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5 DE MAIO DE 1988 227

significado da afirmação do Sr. Deputado Nogueira de Brito de que não queriam precipitar uma discussão sobre o enquadramento constitucional do aborto. É que não estivemos aqui a fazer outra coisa senão essa discussão!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não é nada disso, Sr. Deputado. Não ouviu a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ouvi-o atentamente, Sr. Deputado. Aliás, gostaria de dizer sobre isso três coisas.

Em primeiro lugar, estou inteiramente de acordo com as observações feitas pelo Sr. Deputado Costa Andrade quanto ao facto de não decorrer do enquadramento constitucional qualquer obrigação de penalização de todas as formas de aborto.

Em segundo lugar, estou inteiramente de acordo com a ideia de que o terror penal agrade ao CDS, que pensa que os argumentos ad terrorem são horríveis, mas acha que o terror penal é a melhor forma para a defesa da vida intra-uterina, o que está completamente contraditado por numerosos elementos e estudos e é, desgraçadamente, comprovado todos os dias na vida da sociedade portuguesa, em que o aborto continua a ser penalizado. Como sabem, o aborto só foi parcialmente despenalizado e continua a ser livremente praticado, o que não dói minimamente ao CDS, bem como a presença de qualquer iniciativa nesse sentido. A protecção da vida intra-uterina está aqui a ser usada como uma aparente bandeira da luta por aquilo que julgo ser um encontro, uma audiência que o PSD não concede ao CDS para aprovação de uma lei ordinária sobre esta matéria, já que é de lei ordinária que se trata e não seguramente de enquadramento constitucional. Em relação à primeira parte, isto é um equívoco. Em relação às implicações, é uma bomba atómica. O CDS tem - e mal - uma percepção distorcida, como, aliás, o Sr. Deputado Costa Andrade demonstrou, e dispensa reforço. Se se consagrasse uma cláusula deste tipo, então aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito criaria era uma nova maré de confusão, equívocos ou limitações.

É que das duas uma: ou aquilo que consagrava não queria dizer nada - hipótese essa que foi alvitrada pelo Sr. Deputado Costa Andrade-, porque de seguida poderíamos discutir o que é a concepção e depois a lei orgânica teria de definir as implicações disto e fixar em todas as dimensões aquilo que é o conceito constitucionalmente plasmado, ou, então, poderia significar alguma coisa. Se significa alguma coisa, então o Sr. Deputado Nogueira de Brito terá de explicar ao legislador ordinário quais são os seus pontos de vista em relação a questões tão simples como as da fertilização in vitro, das mães hospedeiras e de todos os outros aspectos relacionados com a experimentação de embriões, todos os fenómenos que se podem verificar na vida humana a partir do momento em que se dá esse fenómeno chamado "concepção", qualquer que seja o conceito que tenhamos do fenómeno da concepção, qualquer que seja o seu enquadramento, quaisquer que sejam os seus protagonistas e por aí adiante. E uma matéria melindrosa e em relação à qual é aconselhável uma prudência e um cuidado gerais. E absolutamente impossível partir para o debate com conceitos de tipo São Tomás de Aquino, designadamente sobre a natureza da mulher ou sobre as relações homem/mulher, seja na versão do Sr. Deputado João Morgado, seja na do Sr. Deputado Nogueira de Brito (que, portanto, distingo, para efeitos, como é óbvio, de divisão)...

Risos.

... mas que neste caso podem ter consequências absolutamente drásticas para o legislador ordinário. Creio que é isto o que o CDS não tem em conta quando embarca para uma operação deste tipo, de olhos fixos unicamente no útero, sem ter em conta que, ao fazer isso, abre portas que colocam algumas das questões mais melindrosas na projecção de ramos avançados de direito, em condições que, por exemplo, inviabilizaram em sede de lei ordinária alguns passos que deveriam ter sido dados há alguns meses atrás mas que hoje em dia, pelos vistos, estão inteiramente congelados.

Creio que, se aceitássemos essas dificuldades que já são reais e sentidas, mesmo sem esta cláusula de arromba proposta agora pelo CDS, o panorama tornaria inextricável qualquer tentativa de elaboração de um regime legal equilibrado, adequado e, sobretudo, voltado para o futuro. Eis ao que conduzem certas opções pelo passado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que esta matéria está esclarecida e as posições já estão tomadas.

Poderíamos passar agora ao artigo 25.° Em relação a este artigo não sei se o CDS quer acrescentar algo à discussão que já houve, visto que a sua proposta era idêntica àquela que foi apresentada pelo PSD e que ia no sentido de substituir a expressão "cidadãos" por "pessoas".

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, entendemos que o que está em causa é a dignidade das pessoas, a qual, efectivamente, não deve ser reduzida a um conceito de cidadania, que nesta matéria é limitativo e restritivo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Restritivo, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Deputado, é restritivo da protecção.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, dou-lhe, obviamente, a palavra, mas nós já tivemos oportunidade de discutir esta matéria e sobre ela já foram explicitados os diversos pontos de vista.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Certo, Sr. Presidente, não queria reeditar essa discussão. É que não tivemos o prazer de nessa altura ouvir o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Suponho, pois, que remeterá para o mérito dos autos, concretamente para uma intervenção do Sr. Presidente. Se o tivesse feito, não diria coisa nenhuma.

Sucede que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dizer que entende que do texto actual decorre uma restrição. Não creio que seja isso o que se desgarra do texto actual. Penso que o debate já travado aponta para que qualquer correcção que se venha a fazer terá carácter técnico. É que já hoje se vislumbra, através dos instrumentos hermenêuticos adequados, que não se pretende introduzir em Portugal uma dualidade de regimes, ao abrigo da qual os cabo-verdianos não têm direito à integridade moral e física.

Portanto, o que se pretende é que Portugal seja não um país de protecção dos direitos humanos, mas sim um país de "mãos livres" em relação aos direitos dos que não forem cidadãos. Penso que não é essa a ideia do preceito e suponho que não há nenhum jurista que assim o interprete.