472 II SÉRIE - NÚMERO 16-RC
A consagração, portanto, desta especial protecção do regime demo-liberal e uma questão de memória - não e a questão da memória de qualquer um de nós, a título individual -, e uma questão de memória que o poder constituinte material quis traduzir na sua constituição, para que ficasse como um símbolo e uma expressão de contra quem teve de fazer-se o processo de implantação da democracia em Portugal. Essa memória e, do ponto vista do património histórico dos Portugueses, ainda suficientemente válida para continuar a ser uma inspiração material da democracia portuguesa - neste sentido, é uma ideia de direito, à qual vale a pena mantermo-nos fieis: como princípio de democracia protegida, com relação com essa memória, tem a ver com a nossa realidade histórica e, por isso mesmo, não tem a ver com qualquer outra realidade histórica, a meu ver invocada intempestivamente pela Sra. Deputada Assunção Esteves, e que de alguma maneira está reflectido no projecto apresentado pelo CDS. Porque, justamente, o projecto apresentado pelo CDS desloca a questão da ideia material de direito, central na nossa Constituição, relativamente à defesa perante o fascismo, para dois conceitos diversos: um, de defesa da unidade nacional, conceito indeterminado, curiosamente não idêntico ao referido nos artigos 2.º ou 3.º, relativamente a unidade da soberania - resta-nos saber se, não sendo o conceito de "unidade nacional" expresso na Constituição, ele é porventura um conceito comparável a outros como, por exemplo, e de "identidade cultural da nação"; e aí, começaríamos a ter equivalências cada vez mais indeterminadas e não saberíamos onde iríamos parar. Razão pela qual mandaria a prudência que não nos a tivéssemos a este tipo de conceito.
Quanto à questão da protecção de certo tipo de associações que estivessem em contradição com o regime democrático - mas o regime democrático e algo mais do que sistema de governo ou do que forma de governo; donde que uma qualquer organização política que não estivesse em contradição com o sistema patente na Constituição, ou sequer com a forma de governo, máximo com a forma republicana de governo, por ler finalidades que, num determinado momento pudessem ser interpretadas como contraditórias, relativamente a uma certa posição dominante na sociedade portuguesa, poderiam essas finalidades ser valoradas de forma ião negativa que fossem consideradas como sendo contraditórias com a do regime democrático. Dou um exemplo que, não sendo meu, estarei à vontade para referir: imagine-se um partido político que defende o sistema de governo actual, a forma de governo actual e, todavia, protagoniza, por exemplo, a colectivização integral da economia; esse partido político, de certa maneira, poderia vir a ser colocado na situação de estar a protagonizar posições contrárias ao regime democrático defendido na Constituição. Tudo isto e demasiado indeterminado para poder merecer consagração constitucional, tal como o CDS no-lo propõe.
De onde, em conclusão, e com fundamento na boa prudência, resultante das palavras de há pouco do Sr. Vice-Presidente Almeida Santos, lambem eu queria testemunhar a total adesão ao n.° 4 do artigo 46.°, não por inércia, mas antes por considerar que esse princípio reflecte bem o que e uma das ideias materiais centrais do ordenamento constitucional português.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Uma vez que toda a exposição do Sr. Deputado Jorge Lacão me foi dirigida - aliás, o prenúncio da sua exposição e do endereço que fez dela já existiu quando aplaudiu freneticamente o Sr. Deputado Vera Jardim -, só queria fazer duas considerações e uma pergunta.
A primeira e que, quando me referi ao projecto do CDS, não esqueci o projecto do meu partido, mas este não me inibe de manifestar alguma simpatia eventual pelos projectos dos outros partidos, sejam do CDS ou de outro partido qualquer, e, nesse sentido, achei por feliz a fórmula contida no n.9 4 do projecto do CDS. Não vou repetir o que disse, vou apenas fazer-lhe uma pergunta e expor um pensamento. A pergunta e - e refere-se à primeira parte da sua exposição - se entende ou não que, na fórmula "organizações que combatam o regime democrático" se incluem ou não, claramente, as organizações fascistas. A segunda é referente aos dois últimos termos do n.° 4 "contra a unidade nacional" - como disse o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos, já se inclui nas próprias previsões do Código Penal - e "o regime democrático" que, creio, não é de tão difícil delimitação como o Sr. Deputado quer fazer crer.
Em meu entender, o que e fundamental não é o nome que as organizações tem, não é a diversidade dos seus contornos, o que é fundamental no entendimento, na interpretação do n.º 4 não é a intenção dessas organizações, não e o fim que elas proclamam prosseguir mas sim a acção que desenvolvem e respectivos efeitos. Se entendermos que relativamente ao n.º 4 julgamos acções, isto e, perpetrações de intenções e não intenções, verá que não é difícil nem perigoso e que a fórmula "organizações que alentem contra o regime democrático" pode eventualmente ser mais feliz do que a fórmula restritiva "organizações de ideologia fascista".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves perguntou-me se, do meu ponto de vista, se incluiriam ou não "as organizações fascistas" no âmbito mais global das "organizações que atentem contra o regime democrático". Muito embora efectivamente se incluam, o problema não reside, porém, aí. É que, para além de se incluírem essas organizações, incluir-se-iam também muitas outras, cuja extensão não estamos em condições de determinar. Este e que e o problema. De onde, como não estamos em condições de a determinar, o problema que se coloca e o de saber, tendo o próprio conceito "regime político" a ver com adesão a valores e com a ideologia prosseguida pelo próprio sistema político num determinado momento, como é que será possível qualificar como ilícitas, de um ponto de vista criminal, certas organizações que prossigam determinado tipo de valores ou que prossigam determinadas ideologias de poder que, aparentemente ou ate na prática, estejam em contradição com alguns dispositivos constitucionais. É isso motivo bastante e suficiente para as ilegalizar? Eu direi que não. E, nessa medida, apenas estarei disponível para aceitar como princípio de protecção à democracia portuguesa aquele aspecto que é essencial no percurso histórico de Portugal e que se refere à circunstância de a democracia portuguesa ler ocorrido em ruptura com uma ditadura de tipo fascista. Como este aspecto tem raízes profundas na história democrática portuguesa, trata-se do único princípio que considero suficientemente justificado para constituir um princípio de protecção à democracia. Todos os outros são de tal forma indeterminados, tem de tal modo pouco a ver com