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14 DE JUNHO DE 1988 459

António Vitorino, esta questão da discriminação positiva a favor da Igreja católica só pode ser acolhida em termos constitucionais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Vitorino introduziu aqui uma questão relevante e creio que não há nenhuma razão para que não seja abordada de imediato.

O Sr. Deputado afirmou, peremptoriamente, que há uma situação táctica sem cobertura constitucional. Há que enfrentar a situação de facto, o que é, naturalmente, um apelo à frontalidade...

O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas situar os termos da reflexão a empreender. E que temos que balizá-los para poder fazer, minimamente, essa reflexão.

O segundo elemento introduzido pelo Sr. Deputado António Vitorino é o seguinte: se há uma questão pertinente, se ela se pode colocar nestes lermos, então, nenhuma razão há para que os partidos não estabeleçam o consenso necessário, o que nos coloca a todos perante uma interpelação de consenso: "Queres ou obstaculizas o consenso?"

Creio que a isto é preciso dar alguma resposta. Penso que a grande dúvida que se pode colocar, e que e previa e decisiva, é a seguinte: não se está a criar uma questão que não existe? Pode-se dizer aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino afirmou tão peremptoriamente? Isto é, tal qual se encontre ensejado o quadro constitucional, não conheço ninguém que pretenda revigorar o artigo 21." da Concordam, que refere que o "o ensino ministrado pelo Estado nas escoras públicas será orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais no País. Consequentemente, ministrar-se-á o ensino da religião e da moral católica nas escolas públicas elementares, complementares e medias aos alunos cujos pais não tiverem feito pedido de inscrição".

Não conheço ninguém que pretenda que a ordem jurídica portuguesa comporte isto ou melhor que volte a comportar isto. Dito isto, haverá razão para colocar a interrogação, não crispada nem constrangida mas preocupada, do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, assumida, pelo menos em termos formais, pelo Sr. Deputado António Vitorino? Tenho algumas dúvidas! As vossas observações serão transmitidas, naturalmente, ao meu grupo parlamentar e ao meu partido. Não está provado - antes pelo contrário, está até indiciado - que e possível no actual quadro constitucional, sem estabelecer qualquer tipo de privilégio ou de monopólio (o que seria inconstitucional!) conceder às igrejas, de acordo com um princípio que lenha em conta a sua natureza, a sua dimensão, a sua relevância, um tratamento adequado. É evidente que é proibido o privilégio, mas não são proibidos tratamentos especiais ou especializados que estabeleçam medidas e condições de exercício e até estruturas organizatórias, que sejam diferentes consoante as situações e as entidades. Isto é, aliás, reconhecido por diversíssimos sectores da nossa doutrina, da nossa opinião pública.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, não há, de facto, um privilegio na ordem jurídica?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, há uma situação cuja ultrapassagem está inteiramente nas mãos do legislador e da Administração Pública. Não é preciso alterar o quadro constitucional para que o legislador e o Govêrno tomem as medidas necessárias no sentido de que, em primeiro lugar, seja estabelecido um regime adequado para que em escolas públicas, e na medida em que isso é constitucionalmente admissível e possível, seja feito o ensino da religião católica, e, em segundo lugar, para que às outras confissões religiosas seja facultada, em termos adequados e próprios - dada a sua natureza, dimensão e outros aspectos -, a possibilidade de exercer nos muros, intramuros, o seu múnus, a sua actividade. Em relação a isto, não há nenhum obstáculo constitucional. Pelo contrário, constitucionalmente tudo empurra e aponta para esse caminho. A Constituição não é nesse ponto um obstáculo, é um quadro incumprido, o que é totalmente diferente.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Incumprido com o fundamento de que há uma Concordata.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. É com o fundamento erróneo e, de resto, ininvocável, de que há uma Concordata. Como o Sr. Deputado António Vitorino aqui sublinhou, nunca a revisão da Concordam poderia preceder, empurrar ou determinar uma revisão constitucional. O quadro constitucional é o que é, a negociação internacional do Estado Português deve ater-se aos lermos constitucionais. A minha interrogação fulcral é a seguinte: os senhores não estarão a criar uma questão que não há? Isto é, não estarão a ver uma "questão constitucional" aí onde há uma questão de deficiente legiferação, de deficiente prática governativa e até de rebelião governamental contra a Constituição? Não é o quadro constitucional actual suficientemente complacente, adequado e tolerante para propiciar tudo o que poderia ter sido feito, embora não tenha sido feito até agora? Não será mais o momento de cumprir a Constituição do que transpor para a Constituição aquilo que nela não teria cabimento? Isto é, qual seria o cabimento que, face à matriz originária da Constituição, teria uma norma que viesse estabelecer que uma lei básica deveria respeitar o princípio da igualdade? Nos termos dessa lei básica, digamos a lei da liberdade religiosa, o Estado outorgaria às confissões religiosas e a outras entidades baptizadas com uma designação que é polissémica de mais a faculdade de até determinado ponto da escala do sistema de ensino se responsabilizar pelas docências em estabelecimentos de ensino público e pelas concepções que elas processassem sobre matéria religiosa e moral. Nos termos deste enquadramento permitir-se-ia também o acesso à escola pública - passe o paradoxo - de "ministros" ateus, isto é, de docentes do ateísmo. "Muito bem"!

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, eu é que, acenando, queria dizer muito bem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Compreendi isso, Sr. Deputado.

A seguir, exceptuar-se-ia, de acordo com uma técnica legislativa que de resto é bastante arrepiante, o princípio da igualdade, introduzindo-se-lhe uma gigantesca cunha, no sentido de elemento agudo, a qual consistiria em atribuir ao Estado o poder de outorgar a uma certa confissão religiosa uma condição específica, diferenciada e privilegiada.