14 DE JUNHO DE 1988 469
à revivescência das concepções fascistas"... Isto é, o apostolado do indiferentismo, a desvitalização do vector antifascista é um apostolado perigoso que, pela nossa pane, não subestimamos.
Portanto, Sr. Presidente, achamos que a supressão da norma seria extremamente negativa por todas as razões e ainda por uma que a Srs. Deputada Assunção Esteves teve ocasião de referir: é que a pedagogia antifascista - à qual se referiu com um tem que, naturalmente, não me cabe censurar porque se pode ter em relação ao antifascismo o maior desprezo, com o que as pessoas apenas se auto-definem - não pode ser tida, em nosso entender, como desactualizada ou desnecessária. O que não quer dizer que tenha de ser feita de forma ineficaz, repetitiva e unicamente traduzida na evocação mecânica de elementos do passado, muito embora, naturalmente, importe invocar o passado, sobretudo para o esconjurar. O supremo apelo que, neste momento, nos e feito e o de sermos capazes de demonstrar todos os dias como foi bom que o regime democrático fosse instaurado e como custou tão caro que durante tantos anos tivesse sido necessário suportar e combater o regime fascista.
Consideramos, Sr. Presidente, que a dissolução da noção de antifascismo constitucional numa noção vaga, indefinida e de contornos variáveis seria, evidentemente, o pior de todos os males, uma vez que poderíamos converter uma cláusula que procura ser precisa (e que tem uma fundamentação histórica determinada) no seu preciso contrário, susceptível de ter abrangências perversas.
Não vemos, naturalmente, que esteja aqui a "arma total" para os combates do futuro. Isto, que pretendeu ser uma pedra sobre o passado negro e uma cláusula contra revivescências, não nos resolve o problema dos "Le Pen". De facto, não sabemos qual a cara que lerá o Le Pen português, não sabemos se, neste momento, anda de calções, não sabemos de que cor e a camisola que veste, não sabemos se anda incontinente e inconformado em algum partido, não sabemos, por exemplo, se não e o indivíduo que diz, de forma populista e com matizes bastante conhecidos de todos nós, que "a revisão constitucional é um caso perdido", e que "das duas, uma: ou se reconhece imediatamente o direito de certas regiões do País a certas prerrogativas separatistas ou então há quem parta de estandarte armado para uma guerra santa". Não sabemos se se está aí a forjar alguma coisa de negativo que, no seu desenvolvimento, venha a dar um monstro. Mas devemos estar extremamente alentos a essas concepções. Porque nesse jardim nascem abrolhos e outras flores do mal.
Sr. Presidente, a minha última observação vai para aquilo que no CDS pretende ser tentador. Isto e, quando se apela à nossa vontade de defender a "unidade do Estado" e se propõe a substituição desta cláusula, apela-se mal porque as organizações que atentem contra a unidade do Estado são organizações cujos fins não são conformes com a lei penal, pelo que, nos termos do n.° 1 do artigo 46.º, já hoje podem e devem ser objecto de combate penal. E, se alguém quer - o CDS por exemplo - promover esse combate penal, tem muitíssimos meios para o fazer, não necessitando de introduzir esta norma que aqui e proposta. Pelo contrário, ela pode ter desenvolvimentos perversos, um dos quais e o facto de desembocar na criação de um instrumento para o combate àqueles que supostamente atentem contra o regime democrático. Recusamos isso em tese geral, não só pelas razões que o Sr. Deputado Vera Jardim, falando do exemplo da RFA, salientou, em condições e termos que dispensam reforço e com os quais estou inteiramente de acordo, como lambem - e com isto termino- porque, num quadro em
que o partido maioritário não se identifica com aspectos fulcrais do regime democrático nascido do 25 de Abril e do derrube do fascismo e quer mudá-lo e em que, por outro lado, quer substituir o regime vigente pelo seu programa partidário que ainda não sabe qual vai ser, tendo por programa, afinal, a flutuante vontade do chefe, isto introduziria uma cláusula de indefinição perigosíssima, susceptível de conduzir a desenvolvimentos perversos na vida democrática portuguesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, não acha que muitas das suas considerações fundamentam e justificam a minha proposta, designadamente quanto ao entrismo, quanto à opção por não se assumirem os fascistas como fascistas e com a sua identificação própria?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, respondo-lhe rotundamente que não. Na verdade, o raciocínio que consiste em dizer: as organizações fascistas são proibidas, logo não há organizações fascistas; se não fossem proibidas as organizações fascistas, haveria organizações fascista e logo os cidadãos fascistas organizar-se-iam, constituiriam as suas organizações e existiriam à luz do dia de forma visível, transparente e clara, sendo assim mais fácil dar-lhes combate, é um raciocínio que falece no seu pressuposto básico. A proibição de organizações fascistas pode dar origem a fenómenos de entrismo. É óbvio. Isto é, os fascistas escolhem - escolheram historicamente, como se sabe - caminhos vários (para não esconder os que no dia seguinte se travestiram de democratas, logo de madrugada a poucas horas). Alguns andam por aí inconsoláveis, estão impenitentes, irados e iguais ao primeiro momento. Não aprenderam nada e não esqueceram nada. E esses são os da estirpe que se pode reclamar como nunca tendo alterado um milímetro a sua posição. Não sabemos quantos são. Se o Sr. Deputado liberalizasse as organizações fascistas, impediria o entrismo? Ou criaria um novo campo de actuação, abrindo uma dupla face, duas vias aí onde só há uma? A minha resposta é a de que provavelmente abriria duas vias aí onde só há uma. Não só V. Exa.? não impediria entrismo nenhum, como os fascistas actuariam em duas faces e duas vias, abririam uma que está proibida. E é isso que lhe pergunto se tem alguma legitimação. Em nome de quê? Em nome de uma sociedade aberta e tolerante? Em nome de uma sociedade que, através da pedagogia não traduzida em elementos de constituição jurídica, conduza à eliminação das sementes do fascismo? Em nosso entender, não e legítimo, ou não é aconselhável, prescindir neste momento do instrumento que em 1976 inserimos na Constituição, extraindo todas as lições do nosso passado recente. Os anos que vão passados de 1976 a 1988 não provaram, quanto a nós, que essa supressão fosse necessária e que, menos ainda, conduzisse aos resultados que o Sr. Deputado deseja. Então aí, a sua melhor intenção teria dado o pior resultado. E é isso que nós queremos evitar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, pretendia apresentar um protesto começando por dizer que, salutarmente, não tem havido nesta Comissão muitas