14 DE JUNHO DE 1988 473
a realidade histórica electiva de Portugal, na fase precedente ao actual ordenamento constitucional e no quadro da experiência política já dentro deste ordenamento constitucional, que a sua adopção nos poderia levar para limites de indeterminação tal que não poderíamos hoje avaliar com rigor as suas consequências.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Não fora o lacto de ter aparecido - e isso e positivo, não estou a fazer uma crítica- uma visão tão multifacetada do PSD em relação a este problema, designadamente não no que diz respeito ao próprio projecto do PSD mas ao apoio ao projecto do CDS, e eu não tornaria a Talar. É evidente que um certo oficialismo da intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo nos veio meter em "baias" mais claras, percebendo nós qual era afinal a posição do PSD. Mas a verdade é esta: é que, para além de entusiasmos de constitucionalistas por exemplo estrangeiros, talvez um pouco acrílicos - e desculpe-me a expressão, Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, mas já vou explicar porque -, houve, em lodo o caso, outras defesas desta última parte da proposta do CDS. Como a tenho por excessivamente perigosa e não penso estar a sobrevalorizar o âmbito da proposta e as suas consequências, queria só referir-me a isto. Esta proposta, a fazer vencimento - o que penso estar de todo em todo afastado -, poderia introduzir aquilo que queremos afastar - a querela constitucional. Poderia facilmente introduzir uma nova querela constitucional, coisa que a nossa bancada está sumamente interessada em afastar da realidade portuguesa. Poderia transformar-se em bandeiras variadíssimas, quer contra uns quer contra outros, quer a favor de uns, quer a favor de outros.
Penso, Sr. Deputada Assunção Esteves, que não têm razão - e eu estava para lhe fazer a pergunta, mas transformo-a em intervenção - porque o que está em causa não é a acção dos partidos ou das organizações mas sim o fim que proclamam. Tem a prova na sua tão admirada - e também por mim - Constituição de Bona e na sua prática - aqui, não é admirada por mim e vou-lhe dizer porquê. Já foram inconstitucionalizados pelo Tribunal Constitucional Alemão pelo menos três partidos comunistas, mas continua a haver partidos comunistas na RFA. Porquê? Foram inconstitucionalizados com base apenas naquilo que constava dos seus estatutos e não na sua acção. De facto, 6 evidente que ninguém vai pretender que os comunistas que acabaram com um partido e foram fundar outro a seguir não têm efectivamente o mesmo tipo de acção. O que eles mudaram foi os estatutos, deixando de incluir cláusulas que, essas sim, foram a substância e a causa da ilegalização desses partidos. Portanto, Sra. Deputada, a sua intervenção parece-me ainda mais perigosa na medida em que o Tribunal Constitucional Alemão apenas teve em vista fazer o controle daquilo que as pessoas, nos seus estatutos, estabelecem como objectivos. Porem, se daí passarmos para uma realidade ainda mais sid generis e que consiste em dizer não nos interessa aquilo que as organizações dizem constituir os seus objectivos mas sim a sua acção, então encontrar-nos-emos num campo ainda mais perigoso, porque totalmente fora do único controle objectivo que consiste na declaração estatutária dos objectivos a prosseguir por cada organização. Consequentemente não dedicaria tanto tempo a esta última parte proposta pelo CDS nem lhe faria perder mais tempo. Não fosse o caso de ler havido algumas defesas entusiasmadas desta proposta, que, quanto a mim, deve ser afastada in limine, da correria o perigo, caso fosse aprovada, de trazer para o seio da vida constitucional portuguesa uma querela sem fim, sendo o exemplo mais típico precisamente o da Constituição de Bona.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Pretendia apenas referir que não deixarei de considerar todas as observações produzidas pelo Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fico um tanto surpreendido porque dir-se-ia que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves fez uma leitura benévola da proposta do CDS. Não querendo, obviamente, taxá-la de viciada no pecado de ingenuidade política, a observação com que agora, promissoramente, nos permite encerrar o debate - refiro-me ao facto de ir pensar nesta matéria - leva-me a ficar com alguma curiosidade...
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu percebi, Sra. Deputada, e respeito as reflexões pessoais. Porém, leva-me a ter a seguinte dúvida: que interpretação e que admitia que a cláusula do CDS pudesse ter que não bebesse nestas águas bastante inquinadas que o Sr. Deputado Vera Jardim perante nós agitou, invocando a experiência histórica e aquilo que são perigos comprovados da sua aplicação?
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ler falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais da oradora)... eslava cá quando fiz a última intervenção?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pretendia apenas registar uma observação. Não nos perturba, na presente circunstância histórica portuguesa, que a questão seja colocada em termos de desaustinada cópia de fórmulas importadas da Grundgesetz ou de qualquer Constituição cujo modelo seja similar. Não nos parece que na circunstância histórica portuguesa se possa colocar qualquer situação paralela àquela que, na RFA, se colocou no pós-guerra, assim como não nos parece que as actividades das forças políticas e sociais que se movem na nossa esfera sejam susceptíveis de uma evolução no sentido daquela que se registou na RFA. Deveria lambem assinalar que, se na RFA se verificam ainda traços negativos decorrentes de concepções de Estado musculado, de democracia limitada, de defesa de um certo proselitismo de exclusão de forças sobre as quais se lançam labéus bastante "sidados" de não adesão à ideologia capitalista e à lógica social de mercado, também é verdade que foram dados passos positivos nos últimos anos. Hoje, na opinião pública, o Berufsverbot encontra substancial isolamento e limitações na sua aplicação e não passa pela cabeça de ninguém ilegalizar o Partido Comunista. Por outro lado, se isso se verifica aí, mais claramente se verifica aqui. Porém, não é isso que é inquietante mas sim o facto de, no panorama político português, a perda da memória histórica se verificar no partido que alcançou no dia 19 de Julho um determinado pico eleitoral que, a lodo o custo, quer manter. Mas quer mantê-lo perdendo também a memória do passado. E é isso que nos inquieta.