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14 DE JUNHO DE 1988 467

O Sr. Presidente: - Sucessivas perguntas e diálogo difuso e que não!

Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Apesar de tudo, considero muito útil esta troca de impressões, porque demonstra que os argumentos justificativos da não aceitabilidade ou não pertinência da proposta do CDS são os mesmos que justificam a eliminação do inciso final do n.º 4. Penso que o sistema e o regime português ganhariam com uma liberalização do preceito nos lermos da proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, de forma que as instituições políticas possam aproximar a sua prática do respectivo programa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Pensamos que se deve manter o n.º 4 tal como se encontra na Constituição, por várias razões.

Em primeiro lugar, o regime democrático português, tal como está delineado, não e algo que tenha caído em Portugal de pára-quedas; nasceu em 1974, mas tem raízes muito mais profundas. Essas raízes, muito mais profundas, da democracia entroncam em algo que, segundo julgo, tem a discordância do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, que e o ensinamento dos pensadores da Revolução Francesa, de que não pode haver liberdade para os inimigos da liberdade. Ora, os inimigos da liberdade são as associações fascistas, que deram tristes provas, durante 48 anos, no nosso país. Mas pode dizer-se que o fenómeno do renascimento actual do fascismo não existe? Não, Srs. Deputados, penso que ninguém pode dizer isso. Basta ver, quanto a recente campanha eleitoral francesa para a Presidência da República, as fotografias, publicadas pelos jornais, da organização do candidato Le Pen para se constatar como assume contornos preocupantes em França o renascimento de uma organização fascista. E o Sr. Deputado Vera Jardim já citou aqui o caso da Alemanha Federal. É irreal e perfeitamente deslocado invocar-se a comparação com a Constituição da RFA, quando aí está a pagar caro a insensibilidade perante o fenómeno que já os acomete gravemente, que é o do renascimento de organizações nazis na Alemanha Federal.

Por isso, e sem que haja, ao contrário do que o Sr. Deputado Carlos Encarnação supõe, qualquer ligação fora de tempo com o passado, o facto e que não nos podemos esquecer de que a democracia portuguesa surge num quadro temporal limitado, como consequência, precisamente, da existência de um partido de tipo fascista, que impôs as suas condições durante 48 anos em Portugal - e foi isso que travou o curso do desenvolvimento da democracia portuguesa. Por outro lado, a nossa democracia não nasceu apenas em 25 de Abril; vem de muito mais longe, vem dos próprios ensinamentos dos homens da Revolução Francesa, que foram os primeiros a levantar o sistema democrático e que ensinavam - e nisso que hoje continuamos a insistir- que os inimigos da liberdade não podem ter direito à liberdade. É isso que está consagrado na Constituição. Quando se diz que "não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista", essa e caracteristicamente a descrição de uma organização inimiga da liberdade. Só se a democracia se quiser suicidar e que poderia autorizar o seu livre desenvolvimento.

Vem o CDS e propõe uma outra redacção para este preceito. Já o Sr. Deputado Almeida Santos chamou a atenção para o que significaria retirar a actual redacção em nome destoutra agora proposta e as implicações que isso leria ale a nível da lei penal. Mas não é só isso o que está em causa; são também as próprias implicações políticas. É que isto seria dar a ideia de que os deputados abandonaram não só os ensinamentos que enformam o regime democrático como também as próprias características que deram lugar ao actual regime democrático, com raízes imediatas no 25 de Abril. Só isso poderia justificar a eliminação da actual redacção. A redacção que o CDS propõe e uma forma de excluir - e estranha-se tanta simpatia manifestada por alguns Srs. Deputados - a redacção actual, introduzindo uma formulação que e muito perigosa, por pôr de lado o que está expressamente consignado e permitir as maiores ambiguidades na classificação das organizações.

O Sr. Carlos incarnação (PSD): - Mas V. Exa. acha que eu me esqueço disso, depois daquilo que lhe disse?

O Sr. Raul Castro (ID): - Não acho que V. Exa. se tenha esquecido. O que acho é que é necessário relacionar a memória dos acontecimentos. Ao contrário - permita-me que lhe diga o que já disse no Plenário - V. Exa. faz um corte com o passado. Não e a questão da modernidade; é que a modernidade tem raízes e estas não se podem cortar. Quando V. Exa. diz que estamos voltados para o passado, diria que não estamos! Poderia então dizer-se, por exemplo, que, quando exaltamos os Descobrimentos, lambem estamos voltados para o passado? Não estamos! São acontecimentos da história nacional a que temos de estar sempre ligados, acontecimentos esses que são lambem o nascimento dos próprios princípios democráticos que vêm de 25 de Abril e de mais longe, da Revolução Francesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Penso que não faço corte com o passado.

O Sr. Raul Castro (ID): - O Sr. Deputado é que sabe! ...

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Penso que não. Inclusivamente, é frequente acusarem-me de não cortar demasiado com o passado. Neste aspecto, estou muito bem como estou. Efectivamente o ensinamento de Saint-Just de que não há liberdade para os inimigos da liberdade não é o ensinamento da Revolução Francesa. Há várias correntes na Revolução Francesa, sendo uma delas a dos jacobinos. Entre os jacobinos contava-se a de Saint-Just como corrente extrema. Não e o meu ponto de vista. Independentemente das razões históricas que enquadraram essa fórmula de Saint-Just, afigura-se-me que não é esse o ensinamento da tradição democrática.

Mas V. Exa. falou de uma personagem política mais recente. Deixemos Saint-Just e fiquemos na actualidade. Falou do Sr. Le Pen. Não gosto de fazer, nesta sede, considerações de natureza circunstancial sobre a política nacional e muito menos sobre a polílica estrangeira. Mas não se lhe afigura, Sr. Deputado Raul Castro, que, em termos eleitorais, quem verdadeiramente foi prejudicado pelo Sr. Le Pen foi o Sr. Chirac?