458 II SÉRIE - NÚMERO 16-RC
Português e a Santa Só. E evidente que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional faz repercutir os seus efeitos, ainda que indirectamente, sobre o conteúdo desse dispositivo da própria Concordata. É um caso típico de inconstitucionalidade superveniente de uma norma constante de um tratado internacional decorrente da entrada em vigor de um novo ordenamento constitucional. Nesse sentido, independentemente de se poder discutir se se torna ou não necessário proceder à fiscalização e à declaração expressa da inconstitucional idade dessa norma, de direito internacional sempre se deverá entender que a inconstitucional idade de que essa norma da Concordata está ferida retroage à data da entrada em vigor da Constituição de 1976, isto e, a 25 de Abril de 1976.
Contudo, parece-me que este tipo de problemas só tem mesmo como sede própria a revisão constitucional e o exercício dos poderes constituintes. Em requerimento ao Governo, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia levantou originariamente essa questão. A resposta que recebeu do Govêrno de antecipação de ideias poderia deixar entender que esta matéria poderia ser resolvida através da participação das mesmas. Ora, essa é que seria uma solução totalmente ilegítima. A negociação de um tratado internacional, designadamente a revisão da Concordata, nunca poderá resolver a questão que está subjacente a este debate e que está na base da proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Portanto, o problema que está em cima da mesa é o seguinte: não sendo possível equacionar esta questão em sede de lei ordinária, não sendo possível equacionar esta questão nos lermos em que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia o faz no seu requerimento, isto e, através da introdução de alterações a um traindo internacional, mas estando nós perante uma prática desigualitária do Estado no tratamento, em matéria de ensino, das diversas confissões religiosas, e sabendo nós que existe uma situação láctica de privilégio para a Igreja católica e considerando ainda que o princípio da igualdade se traduz no tratamento igual daquilo que é igual e no tratamento desigual daquilo que é desigual, a eventualidade de acolher a prática concretamente verificada, em função dos princípios anteriormente enunciados, tem por ocasião própria a revisão constitucional, sob pena de, por pura hipocrisia, se consentir na subsistência de uma situação láctica que não tem a adequada cobertura constitucional. Nesse sentido o debate é extremamente oportuno, pertinente, actual e interessante e parece-me ser de somenos relevância o apuramento de qual é a concreta base regimental que preside a este debate, na medida em que é esse exercício dos poderes de revisão constitucional que confere a quem nele participa o mais alto grau de poder de autovinculação. Portanto, a definição do âmbito e dos limites da própria proposta de revisão constitucional é matéria que, em última instância, está sempre na livre disponibilidade dos participantes. As normas, quer de natureza regimental, quer eventualmente até de natureza constitucional, que regulam a limitação da capacidade de propositura são normas que se baseiam em meros princípios de economia processual, no sentido de que a revisão constitucional não seja, como a célebre "teia de Penelope", sempre recomeçada porque sempre se suscitariam para passar novas propostas. Tal como já se passou na primeira revisão constitucional, a aceitação consensual, que aqui foi feita, independentemente do estado de espírito com que se encara este tema, da pertinência da matéria e da relevância da própria proposta deve levar a derrogar limitações meramente processuais e a admitir novas propostas que enriquecem o debate e, sobretudo, que tem relevância constitucional como parece irrefutável que esta é uma matéria de relevância constitucional substantiva e não meramente adjectiva.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, queria começar por sublinhar a oportunidade da discussão, nesta sede, deste tipo de propostas e de exposições.
Em todo o caso, colocaria uma pergunta ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Gostaria que explicitasse com mais profundidade a relação necessária que estabelece entre os n.ºs 6 e 7. Creio que colocou como condição para que o n.° 7 permanecesse como proposta sua que o n.° 6 fosse acopulado. Pedia-lhe que justificasse um pouco mais a sua proposta, porque me parece que estes dois números podem ser independentes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que estou inteiramente de acordo com as considerações do Sr. Deputado António Vitorino. Ignoro se ele concorda com as minhas propostas, mas eu estou de acordo com as suas considerações.
Relativamente à questão que me colocou o Sr. Deputado Sousa Lara, ou seja, por que e que proponho só o n.° 7 e também quero o n.º 6, gostaria de dizer o seguinte: se esta questão deve ser reconsiderada, então, deve sê-lo na sua globalidade. Não devemos ter apenas a preocupação de evitar um incidente. Devemos também ter a preocupação de levar às suas consequências próprias os princípios da liberdade em matéria religiosa ou, simplesmente, da liberdade religiosa. Assim, não sou a favor do voto no n.º 7 sem o voto no n.º 6. Porém, os Srs. Deputados farão o que entenderem.
Quanto às questões relativas ao Govêrno que coloca o Sr. Deputado José Magalhães, não lenho nada a ver. Não sei se me escapou algum pormenor, mas estou de acordo com as considerações do Sr. Deputado José Magalhães relativas a abusos que o Govêrno vem praticando nesta matéria, o que talvez signifique, no fundo, que, contrariamente ao que foi dito, não há razão para recear fundamentalismos anti-religiosos. Pode é haver razão para recear fundamentalismos religiosos.
O Sr. Deputado José Magalhães disse que deliberamos sem constrangimentos. Ora, isso é um mérito, é uma vantagem. Não estamos constrangidos, temos inteira liberdade de ponderação sobre esta matéria.
Quanto à falta de nexo necessário entre a matéria da Concordata e da sua eventual declaração de inconstilucionalidade e a revisão constitucional, gostaria de dizer que penso que isso é exacto. Simplesmente, se a Concordata for declarada inconstitucional sem que o n.° 7 ou algo de semelhante figure na Constituição, a Igreja católica terá de actuar nesta matéria apenas nos termos do n.° 6, ou seja, conforme a lei que respeite o princípio da igualdade.
Afigura-se-me que poderá haver alguma justificação sociológica, alguma justificação relativa à tradição história portuguesa no sentido de manter um regime de discriminação positiva a favor da Igreja católica. Não é que se me afigure que essa discriminação positiva deva ser por tempo indefinido. Pode é haver dificuldade em elaborar uma lei que respeite o princípio da igualdade. Não vamos criar dificuldades com quem já exerce uma faculdade análoga. Por esse motivo parece-me que, tal como disse o Sr. Deputado