468 II SÉRIE - NÚMERO 16-RC
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado, creio que não estamos a discutir as vantagens e as desvantagens da existência de um partido fascista em França relativamente aos resultados eleitorais. O que gostaria que o Sr. Deputado questionasse é se, como cidadão do mundo, se preocupa ou não com o problema que representa o partido de Le Pen em França.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado, efectivamente vejo com apreensão os extremismos e vejo com apreensão os extremismos em França, mas a minha apreensão é maior quando as concepções extremistas, como as que se manifestam em França através da Frente Nacional, se manifestam noutros partidos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa posição sobre esta matéria é clara e totalmente insusceptível de qualquer dificuldade de previsão. Somos absolutamente contra esta alteração mas parece-me que este debate e interessante para que cada um se situe. E evidentemente não amalgamo as palavras do Sr. Deputado Sottomayor Cardia com aquilo que pudemos ouvir da boca de vários deputados do PSD. Porque a questão é esta: face àquilo que aqui foi dito, quase apetece perguntar: se o Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva fosse o Sr. D. Pedro e pudesse outorgar uma Constituição para Portugal, seria essa Constituição antimonopolista? Resposta: não! Seria, sequer, essa Constituição antifascista? Uma coisa parece fluir das considerações dos Srs. Deputados do PSD, isto é, a possibilidade de ler uma vaga reminiscência antifascista, ou melhor, talvez pudesse ler uma vaga reminiscência daquilo a que se chamaria, segura e pudicamente, "o regime anterior ao 25 de Abril". Mas não conteria nenhuma norma que proibisse as organizações que perfilhem a ideologia fascista. Isto foi dito, mais do que pressuposto, intuído ou implicitado. Foi dito, fazendo assim, em meu entender, um bom retrato e um bom bilhete de identidade do PSD, da sua atitude face à história, das suas raízes históricas, da sua percepção da história portuguesa recente, da sua ligação ao passado de edificação do regime democrático, da luta por esse regime quando ainda não existia, ele. E isto será muito importante para o futuro a fim de se avaliar que partido maioritário e este, como é que de próprio se vê, como é que ele se insere na história recente portuguesa, que papel é que se atribui e que olhar é que se lança sobre a história. Devo dizer que o retrato que aqui acaba de ser traçado em estilo photomaton é bastante negro e as feições do retratado não são propriamente simpáticas.
Em relação às propostas apresentadas, a nossa atitude é de rejeição por razões que são comuns às que foram expressas aqui por outros Srs. Deputados do PS e da ID. Isto e, entendemos que não devemos esquecer as raízes do regime democrático-constitucional, o que não se confunde de forma alguma com qualquer atitude de saudosismo mórbido ou com qualquer postura de idolatria do passado e de certas das suas vertentes. Significa isto apenas que prezamos a memória histórica, que consideramos importante transmiti-la às gerações futuras e que e importante impedir que os ovos da serpente se transformem algum dia no corolário ou no desenvolvimento lógico da evolução das espécies. Isto é, as organizações fascistas são constitucionalmente proibidas e devem continuar a sê-lo, na medida em que as consequências da supressão da proibição não seriam irrelevantes.
Sr. Presidente, gostaria ainda de sublinhar que somos absolutamente contra a redução do significado do preceito, isto é, subjacente à leitura que o Sr. Deputado Sottomayor Cardia aqui formulou do artigo 46.º, n.° 4, está uma concepção redutora do seu significado. De facto, este preceito não encerra apenas a proibição de um nome, como foi dito, não é um artigo semântico, ao contrário do que parece estar a ser inculcado. E, como o Sr. Deputado Sousa Lara aliás sublinhou, suprimi-lo seria a liberalização. Isto é, a existência do artigo 46.º, n.º 4, proíbe, impede a liberalização, uma vez que a proibição é o contrário da liberalização.
E, mais, ao contrário do que certas forças que agora se volvem contra ele procuraram sustentar, não proíbe indiscriminadamente nem amalgadamente. Procurou dizer-se que este preceito era "monstruoso", que "impedia a liberdade do pensamento", que "asfixiava as liberdades", que "não permitia aos cidadãos que o fossem", disse-se que este artigo "amputa". Mas o artigo não amputa coisa nenhuma. Designadamente, não tolhe, como o Sr. Deputado Almeida Santos começou aliás por sublinhar no início deste debate, a liberdade de o fascista impenitente morrer tão fascista como viveu, se bem que, como e natural, imptente num regime democrático. O que não quer dizer que o fascista não venha a ser premiado pois. como sabe. o fascista Maltês foi premiado pelo Govêrno com uma choruda pensão, com grande gáudio. E precisamente porque? Precisamente porque, no PSD, a memória antifascista e o que se vê! Faz rima e é tristemente verdade. Isto ó, os malteses não despertam arrepio, os malteses passam por banais funcionários, por simpáticos torcionários da actividade militante de espingardear estudantes, por exemplo. Era uma actividade, é um funcionário! Há funcionários que funcionam escrevendo ofícios e funcionários que funcionam bordoando estudantes. Nada disto impede o PSD de lhes atribuir medalhas e pensões. E porquê? Pela razão de que tem uma consciência antifascista verdadeiramente excelente porque não se vê. Naturalmente, a Constituição não proíbe que o Maltês seja maltês ate ao fim dos seus dias; o que proíbe e que esse tipo de pessoas se organizem para actuarem concertadamente contra o regime democrático. Porém, isto não significa apenas a proibição de fundação do PFP, do Partido Fascista Português, mas também a proibição de criação de estruturas, com o mesmo fim não importando para tal que tenham a natureza de partido, de associação, de clube recreativo, de sociedade promotora ou de qualquer outro tipo, pois é de estruturas que se trata. Na elaboração do diploma que, no plano legal, concretizou esta proibição, estes aspectos foram dilucidados: há um parecer da Comissão Constitucional sancionado pelo Conselho da Revolução, há um debate em torno desta matéria. A proibição implica naturalmente a obrigação de dissolver esse tipo de organizações e, como todos sabemos, não se tornou necessário na nossa circunstância política efectivar esta proibição porque as organizações, as estruturas ou as pessoas com vocação fascista não seguiram, na realidade portuguesa - em Itália não foi bem assim -, a técnica de aglomeração e de federação mas sim uma técnica de tipo entrista, de penetração em partidos, para neles difundirem o seu apostolado difuso. Em tese, sabe-se que esse apostolado difuso - e gostaria de sublinhar isto com um grande traço - pode colher uns certos resultados. De facto, abranda a capacidade de reacção, abranda a capacidade de percepção, esbate fronteiras, lança a confusão, instila que o antifascismo é muito pouco importante, que se trata de um produto do passado, instila que só os "saudosos" e os "caducos" estão preocupados com isso, instila que "quem está virado para o futuro e pura e simplesmente indiferente