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518 II SÉRIE - NÚMERO 17-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - Podemos abrir sobre essa matéria uma interessantíssima discussão, mas sobretudo, se a aplicarmos ao campo jurídico-laboral, teremos um campo fertilíssimo. Porquê? Porque eu, para dar um exemplo próximo, posso ser extremamente leal para com V. Exa. ? - e talvez me possa honrar de o ter sido sempre - discordando completamente de V. Exa. s e sendo-lhe completamente infiel. Devo dizê-lo com toda a honra e com todo o gosto: sou completamente infiel ao Sr. Deputado Costa Andrade - sinto muito orgulho nisso e não quereria ser o contrário - sem que tenha de ser desleal. São conceitos operatórios totalmente diferentes!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Devemos ditar para a acta que não há dever de fidelidade entre nós...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, mesmo que existisse tal dever, eu não me encontraria em situação de adultério unicamente pelo facto de praticar determinados actos, correspondendo à minha vontade, que,, de alguma forma, pudessem ferir alguns zelos - zelos no sentido de ciúmes - daquele que está na outra posição jurídica, do outro lado da relação, que vamos admitir ser sinalagmática. Isto é, se o Sr. Deputado Costa Andrade fosse eventualmente o detentor ou o titular dessa posição jurídica, teria direito a exigir-me certas coisas. Mas, na delimitação exacta dessas exigências, uma coisa e a fidelidade e outra é a lealdade. Pode-se ser lealmente infiel. V. Exa. ou percebe isto ou nada percebe. Isso pode, aliás, originar-lhe problemas horríveis...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O que o Sr. Deputado está a referir acaba por confirmar aquilo que eu vinha dizendo quanto ao universo de aplicação desta norma por via da fidelidade. Entre nós está manifestamente excluído que não existe - nem imagino que exista - um dever de fidelidade. Mas talvez um dever de lealdade possa um dia existir. Consequentemente, pode vir a colocar-se o problema da violação do dever de lealdade, mas nunca se colocará o da violação do dever de fidelidade. Como tal, o universo de situações cobertas por um é muito mais estreito do que o do outro. Era isto que eu pretendia demonstrar, e não me parece que o Sr. Deputado tenha demonstrado o contrário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço-lhe desculpa, mas, por obrigações partidárias, tenho de me retirar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Compreendo que a fidelidade o obriga a isso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exactamente, Sr. Deputado.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Presidente, a questão está precisamente no segundo termo de análise. Admitamos que o conceito de fidelidade e um conceito com um campo operatório distinto do conceito de lealdade. Não discutamos nem aprofundemos quais são exactamente as diferenças, se constitui um mais ou um menos, porque, pode ser um aliud, como é óbvio: pode situar-se a diferença num outro plano (quem é que disse que a fidelidade é um mais em relação à lealdade? Trata-se de algo diferente, de uma realidade que se situa num outro plano e que, consequentemente, abrange um outro universo de beneficiários ou de vinculados).

Parece-me, porém, que este ponto de vista quase filosófico não é o mais relevante porque estamos a tratar do enquadramento jurídico-constitucional de um conceito que o PSD quer consagrar e que remete para um universo semântico, ele próprio delimitado num outro terreno, num outro campo. A questão que me interessa é outra: é que se delimitamos um conceito como o de fidelidade, qualquer que seja o critério e qualquer que seja o patamar em que o insiramos, alguém tem de julgar a sua aplicação. Quem é que pode julgar a sua aplicação? É o empregador. Isto é, quem julga a fidelidade é o empregador, só ele podendo ajuizar se, em determinado momento, o Sr. Deputado Costa Andrade é fiel ou infiel. É uma relação em que o juízo e eminentemente subjectivo e em que, como se trata de fazer um confronto por tabelas, sejam "tabelas de almas" ou de carácter ideológico, o juízo há-de pertencer à entidade que e o fiel das tabelas ou o julgador dos julgadores. O que coloca problemas de avaliação muito difíceis, porque - isto há-de ser mediado pelos tribunais e é uma apaixonante questão - como é que um tribunal avalia da heresia? Como é que um tribunal avalia se o indivíduo A, vinculado ao dever de fidelidade (definido pelo Sr. Deputado Costa Andrade, não sabemos muito bem como), infringiu esse dever de fidelidade? Se o ministro da religião se tornou infiel a essa religião? Só a entidade hierárquica adequada pode definir um juízo sobre isso. É muito difícil num Estado laico que o tribunal venha a dizer que a entidade patronal, neste caso a igreja "tal", "tal" ou "tal", tem absolutamente "toda a razão": o "ministro 'tal' enunciou, anunciou e denunciou, por actos e palavras, que tinha uma concepção oposta àquela considerada correcta pela hierarquia da respectiva igreja; nós, tribunal, o certificamos, portanto está despedido e muito bom despedido - é um infiel, vá-se embora!" O tribunal num Estado democrático está em péssimas condições para emitir esse juízo.

Este é o primeiro aspecto que me parece tornar o conceito imperatório, porque, ainda que pudesse ser aplicado, ou era "livremente" aplicado, isto e, anarquicamente aplicado, irrestritamente aplicado, insindicavelmente aplicado, ou então, para poder ser controlado por qualquer entidade do estado laico - naturalmente, é o subexemplo das confissões religiosas que me parece pertinente neste caso -, o tribunal estava a ingerir-se na emissão de juízos sobre a fidelidade teológica, até. O que e completamente aberrante! O tribunal laico não tem absolutamente nada que julgar se A ou B está bem, se o Sr. Lelèbvre está mal e se o Sr. Bispo da teologia da libertação está completamente mal ou, se face à última leitura da última encíclica, do último documento, do último juízo papal, estão todos muito bem, no seio da mesma família, preenchendo, em arco-íris de variedade, o seu lugar na mesma comunidade ecuménica. O tribunal e totalmente impotente em tais terrenos e deve ser completamente alheio a coisas destas - não deve haver nenhuma ingerência do Estado nisto. O que me leva a considerar ser uma exigência do próprio Estado laico que não haja possibilidade de nenhum juízo deste tipo ser emitido.

Concluo então que não é isso que nos interessa, mas sim uma outra questão: a hipótese configurada pelos Srs. Deputados do PSD, e que pode ser relevante, é totalmente resolúvel pelos meios do direito em vigor. Se se colocam em apreciação questões relacionadas com atitudes e comportamentos - comportamentos que terão que ser