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15 DE JUNHO DE 1988 517

um dever de fidelidade. E este dever existe em casos muito mais estreitos do que os do dever de lealdade, que é um dever normal da relação de trabalho. Prevêem-se apenas os casos em que exista o dever de fidelidade, o que estreita ainda mais o universo de aplicação desta possível causa de despedimento. Se virmos bem as coisas - e nós podemos naturalmente aperfeiçoar a redacção -, esta norma dificilmente se aplicaria a um tipógrafo, mas já se poderia aplicar a um jornalista que escrevesse os editoriais num jornal ou que estivesse ao microfone numa emissora exprimindo opiniões próprias, sendo algo mais do que um mero leitor de nelas.

Independentemente dos méritos da proposta, que já foram analisados, mas cuja cotação não foi muito alta, pelo menos por parte dos partidos que até agora se pronunciaram, pedir-vos-ia que tomassem em consideração o lacto de a violação de dever de fidelidade pressupor em primeiro lugar a existência desse dever, que existe em muito menos casos do que o dever de lealdade e constitui um conceito muito mais estreito. Consequentemente, restringe as possibilidades de despedimento em virtude da clausula que abrimos.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas, a seu ver, o dever de fidelidade existe sempre que exista uma relação laborai com uma destas entidades.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Deputado. Em meu entender, se um sindicato tem um supermercado, não se coloca nesse caso o dever de fidelidade...

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas, tal como a redacção está...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Talvez. A nossa imenção foi muito clara. Numa primeira aproximação, dissemo-lo em termos impressivos e c natural que devamos proceder a correcções. Mas a nossa intenção foi sempre a de estreitar ao máximo o universo de incidência objectiva desta causa de despedimento. Pressupõem-se os casos em que exista o dever de fidelidade confessional, sindical ou partidário. Confesso que continuamos a não ver bem como é que um jornalista do Povo Livre, do Avante ou da Acção Socialista possa ser alguém cujas concepções políticas, sindicais ou religiosas - no caso, por exemplo, da Rádio Renascença - sejam contrárias às das entidades marcadamente confessionais, partidárias ou sindicais.

O sentido da minha intervenção foi não o de defender a proposta - já foi defendida pelos meus colegas -, mas apenas o de explicitar a ideia de fidelidade. É que a fidelidade, contrariamente ao que a Sra. Deputada Odete Santos entendeu, não resulta...

A Sra. Odete Santos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Faça favor, Sra. Deputada.

A Sra. Odete Santos (PCP): - Gostaria de lhe perguntar se, por exemplo, um jornalista da Rádio Renascença, pelo simples facto de ter ideias diferentes da ideologia da Rádio Renascença, já viola esse dever de fidelidade. É o que concluo daqui. Pode não escrever nada, não fazer nada, mas tem ideologia contrária...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sra. Deputada, cogitationes poenem nemo palitar; manifestamente ninguém sofre, nem pode sofrer, sanções por causa dos seus pensamentos. Não se trata de concepções políticas, porque em relação à Igreja tem de valer apenas o paradigma religioso; em relação a um partido, apenas o paradigma ideológico-partidário; em relação a um a sindicato, apenas o paradigma político-sindical. Trata-se, sim, por exemplo, do caso de um jornalista da Rádio Renascença que, sendo marcadamente ateu, o declare aos microfones da citada emissora...

A Sra. Odete Santos (PCP): - E se ele é marcadamente ateu mas só faz programas musicais? Já viola o dever de fidelidade?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se tivéssemos de aplicar em concreto o conteúdo normativo a um caso desses, não me parece que um locutor que tivesse a seu cargo, por exemplo, um programa musical ou os comentários sobre os Top Ten violasse o princípio da fidelidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade é a melhor demonstração dos caminhos que são percorríveis quando se abre a porta que o PSD quer abrir. Porque, se isto ocorre na boca do Sr. Deputado, que e um conhecido e bastante antigo jurista, imagino o que é que não aconteceria se fosse objecto de tergiversações deste jaez ou piores ainda, convertido primeiro em Constituição e depois em lei ordinária (porque e óbvio que esta norma leria de ser actuada por via da lei ordinária). E é isso que, desdobrando a apreciação desta questão em dois planos - o dos conceitos usados e o do campo de aplicação que o PSD, pela voz do Sr. Deputado Costa Andrade, entende plausível -, me leva a considerar tratar-se de um desastre o resultado a que por essa via se chegaria.

No plano conceptual, a interrogação que o Sr. Deputado Costa Andrade aqui lança é verdadeiramente angustiosa. "O que é a fidelidade"? Na boca de Oleio, de Shakespeare, a pergunta deu o resultado que se sabe. Aplicada com o mesmo zelo e com a mesma obsessão, pode originar resultados não menos infaustos na vida jurídico-laboral. Porquê? Porque, se V. Exa. define a fidelidade, naturalmente não talvez como uma identificação canina, mas como um conceito que envolve alguma homologia entre quem define orientações genéricas e quem as cumpre, substitui nesse caso ao conceito de lealdade que se encontre conceptualmente delimitado um outro cuja margem de indefinição é maior.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em que é que o conceito de lealdade é mais estreito que o conceito de fidelidade?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito mais...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em quê?