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22 DE ABRIL DE 1988 197

o mesmo valendo para a cidadania - só se reconhece a cidadania a quem, em termos de substrato material, a tenha -, pelo que a quem for apátrida não poderemos reconhecer uma cidadania que não possui. Seja como for, sempre se deverá entender que a apatridia também é uma forma de cidadania.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exactamente!

O Sr. António Vitorino (PS): - Entendida com habilidade, a apatridia também é uma forma de cidadania.

Do que tenho receio é que a eliminação deste inciso do n.° 1 possa ir mais além do que aquilo que os Srs. Deputados do PSD pretenderam ao propor esta eliminação.

O Sr. Presidente: - Penso que não vale a pena suscitarmos uma discussão sobre matérias nas quais possamos estar de acordo.

O problema básico, essencial, é este: perante o ordenamento jurídico português, embora no nível constitucional, estamos, em primeiro lugar, a consignar direitos fundamentais cujos correlativos deveres cabem ao Estado Português; ao reconhecer a outrem direitos, estamos também a consignar, simultaneamente, deveres correlativos a esses direitos. O problema que existe, a meu ver com nitidez, é o de que não se colocam nos mesmos termos as questões da capacidade civil, do bom nome e reputação, da imagem, da reserva da intimidade da vida privada e familiar, porque essas matérias não dependem da forma como um Estado estrangeiro resolve esse tipo de problemas, antes se situando a um nível diverso.

Aceito que o Estado Português tenha algum tipo de dever de respeito pela cidadania alheia (digamos assim) no sentido de que não pode imiscuir-se nas relações que existem entre os cidadãos de um Estado e esse mesmo Estado nem praticar actos que pressuponham deliberadamente o desconhecimento dessa relação de cidadania. Nesse sentido, as observações do Sr. Deputado António Vitorino impressionam-me. E pode ser que eventualmente seja útil acautelar esse aspecto. Porém, trata-se de questões de ordem diversa.

Se houvesse - digamos - uma situação de Robinson Crusoe em relação ao Estado, o problema da identidade pessoal, da capacidade civil, do bom nome e reputação, etc., colocar-se-ia nas mesmas condições. Mas o problema da cidadania é diverso, não sendo lógico, nesse sentido, colocá-lo ao mesmo nível.

O Sr. António Vitorino (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, embora esteja de acordo consigo, parece-me que essa lógica não pode ser aplicada no artigo 26.° da Constituição, porque o que está aqui em causa é a identificação do direito à cidadania como um direito pessoal do povo português, isto é, do universo humano a que se aplica a Constituição.

Em meu entender, e apelando a um caso ultraminoritário de incidência especialíssima, que é o caso da apatridia, não se pode pretender retirar o direito à cidadania do elenco dos direitos pessoais de que gozam os cidadãos portugueses, porque isso seria sacrificar um direito pessoal do conjunto do povo português por amor a uma norma eventual de compatibilização de conflitos no domínio do direito internacional privado. Para isso existem mecanismos próprios e específicos de regulamentação de conflitos de normas.

O Sr. Presidente: - V. Exa. restringe a questão apenas aos apátridas, mas tem de lhe juntar os estrangeiros. A expressão "a todos" que aqui está - e já nem refiro os problemas polissémicos muito frequentes a propósito de outros preceitos constitucionais no sentido de se saber quem é que são as pessoas referidas - abrange pelo menos os cidadãos portugueses, os estrangeiros e os apátridas.

Existe uma outra norma referente à cidadania que a garante aos cidadãos portugueses, embora diga como é que a legislação ordinária a vai atribuir. Provavelmente, se se justificasse, poderia incluir-se a garantia que o Sr. Deputado pretende ver consignada, mas já não tem sentido garantir a todos o direito a uma cidadania, salvo se se entendesse como correcta a interpretação, que se me afigura absurda, de que quando fosse retirada a cidadania, por hipótese, a um cidadão soviético - e têm havido alguns casos desse tipo - o Estado Português teria de lhe acudir pressurosamente, com base no artigo 26.°, e lhe atribuir a cidadania portuguesa. Isso parece-me, francamente, um absurdo. Foi nesse sentido, que é, no fundo, um aperfeiçoamento técnico, que propusemos esta alteração.

O problema que V. Exa. coloca é o da garantia da cidadania dos cidadãos portugueses, que está aqui protegida. Mas está igualmente aqui protegida a cidadania dos apátridas - se me é permitida a expressão -, bem como a dos estrangeiros.

O Sr. António Vitorino (PS): - Seja como for, e só para concluir esta troca de impressões, parece-me que a vossa proposta é ultra vires, ou seja, vai além das forças do que vocês próprios pretendem nesse sentido.

Por outro lado, trata-se de uma norma muito importante em matéria de definição do regime restritivo dos direitos, liberdades e garantias. Ela proíbe, por exemplo, alterações à lei da cidadania no sentido de gerar apatridia, pelo que ficará debilitada se se deixar de considerar o direito à cidadania como um direito pessoal integrado nos direitos, liberdades e garantias. A consequência prática é essa.

O Sr. Presidente: - Não, não é essa, na medida em que o n.° 3 permite justamente essa garantia. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho a impressão de que existe aqui uma confusão qualquer, porque o artigo 4.° diz que "são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional". Se o artigo 4.°, ao referir "pela lei", estabelece que compete à lei definir a qualidade de cidadãos, a que título é que estamos preocupados com a palavra "todos"? "Todos" são aqueles que a lei defina como tais e não outros. Ou não será assim? A que propósito é que estamos preocupados com o facto de aqui estar repetida a expressão "todos"? Por poder, contra o que diz a lei, vir um indivíduo a ser considerado português?