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12 DE MAIO DE 1988 321

Por outro lado, creio que aqui não há propostas inocentes, porque a grande dificuldade de aplicação deste normativo constitucional não é aquilo que decorre da parte final deste preceito. A parte final do preceito, com aquilo que é uma interpretação escorreita, é perfeitamente entendível no seu alcance. É evidente que os dados estatísticos não são pessoais, porque não são individualmente identificáveis, no sentido do artigo 35.° da Constituição. Referi-lo é a chamada "cautela redundante", mas a supressão dessa cautela pode acarretar problemas sobretudo se deslizarmos interpretativamente com uma velocidade de esqui como aquela que ocorreu aqui agora, porque o preceito terá sido feito por quem o tiver feito e isso é indiferente, mas não pode ser objecto (ou melhor: pode ser, mas assuma-se isso!) de interpretações que procuram excluir certas leituras perfeitamente legítimas face ao conteúdo literal, e não só, daquilo que ficou apresentado pelo PSD.

Tal qual se encontra redigido, o preceito poderia ser escrito assim: "A informática pode ser utilizada para tratamento de dados sobre convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa ou vida particular quando daí não resulte violação de privacidade das pessoas." E simples. Pois não quero eu que o meu sindicato saiba tudo sobre mim? Quero! Então, toma e usa os meus dados pessoais. Tens a minha autorização. Pois a minha igreja não quer saber tudo sobre mim? Pois usa tudo o que sabes sobre mim, incluindo o segredo das minhas confissões. Vou por aí adiante (passando pelos serviços de informações!); só que a Constituição não quis estabelecer isso e um dos problemas a que o preceito, tal qual está redigido, deu origem foi precisamente o de saber quais os limites para o uso de instrumentos informáticos no tratamento de dados respeitantes, designadamente, a associações sindicais. Isto originou abundante "parecerística" da Procuradoria-Geral da República, para além de múltiplos departamentos governamentais, precisamente para saber em que termos e dentro de que limites é que poderíamos usar computadores para tratar dados que poderiam ter este tipo de implicações. Como os Srs. Deputados sabem, nos diversos ministérios o processamento de tudo o que diz respeito a vencimentos, e não só, certo tipo de notações, consta de suportes informáticos com as características que tudo isso tem, nomeadamente da possibilidade de interconexão incontrolada. Portanto, se alguém resolver meter numa daquelas máquinas outros dados ou outros elementos relacionados com tudo isto e se ainda por cima lhe puser um determinado código e estabelecer regras de acesso específicas nos termos das quais o leitor ou um utente normal de um terminal não tem acesso à informação, mas um utente com uma determinada chave e um determinado código tem acesso a toda a informação, então poderia acontecer um quadro em que uma determinada entidade, ou patronal pública ou patronal privada, pudesse ter, por exemplo, acesso não só a dados inócuos, como saber se este ou aquele trabalhador está naquela ou aqueloutra central sindical ou se fez ou não fez a greve no dia 28 de Março. Pode ser interessante, mas é proibido. Portanto, está tudo isto em causa quando se discute este artigo e não há supressões inocentes.

Por outro lado, a cláusula "quando daí resulte violação da privacidade das pessoas", descontada a possibilidade gramaticalmente inverosímil de estar apenas utilizada como qualificando a vida particular na intenção dos autores, ao ser aditada com a supressão da parte final do preceito que hoje existe, e sabendo nós o que o quadro de apreciação do preceito é, este originaria uma debilitação muito considerável do tratamento e da garantia dada de que estes dados não podem ser objecto de tratamento automatizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Queria colocar uma questão muito rápida. Em primeiro lugar devo dizer que, em relação às velocidades de esqui, não sei se o Sr. Deputado José Magalhães não tem essa velocidade ao fazer a interpretação da nossa proposta, porquanto já explicámos qual o sentido da mesma e dissemos qual a diferença entre a situação de haver ou não haver uma vírgula entre as duas palavras que separámos. Se estivesse uma vírgula, a sua interpretação seria correcta; não estando, julgo que é a nossa e só pode ser a nossa.

Em segundo lugar, em relação à diferença...

Vozes.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não, não há diferença entre "e" ou "ou", haveria em relação à existência ou não de uma vírgula.

Em relação à questão que me colocam dos dados individualmente identificáveis, queria dizer que pode haver dados pessoais que não sejam individualmente identificáveis, mas, como dados pessoais que são, podem pôr em causa a privacidade das pessoas e portanto não é rigorosamente exacto falar-se em privacidade ou violação da privacidade por um lado e falar-se em dados pessoais individualmente não identificáveis. Julgo que a nossa restrição é uma restrição maior do que a restrição que existia e nesse entendimento é assim que a nossa proposta deve ser interpretada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio que há duas questões que importa aclarar. A primeira é esta: a interpretação, em estritos termos gramaticais, que o Sr. Deputado José Luís Ramos faz da proposta do PSD pode ser subscrevível. Acontece que, em termos da escrita constitucional, não pode afastar, de forma alguma, aquela outra que o meu camarada José Magalhães há pouco fez e, perante esse risco pairante, não há outra solução que não seja a de se procurar uma formulação segundo a qual aquilo que o PSD quer fique lá escrito e não uma formulação altamente ambígua como esta.

O Sr. Presidente: - Está adquirido.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Segunda questão: suponho que se alguma problemática levanta a formulação constitucional do n.° 3 do artigo 35.° é a de poder referir-se alguma vaguidade na definição do que é a vida privada. Isto tem sido sinalizado pelos variados comentadores da Constituição e, naturalmente, importará saber se a vida privada, neste contexto, inclui o universo dito "tradicional" - família, o mundo das relações sexuais, o mundo da saúde - ou se inclui também os chamados "direitos da terceira geração", ou aqueles que têm a ver com uma outra esfera de privacidade que recentemente vêm ganhando foros na própria ordem jurídica interna, como, por exemplo, os direitos da criação.

Do meu ponto de vista, e segundo aquilo que tem sido genericamente entendido, direitos deste tipo têm de ser acautelados e, portanto, a vida privada envolve-se na plenitude. Ora, a formulação que o PSD avança vem a ser, do meu ponto de vista, francamente redutora face a esta constelação de problemas que acabo de suscitar.