14 DE JUNHO DE 1988 463
O Sr. Presidente: - A formulação apresentada pelo CDS parece ler como destinatárias as pessoas e as organizações que nas regiões insulares defendem, dando entrevistas contrárias à unidade nacional, a independência desses territórios. É claro que são vozes isoladas sem importância de maior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, estou totalmente em desacordo com a formulação da proposta de substituição do n.° 4 do artigo 46.° apresentada pelo CDS. Ela vem alterar a segunda parte da redacção inicial do referido n.° 4, passando então a ler o seguinte texto: "[...] nem organizações cujo objectivo ou acção atente contra a unidade nacional ou o regime democrático." Creio que esta nova formulação e extremamente indeterminada e pode voltar-se contra quem bem calhar, independentemente das considerações que acaba de proferir o Sr. Deputado Almeida Santos. Aliás, pelos acenos de discordância de alguns Srs. Deputados, verifico que há uma grande indeterminação sobre o alcance da norma. Afigura-se-me, pois, que não 6 de acolher esta proposta de substituição apresentada pelo CDS.
Quanto à questão das organizações que perfilham a ideologia fascista, devo dizer que o que está eficazmente proibido e o nome, ou seja, não se autoriza que um partido se chame "fascista". De facto, nada mais está proibido.
Entretanto, poder-se-á perguntar: o que é a ideologia fascista? Em Portugal ou só na Itália houve fascismo? Salazar era fascista ou tão-só Rolão Prelo? Creio, pois, que essa é uma expressão de sentido indeterminável e, por consequência, não tem sentido útil para a apreciação dos conceitos. Daí que, estando proibido o nome, não esteja proibida a coisa. Afigura-se-me, pois, que e injustificado proibirmos o emprego do nome "fascista". Aliás, este não é o meu pensamento de agora. Era já o meu antes do 25 de Abril. Tal ponto de vista consta de um livro meu publicado em 1973 e apreendido pela PIDE não propriamente por dizer isto, mas por defender outras coisas. Aí preconizei, a p. 54, um regime, que chegou felizmente um ano depois, "ilimitadamente pluralista e pluripartidário". E VV. Exas. desculpar-me-ão, mas o certo e que, quando escrevi isso, estava também a pensar nos fascistas. Portanto, e já bastante antiga a minha ideia de que os fascistas têm direito a constituir partido, tal como qualquer outra ideologia. É injustificado exceptuar os fascistas deste direito.
Alem disso, se e ilegítimo uma organização partidária perfilhar a ideologia fascista, quer isso dizer que também o será a acusação de que ela perfilha a ideologia fascista. De facto, se em Portugal alguém formular contra algum partido político a acusação política de defender essa ideologia, pode considerar-se que está a fazer uma imputação criminosa ou injuriosa. E, neste aspecto, afigura-se-me que esta proibição do nome, que não da coisa, é, no fundo, a proibição de dar o nome à coisa. É um argumento que me parece relevante, embora não essencial para justificar a minha proposta.
Ora, a ideologia fascista tem, e repilo, um alcance indeterminado. Há até uma grande tendencia para estabelecer paralelos abusivos desta ideologia o mesmo em tempos recentes. De facto, quem e que não ouviu falar em social-fascismo? Como e que isto pode ser um dia interpretado? Quem são os fascistas? Para alguns, eles poderão ser aqueles que em 1975 eram chamados os sociais-fascistas. Existe, pois, um risco nesta proibição. Por consequência, o alcance indeterminado e perigoso desta proibição e mais um argumento no sentido de retirar da Constituição tal limitação.
Entretanto, foi dito que talvez não fosse oportuno retirar esta proibição. Penso, porém, o contrário. Em 1975 estávamos ainda próximos do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e, por consequência, havia uma sensibilidade especial em relação a esta matéria. Isto leva-me a pensar que a proibição está hoje antiquada. Ela pertence às preocupações históricas da Constituinte de 1975 e não às do revisor da Constituição de 1988.
Foi igualmente invocado que em Itália existe uma disposição constitucional semelhante. Penso que isso não é exacto. Em lodo o caso, se ela existe, tal facto não proíbe nada, porque o Movimento Social Italiano é declaradamente fascista, ainda que haja a proibição da existência de organizações fascistas na letra da Constituição. Suponho, todavia, que o que lá está proibido e a reconstituição do extinto partido fascista. O mesmo se passaria se em Portugal tivéssemos no ano de 1975 proibido a reconstituição da extinta Acção Nacional Popular. Uma medida desse teor seria, quanto a mim, correcta. Seria a proibição da existência da ANP em razão do modo como se desenvolveu, ou seja, à custa de situações ilegítimas, e não a ideologia em si mesma.
Assim, por este conjunto de razões peço a vossa ponderação sobre esta minha proposta. Ela é, no fundo, simples, nada traz de inovador na prática e apenas pode acautelar situações indesejáveis no futuro, se não mesmo no presente. Aliás, fico um pouco mais à vontade para chamar fascista a quem entenda que é realmente fascista se entretanto desaparecer da Constituição esta proibição. Se. além disso, surgir um partido fascista no espectro político-partidário e ele tiver votos, isso será uma situação democrática. Esse partido terá tanto direito de solicitar o sufrágio dos concidadãos, como nós próprios.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta de substituição tia segunda parte da redacção inicial do n.º 4 do artigo 46.°, apresentada pelo CDS, quase diria que esta é uma tias formulações mais felizes de todo o projecto de lei desse partido. E isso por várias razões, que passaria a referir.
Em primeiro lugar, porque o n.º 4 do artigo 46.º mais do que lutar contra organizações de ideologia fascista pretende inequivocamente defender um bem jurídico fundamental que é a própria ordem constitucional democrática caracterizada obviamente pelos princípios fundamentais do Estado de direito. E, sendo esse o interesse fundamental desta disposição, desde logo uma alternativa à formulação "organizações que perfilhem e ideologia fascista" parece que se impõe, ou seja, dever-se-á substituir uma pretensa pedagogia constitucional antifascista por um interesse constitucional em defender objectivamente aquilo que de organizações dessa índole ou não possa perigar ou fazer perigar os bens protegidos pela ordem constitucional democrática.
Em segundo lugar, parece-me realmente que seria de chamar a atenção para um ponto fundamental de direito comparado que obedece a duas ordens de oportunidade. Refiro-me à Constituição Alemã e ao processo mais ou menos idêntico ou paralelo àquele processo que vivemos no 25 de Abril de 1974. Também a Constituição de Bona de 1949, traumatizada com as possibilidades de fazer perigar a democracia, consagra no seu artigo 9.° a proibição de associações que ponham em causa a ordem constitucional.