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14 DE JUNHO DE 1988 471

possa invocar dragonas de combatente contra o regime anterior. Nilo se exige isso. Mas, por assim ser, não viremos as coisas ao contrário, punindo aqueles que lutaram pela liberdade e pelo regime que temos. Isso eu não aceito. Tendo lutado, tenho memória, não posso bani-la nem riscá-la. A memória é algo que existe independentemente da nossa vontade. E é importante que exista. As civilizações não são compartimentos estanques, os regimes também não, nem os acontecimentos: engrenam uns nos outros. Se a I República tivesse guardado a memória dos últimos tempos da monarquia, talvez não tivessem ocorrido nem o 28 de Maio nem os 50 anos de silencio, obscurantismo e tirania que sofremos na carne.

Devo acrescentar o seguinte: se, depois de cá ter estado, retiramos a referencia à proibição, no dia seguinte temos aí um partido fascista em Portugal.

Claro que me podem dizer que não estão, neste momento, proibidas na Constituição - embora o estejam no Código Penal- as organizações contra a unidade nacional e que elas existem, os seus responsáveis dão entrevistas e são recebidos pelos mais altos responsáveis, incluindo o Ministro da República!

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Incluindo o Ministro da República" - isso não exclui o Dr. Mola Amaral, como 6 óbvio.

O Sr. Presidente: - Não exclui ninguém! Todos têm o direito de dar entrevistas e defender a separação dos Açores a título de emissão de uma opinião pessoal. Não tem é o direito de se organizar em quadros que perfilhem a ideologia fascista. O Dr. José de Almeida, nas suas entrevistas, tem revelado a existência de uma insipiente organização, a que pertence. É certo que não era precisa a proibição da Constituição, existindo a do Código Penal. Mas ela está cá. Tirá-la seria lembrar a jovens que andam por aí de cabelo rapado "à escovinha" e de motocicleta de não sei quantos cavalos a fundação de um partido fascista com consequências graves que hoje não temos.

As constituições devem ser, tanto quanto possível, ideologicamente bonitas e boas para se lerem à lareira. Mas devem ser, sobretudo, práticas e resolver problemas concretos. Se os não temos, vamos criá-los? Essa é a razão pela qual, como o Sr. Deputado Vera Jardim disse, depois de termos meditado sobre se valeria ou não a pena manter esta proibição, a mantivemos. O mesmo fez o PSD. Poderíamos sintetizar com este pragmatismo, suponho eu, bastante saudável, a desnecessidade de continuarmos uma discussão teórica, aprofundada, sobre todas as implicações positivas e negativas da permanência desta proibição.

Pedia-vos agora, se possível, que fossem um pouco mais sucintos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, embora a reunião vá continuar (penso que não será por muito mais tempo), tenho de me retirar.

O Sr. Presidente: - Faça o obséquio.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cosia Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... uma vez que o PS tem feito, como o demonstra pelas intervenções feitas, grande reflexão sobre o tema, penso que seria muito útil e reduziria bastante a complexidade com que nos temos defrontado aqui. No fundo, quero perguntar-lhe se o PS não vê de momento hipótese de alteração deste artigo no sentido...

O Sr. Presidente: - Há um acordo tácito entre nós em que, nesta primeira passagem pelas matérias, não haja declarações de intenção de voto. Mas diria que o facto de nós, depois de termos reflectido sobre o problema, como o Sr. Deputado Vera Jardim revelou, termos mantido esta proibição significa que não estamos predispostos à sua eliminação. E queria dizer ainda que, se há expressões de conteúdo ideológico na Constituição que, com utilidade, podem ser eliminadas; esta, a ser eliminada, provocaria alguns problemas práticos que não vale a pena criar. Sobretudo isso, mas também alguma coerência em termos de valores que salvaguardamos porque temos a tal memória que, espero, o Sr. Deputado Carlos Encarnação não nos proíba de continuar a ter.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Presidente leva-me a dizer que lenho o maior, mas o maior, dos respeitos por quem se bateu contra o fascismo. Não queria deixar de o dizer nem que isso deixasse de ficar registado em acta. Não quero de maneira nenhuma desmerecer os vossos esforços. Aliás, eu próprio, apesar de ser novo, cheguei a enfrentar algumas dessas situações e, por isso, estou particularmente à vontade para falar. Mas o que não quero é que esse estado de alma impeça as pessoas de pensar com actualidade sobre algumas questões. Admito perfeitamente que haja traumas provenientes de toda essa situação, mas não gostaria - até porque eu próprio não o faço - de transmitir e transportar esses traumas para a minha vida corrente e para a minha forma de encarar o futuro. É apenas isso! Tenho uma visão positiva e não negativa da vida!

O Sr. Presidente: - Mas não é possível encarar o futuro como um corte em relação ao passado. Não é saudosismo! É causalidade, é concatenação de fenómenos. Não tem nada a ver com saudosismos. Não sou saudosista, nem nunca fui, nem tendo a invocar as dragonas das minhas lulas. É que os fenómenos encadeiam-se casualmente, e o esquecimento das causas faz com que, irreflectidamente, se aceitem as consequências. É só isso - mais nada! V. Exa., de vez em quando, tem de nos permitir que continuemos a invocar os valores que considerámos negativos, para conseguirmos obter os antípodas.

Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Efectivamente inscrevi-me, aquando da intervenção da Sra. Deputada Assunção Esteves, mas, por uma questão de autodisciplina, cuidei de não intervir a propósito do que foi dito por outros Srs. Deputados. Contudo, o lema é ainda o mesmo e por isso me permito pronunciar sobre ele.

Penso que a Sra. Deputada Assunção Esteves inaugurou a sua intervenção de uma maneira interessante, ao admitir que qualquer regime constitucional demo-liberal pode admitir um ou vários princípios de democracia protegida. Efectivamente, o n.° 4 do artigo 46.° é, em si, mesmo, um afloramento de um desses princípios numa democracia que quer garantir-se alguma protecção, num momento em que o poder constituinte material, o poder de auto-organização do Estado, se faz a partir de uma dada ideia de direito - que é, de resto, a que está consignada no preâmbulo da Constituição -, uma ideia material de direito, patentemente feita contra um regime ditatorial que, independentemente das profundas especulações sobre a sua qualificação, foi qualificado como um regime de tipo fascista.