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15 DE JUNHO DE 1988 515

órgão é vendido a uma outra entidade, passando a ter uma ideologia completamente diferente, porventura às avessas da que tinha ate então. Ora, os trabalhadores foram contratados na perspectiva de uma determinada linha ideológica e é bom de ver que a nova entidade patronal poderá ter uma ideologia completamente diversa. Já se passaram casos destes entre nós - não são casos virgens - e lembro-me, por exemplo, de um caso na aurora da Revolução, o caso do Jornal Novo. Esse jornal linha um certo cariz ideológico e depois passou a ter outro.

Consequentemente, este problema e complicado e implica saber qual o conteúdo do dever de lealdade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vera Jardim, eu percebo a sua argumentação, mas por isso mesmo e que o universo das entidades que consideramos poderem ser excepcionais era, na nossa perspectiva, muito reduzido. Isto é, o Jornal Novo não seria uma entidade partidária, nem uma entidade confessional, nem uma entidade sindical.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas poderia ser. Ninguém nos diz que o PSD não possa vender o jornal Povo Livre. Poderá vender o título, o jornal e as instalações a uma outra entidade. Desistiu de ler um jornal, vendeu-o, e porventura o Povo Livre e adquirido por uma organização de ideologia completamente diferente.

O Sr. Presidente: - Se deixar de ser um órgão partidário, o problema deixa de se pôr.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas, de qualquer forma, não podemos desligar este debate de debates recentes sobre esta matéria. E aí está o debate do pacote laborai em que o Govêrno - pressuponho o PSD - deu uma indicação segura de até onde ia, por um lado, aquilo que julgava ser a justa causa de despedimento, por outro lado, daquilo que julgava ser o conteúdo do dever de lealdade e, por outro lado ainda, se, sim ou não, estaria prevista qualquer coisa que pudesse corresponder a este n.º 2 do artigo 53.º da proposta do PSD. Ora, nesse projecto do Governo, que nos serve de elemento histórico e comparativo, aparece, no artigo 53.º, nos fundamentos de justa causa, o comportamento desleal relativamente à entidade empregadora. Mas com que limites? Designadamente: "Negociando por conta própria ou alheia, entrando em concordância com ela e divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios, ou desviando clientela do fornecedor."

A minha ideia é que, embora se compreendam - repito - as razões que estão na base deste projecto, não chega, a meu ver, um juízo que tem manifestamente muito de subjectivo. Perguntar: Qual é a sua ideologia? É muito subjectivo, embora possa ter aspectos marcadamente mais objectivos - você está inscrito no partido x? -, o que também se poderá admitir. Quando falamos de ideologia, este é um aspecto marcadamente subjectivista, pois e subjectivo perguntar: Você é mais colectivista? Você tem uma ideologia marxista? Você é um liberal? É que chamamos liberais a pessoas que se ofendem com isso e chamamos marxistas a outras que se ofendem também, dizendo não serem liberais, e tudo isto é, como sabemos, muito discutível.

Assim, iria no sentido de me manter não no quadro constitucional mas no quadro da legislação ordinária, dentro dos estritos limites do comportamento desleal. Quer dizer, quando o facto de haver uma ideologia diversa conduzisse o trabalhador a um comportamento desleal, então não seria pela ideologia ser diversa, mas porque essa ideologia tinha como resultado que ele deixasse de merecer a confiança da entidade patronal por ter um comportamento desleal.

É que deixar isto nos puros e estritos termos de um julgamento sobre se a sua ideologia é idêntica à da entidade patronal ou se e completam ente de sentido contrário parece-me extremamente perigoso. E mais do que isso: não vejo que, mesmo em iniciativas recentíssimas da parte do PSD, essa preocupação tivesse estado presente, nem sequer a vejo aqui ao nível da legislação ordinária. Iríamos fazê-lo agora ao nível do texto constitucional? Parece-me extremamente perigoso por todas estas razões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vera Jardim, esta excepção é nitidamente restritiva, ou seja, não é para todos os casos em que haja um comportamento desleal, mas para facilitar que não exista um impedimento pelo motivo de ser de carácter ideológico, de forma a não haver uma dificuldade para a ideia de interpretação do conceito de justa causa. Daí que a nossa preocupação tenha sido predominantemente a de delimitar o círculo das entidades empregadoras que o podem utilizar.

Há pouco, o Sr. Deputado José Magalhães fez uma observação crítica; lenho dúvidas de que ele lenha razão, mas estamos abertos a encontrar melhores formulações. No entanto, na nossa perspectiva, o exemplo do Sr. Deputado Vera Jardim referente ao Jornal Novo não se aplica e suponho até que na redacção não cabe de forma nenhuma aqui. E não penso que devamos excluir, aprioristicamente, o enriquecimento do critério, dizendo que e preciso que, simultaneamente, haja uma violação do dever de lealdade. No fundo, e essa a base, pois, se as pessoas forem leais e correctas, o problema não se põe. Penso, portanto, que poderemos reflectir sobre isso, mas devo dizer que não excluímos a possibilidade dessa integração.

Em todo o caso, gostaria de chamar a atenção - porque isso me parece reconduzir o debate às suas dimensões - para o facto de esta ser uma excepção em que pensamos que o universo deve ser muito limitado. Se esse universo e as notas que o caracterizam são insuficientes, corrijamo-lo, mas não penso que devem existir quaisquer nebulosas institucionais à volta dos pai titios políticos, dos sindicatos ou das confissões religiosas, e que os elementos em causa devem claramente fazer parte tia organização dos mesmos partidos políticos, confissões religiosas ou sindicatos.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Aí lemos duas coisas que podemos explorar. Por um lado, os sindicatos, os partidos políticos e as organizações religiosas têm muitos tipos de organizações. Têm organizações empresariais, e julgo que não tem qualquer influencia que, por exemplo, um sindicato comunista que tenha uma tipografia para fazer o seu jornal lenha lá um trabalhador da UGT ou de outro sindicato. Desde que faça marchar as máquinas... Caso contrário, estaremos no tal Bentfsverbot, na tal proibição de emprego. E isso é que é perigoso. Temos, porém, de admitir que há tarefas que são por si só ideológicas. Quer dizer, se a Igreja ou um partido político tem um jornal, por exemplo o Povo Livre, temos de admitir que não é um trabalhador comunista que vai escrever os melhores editoriais para o Povo Livre. É claríssimo! E o exemplo contrário de um trabalhador social-democrata - para ficarem todos contentes e excluindo o PS, claro -, um trabalhador social-democrata, dizia, que trabalha no Avante também não escreverá certamente os melhores editoriais para este jornal. E, às tantas, colocam-se posições de tal maneira que não e pela infidelidade ideológica, é pela própria impossibilidade