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22 DE ABRIL DE 1988 191

tura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos", estar-se-á a admitir que a integridade moral e física dos que não são cidadãos portugueses pode ser violada? Julgo ser óbvio que não.

Portanto, não creio que seja necessária uma clarificação. Pode, porém, ser um debate interessante a travar, e estamos, aliás, disponíveis para isso. Queremos, inclusivamente, aclarar situações até à definição final da nossa própria posição, mas o que não se pode fazer - e quero deixar isto bem claro - é sustentar-se actualmente que o n.° 1 do artigo 25.° é restritivo, bem como se pode entender o termo "cidadão" fora do conceito e da leitura que tem sido feita por todos no sentido de que o que aí se pretende proteger é a integridade moral e física das pessoas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado, ainda bem que essa interpretação tem sido feita. Aliás, não estou de nenhuma forma a alinhar com a interpretação restritiva.

O que me parece é que a manutenção, no n.° 1 do artigo 25.°, da expressão "cidadãos" em nada ajuda à eficácia do princípio da dignidade humana e que ela deve ser rapidamente substituída.

No entanto, diria que, se essa não é a minha interpretação, ela pode, mesmo assim, ser sustentada em relação à diferença entre o n.° 1 e o n.° 2. Senão vejamos. O n.° 2 refere que "ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos", mas o n.° 1 estatui que "a integridade moral e física dos cidadãos é inviolável". Daí poder entender-se que qualquer violação à integridade moral e física dos cidadãos que não seja tortura ou tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos pode ser admissível para um não cidadão. De facto em termos de interpretação isto é sempre possível.

Por conseguinte, não vejo qualquer virtualidade na manutenção da expressão "cidadãos", mas julgo que, apesar de tudo, este raciocínio pode ser feito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, creio que a proposta de V. Exa. visa evitar a interpretação extensiva. Se tal puder ser feito sem ambiguidade, afigura-se-me positivo. Proponho então que a palavra "cidadãos" seja substituída por "indivíduos". Se for utilizada a expressão "indivíduos", não será necessária nenhuma interpretação extensiva e ficará perfeitamente acautelado tudo aquilo que se pretende do ponto de vista jurídico.

O Sr. Presidente: - V. Exa. exclui que o artigo 25.° se possa aplicar a pessoas colectivas no que respeita à integridade moral?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não, Sr. Presidente. Não estamos a fazer formulações para fundamentar raciocínios absurdos a contrario.

O Sr. Presidente: - Percebo a dificuldade de ordem técnica de V. Exa.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Definamos, então, a expressão "pessoas", pois compreendo que não é de boa técnica recorrer a definições. A definição pode neste caso ser útil do ponto de vista da certeza do direito. Se, por exemplo, se quiser dizer que pessoa é o indivíduo humano nascido e com vida, não julgo que isto contenha algo de difícil.

O Sr. Presidente: - O artigo 23.°, Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não, Sr. Presidente. O artigo 24.° não inconstitucionaliza a interrupção voluntária da gravidez. Pela mesma razão, o artigo 25.°, com a formulação proposta - definindo pessoa como um indivíduo humano nascido e com vida -, também não inconstitucionaliza a proibição da interrupção da gravidez. Estamos num domínio neutro e não preferimos esta ou aquela solução tendo em vista o problema da interrupção voluntária da gravidez.

Afigura-se-me que, a não se poder definir, a palavra "pessoa" persiste no texto constitucional com toda a infinita polissemia que sabemos. Nesse caso, a palavra "cidadãos" talvez seja preferível, porque é menos filosófica, mais técnica, mais rigorosa, mais jurídica. Por conseguinte, se não se puder dar uma definição constitucional de "pessoas", mantenha-se então a palavra "cidadãos", porque aí há uma noção menos imprecisa sobre o significado do termo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, fui o causador involuntário de um lapso quanto ao posicionamento ou rastreio dos caboucos da posição actual do PSD. Isto é, na revisão constitucional de 1982 não chegou a ser formulada nenhuma proposta sobre esta matéria, embora tivesse sito intenção de um segmento ou sector da então existente AD fazê-lo. O chamado "Estudo e projecto de revisão da Constituição", do grupo de Coimbra, chegou a incluir uma proposta desse teor, que se fundamentava precisamente nos termos em que agora se explanou a proposta do PSD. Substituía-se no n.° 2 a palavra "cidadãos" por "pessoas", dado que se tratava de um direito que, pelo seu conteúdo, não pode ser recusado aos estrangeiros. Assim fundamentavam os doutos autores a proposta. Isso não chegou a ser transposto para a revisão constitucional, o que, apesar de tudo, se compreende, pelas razões que já foram aqui expendidas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes.

Gostaria apenas de dizer que a discussão pode suscitar alguma perplexidade a quem nos leia, porque, realmente, se há aspecto que tenha sido pacífico ao longo de todos estes anos, é o de que não há nenhum mistério hermenêutico sobre quem é o sujeito dos direitos previstos no capítulo I do título II da parte I. Isto é, no título respeitante aos direitos, liberdades e garantias, o homem é protagonista em três vestes: enquanto pessoa, como termo genérico, inqualificado, enquanto cidadão na comunidade política, com todas as implicações que isso tem, e enquanto trabalhador, no conceito constitucional específico. É tão simples como isto! Quando a Constituição quer designar esse sujeito