14 DE JUNHO DE 1988 453
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que, em geral, é mau ver temores injustificados mas e lambem de vista curta só ver os tumores quando cies explodem. É que a boa altura para ver tumores é, normalmente, ex ante e, sobretudo, a boa distância deles. Assim como é positivo cogitar sobre quais devem ser os contornos do estudo de sítio antes que qualquer Estado democrático seja confrontado com uma necessidade de o declarar, também e bom saber e medir qual e o grau de perigo que numa determinada esfera o Estado democrático enfrenta. É em relação a este ponto que creio que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia poderia ter sido mais específico. O Sr. Deputado poderá ainda vir a ser mais específico, carreando para este debate algumas razões, talvez até de carácter sociológico ou outras decorrentes de uma análise de outro tipo da situação concreta portuguesa, que levem a entender que e fundamentada, necessária e adequada uma precisão como aquela que propõe. É evidente que a fórmula que adianta e marcadamente polissemica.
Como já foi aqui sublinhado, e evidente que não se pode aludir, sem mais, a "associações interessadas na avaliação do fenómeno religioso", sobretudo se se preceder isso tudo da palavra "demais". Isto é, a expressão que se utiliza - "comunidades religiosas e demais associações interessadas na avaliação do fenómeno religioso" - tem uma pluralidade de significados possíveis. Desde logo, poderá questionar-se se será feliz ou não fazer-se uma contraposição entre comunidades religiosas e demais associações interessadas na avaliação do fenómeno religioso. Como sabe, as comunidades religiosas não são apenas comunidades interessadas na avaliação do fenómeno religioso. São comunidades empenhadas na percepção, na vivência, no conhecimento, na difusão, no inerente proselitismo, no culto e em tudo o mais o que envolve uma determinada convicção religiosa.
Elas situam-se para além da esfera do conhecimento, reclamam-se até, as mais das vezes, de um relacionamento com entidades sem carácter humano. Portanto, não se situam no terreno da sociologia ou da gnoseologia, mas, sim, no terreno da fé, da crença, o que, desde logo, não permite estabelecer uma copulaliva como aquela que aqui vem proposta.
Deixando de lado todo este conjunto de considerações, ainda haverá que admitir o seguinte: se a formulação exprimisse aquilo que parece ser o que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia entende pertinente, se a formulação aludisse a entidades que definem posições perante o fenómeno religioso, sejam posições de combate acérrimo dentro dos limites constitucionais e legais, sejam posições de indiferentismo e de "laxismo" religioso, sejam posições de estudo e de análise, com tudo o que isto pressupõe no plano gnoscológico, então, haveria que dizê-lo de forma clara e sem margem para qualquer ambiguidade. Haveria que dizc-lo dessa fornia, dada a natureza do Estado de direito democrático português. Em todo o caso, o problema mais relevante e o de saber se se deve dizer Dl coisa em sede constitucional. O n.° 4 do artigo 41.° está lodo ele construído para, adquirindo aquilo que em Portugal foram as lições históricas do debate sobre as relações entre o Estado e as igrejas, assegurar às comunidades religiosas -c não só às igrejas - garantias plenas no tocante à sua liberdade de organização e à sua independência - esta entendida como um conceito multifacetado, portanto com uma pluralidade de dimensões. É esta a raiz, e este o âmbito e é esta a ratio do n.º 4 do artigo 41.º
Aquilo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia adita poderá entender-se como a dimensão que falta no edifício da liberdade, não da liberdade religiosa, mas, sim, da pluralidade de atitudes dos cidadãos perante "a questão religiosa".
Aparentemente, trata-se disso. Só que, ao faze-lo, e nos lermos em que isso e feito, abre um debate em relação ao qual importaria fazer algumas precisões. É evidente que os observadores, em função dos olhos que tem e em função do pomo de observação, vêem o que vêem. Neste caso concreto a realidade religiosa pode ser olhada do ponto de vista do Estado, das igrejas, das comunidades religiosas e dos indivíduos. Todas estas perspectivas - a atomizada, a institucional ou a estadual - coexistem no artigo 41.º Sucede que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia está, aparentemente, preocupado com o ponto de vista institucional. Só que as contribuições que os Srs. Deputados deram até agora vieram chamar a atenção para as outras duas facetas: a individual e a estadual. Talvez valha, pois, a pena irmos por partes.
Primeiro, há que olhar as coisas na óptica do Estado. O Estado é, como sabemos, não confessional, tem de o ser, do que decorrem várias implicações. A pergunta interessante a fazer ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, como contributo para a reflexão, e a seguinte: qual e a medida de intervenção dos poderes públicos em relação às igrejas e às comunidades religiosas que está pressuposta na sua proposta? Sabemos que o Estado não está proibido de enquadrar normativamente a actividade das igrejas e das comunidades religiosas. Por outro lado, o Estado lambem não está proibido de enquadrar normativamente as actividades das próprias estruturas, qualquer que seja a sua natureza jurídica, que tomem posição em relação à questão do fenómeno religioso, quer façam, dentro de certos limites, proselitismo da atitude anti-religiosa, quer preguem o agnoslicismo ou qualquer modalidade de indiferentismo face à religião, quer mesmo quando se reclamem do ateísmo militante, activo e "acirrado". É que tudo há-de conter-se dentro dos limites da lei penal. Quais são os limites para essa acção? Quais são, na óptica do proponente, as relações com as sociedades de proselitismo agnóstico ou as relações entre o Estado e as sociedades de difusão do ateísmo militante?
É evidente que o Estado não pode promover e apoiar acções que sejam crimes. Mas qual é a medida da "liberdade" do Estado no apoio a acções que, sem serem crimes, sejam votadas à difusão do ateísmo e que, sem pregarem intolerância, preguem o indiferentismo e o ateísmo? Aí está a boa pergunta e em relação à qual seria interessante que obtivéssemos uma resposta.
Em segundo lugar, há que olhar o fenómeno na óptica das igrejas. O Estado não pode constranger a criação e a organização das igrejas, a não ser na medida exacta em que estabeleça requisitos para a sua criação, em que não permita que no seu território se desenvolvam actividades incontroladas. É que, além do mais, elas podem ultrapassar as fronteiras do estritamente religioso e situar-se em terrenos que impliquem a violação de leis. Por exemplo, uma determinada seita, invocando uma determinada crença religiosa, constitui-se para praticar ritos de carácter secreto que envolvem, por exemplo, danos à integridade física ou mesmo a perda da própria vida. No caso o Estado não pode ser, obviamente, indiferente a esse fenómeno. Se a entidade religiosa (ou "religiosa") desenvolver actividades que violem limites constitucionais ou legais, o Estado pode e deve estabelecer normas que previnam a ultrapassagem desses limites. Não pode, porém, proibir ou limitar arbitrariamente o exercício do direito de culto. Isto é tão