrina, perfilhada expressamente pela Comissão do Sistema Educativo no prefácio do livro que é um documento do Estado Português, que dá tão original definição de "pessoa". Peço desculpa a VV. Exas., porque sei que esta invocação não mereceria ser trazida à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Todavia...

O Sr. Presidente: - Todavia, V. Exa. não resistiu!

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não resisti porque há o perigo de algumas ideias fazerem escola.

O Sr. Presidente: - Provavelmente teremos de rever o artigo 1.° da Constituição, o que veremos quando lá chegarmos.

Passamos agora à discussão do artigo 26.°, sobre o qual há uma proposta de alteração do n.° 1 apresentada pelo PSD, uma proposta de alteração, com aditamento, do n.° 1 apresentada pelo PEV e ainda uma proposta de aditamento de um n.° 4 também da autoria do PEV.

Vamos então começar pela proposta de alteração do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quero apenas colocar a seguinte pergunta: a eliminação da palavra "cidadania" é ou hão intencional?

O Sr. Presidente: - Não, não é intencional, pela razão que muito sucintamente passo a explicar.

Como V. Exa. reparará, quando se diz, no texto actual, que "a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania [...]", o que se procura, obviamente, é aquilo que no n.° 3 se vem dizer, ou seja, que "a privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos". Garantir a todos, inclusive aos apátridas, o direito à cidadania é um propósito generoso, mas impossível.

E essa a razão por que não tem grande sentido dizer que a todos é reconhecido o direito à cidadania, porque, na verdade, não é possível reconhecê-lo em termos positivos, embora seja possível reconhecê-lo no sentido da não privação. Em primeiro lugar, como V. Exa. sabe, a cidadania é algo que, em termos de direito internacional público, é atribuído por cada um dos Estados aos que considera como seus nacionais, nos termos em que, em princípio, as pessoas adquirem essa qualidade ou deixam de ser cidadãos, nas diversas formas de jus soli ou jus sanguinis. Por outro lado, não tem sentido estarmos a impor isso aos Estados estrangeiros. O que tem sentido é em relação ao Estado Português haver uma norma respeitante à cidadania, que já existe, embora remeta para a lei ordinária as condições concretas em que aquela se efectiva. A lei ordinária é materialmente constitucional, mas, em todo o caso, esta regulamentação não consta hoje da Constituição, embora em tempos idos já tenha acontecido na nossa história constitucional.

Uma outra coisa fundamental é impedir que o legislador ordinário possa, por razões de ordem política, fazer privar da cidadania cidadãos portugueses. Por isso o reconhecimento da cidadania a todos, portugueses ou não, não tem sentido do ponto de vista técnico.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Parece-me que essa opinião comporta dois alçapões, o primeiro dos quais é o desequilíbrio do artigo em si mesmo, pois, retirando-se do n.° 1 o direito à cidadania como direito pessoal, não se percebe a que título é que o n.° 3 se vem regular a privação da cidadania, direito que não foi concedido no n.° 1 rotulado como direito pessoal. Em segundo lugar, o problema, em meu entender, não pode ser colocado como o Sr. Presidente, Rui Machete, o colocou, porque talvez, mutatis mutandis, considerações semelhantes pudessem ser utilizadas em relação à capacidade civil. Como está bem de ver, o princípio não deve ser posto em causa e, aplicando esse critério, talvez também devesse ser retirado do n.° 1 o direito à capacidade civil.

O Sr. Presidente: - Penso que, salvo o devido respeito, a interpretação mutatis mutandis não conduz a essa conclusão. Suponho que V. Exa. não entende que se possa, em qualquer circunstância, recusar a apátridas o direito à capacidade civil ou a um certo tipo de capacidade civil. Digamos que há uma cláusula de interesse e ordem pública, fundamental nesta matéria, que impede que, seja qual for a solução que o direito estrangeiro dê em matéria de cidadania e capacidade civil, o Estado Português não deixe de reconhecer capacidade civil aos apátridas ou aos cidadãos estrangeiros.

O Sr. António Vitorino (PS): - Salvo melhor opinião, como sempre nestes debates se deve dizer, é insofismável que o problema não reside na aplicação da capacidade civil ou até do direito à cidadania a apátridas. O problema que o Sr. Deputado colocou, ao se querer retirar a "cidadania" no n.° 1, é o problema da compatibilização entre o reconhecimento de um direito e o seu substrato material. Naturalmente que onde não existe substrato material constitutivo do direito não se pode reconhecer esse direito, o que vale para a cidadania, como vale, em igualdade de circunstâncias, para a capacidade civil.

Nesse sentido, não se pode interpretar o n.° 1 do artigo 26.° da Constituição como uma obrigação geral que impende sobre o Estado Português de conceder ou reconhecer a cidadania portuguesa a todos os apátridas. Não é nem nunca poderia ser esse o sentido útil da norma e não faz sentido nenhum, por isso, restringir ou retirar do n.° 1 deste artigo 26.° o conceito de cidadania. O que está aqui em causa é o seguinte: só se reconhece a capacidade civil, nos termos da lei, a quem a tenha em função do seu substrato material,