648 II SÉRIE - NÚMERO 22-RC
Por outro lado, também e certo que procedentes, no nosso projecto de revisão constitucional, a uma reestruturação profunda de toda a segunda parte respeitante à organização económica, eliminando alguns dos títulos que a constituem - e lá chegaremos quando for a altura de os justificar -, mas isso constitui como que uma razão secundária para, nesse conjunto de reestruturações do texto constitucional, deslocarmos para aqui os direitos dos consumidores. No entanto, entendemos que estes devem ter a dignidade e a protecção dos direitos fundamentais e, consequentemente, aqui os colocamos. E suponho que, no que respeita a nossa proposta, e suficiente esta justificação.
O PS acrescenta, no seu artigo 62.°-A, um n.° 3 e um n.º 4, respeitantes a participação das associações dos consumidores, mas entendemos que, de facto, isso corresponde a um pormenor limitador do poder do legislador ordinário, conferindo um pendor regulamentar à Constituição, que nos parece, efectivamente, de evitar. No que respeita ao fundamental, estamos de acordo e, efectivamente, defendemos também a deslocação para aqui dos direitos dos consumidores.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, depois do seu enunciado geral e da grande importância que tem para o CDS esta matéria dos consumidores, ficou-me a impressão de que ela aparece mais claramente expressa na proposta do PS do que propriamente nas propostas do CDS em relação ao artigo 62.V-A. Daí que se me afigure conveniente o Sr. Deputado pronunciar-se mais claramente em relação às propostas do PS, que são, realmente, muito mais amplas do que aquelas que o CDS apresenta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de lhe fazer uma perguntei em nome da bancada do PCP. É que há na démarche proposta pelo CDS tudo aquilo que, aliás, V. Exa. não deixou de reconhecer, ou seja, que o CDS tem outra concepção da Constituição económica. A alusão a direitos dos consumidores para o CDS só faz sentido no quadro dessa outra Constituição económica, o que não pode deixar de espelhar diferenças que, pela nossa pane, não nos cansaríamos de referir. É evidente que o valor dessa protecção dos direitos dos consumidores, no quadro dessa outra Constituição económica, seria totalmente diferente e, em nosso entender, um "menos" em relação ao "mais" que constitucionalmente se encontra consagrado e que, de resto, e constitucionalmente inalterável dentro de determinados limites, que são os que decorrem do facto de a Constituição não ser revisível em lermos arbitrários. Digo isto quanto à questão do enquadramento das propostas do CDS.
Essas propostas jogam, portanto, diferentemente da proposta do PS em relação a um referencial ou a um conjunto de normas que não se identificam às que estão ligadas às propostas do PS, sem prejuízo das críticas que podem ser deduzidas quanto a estas, na sede própria e com a dimensão e o cunho apropriados.
O segundo conjunto de observações não diz respeito ao enquadramento, mas à proposta, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Poderá V. Exa. dizer que o CDS não gosta dos direitos de participação de associações de consumidores, porque aquilo que o CDS faz é - e, em matéria de coerência, cada qual tem a que pode e a que quer - quebrar uma dimensão da democracia participativa, neste caso aquela que diz respeito à participação de associações de consumidores.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se este é mais um dos famosos lapsos do projecto do CDS e se foi por distracção que eliminaram este n.° 3 ou se por malevolência. E porque não me recordo bem - devo dizer-lhe francamente- se o CDS não foi até "pai" desta proposta ou, pelo menos, "co-pai", isto é, se não bebeu nestas águas na revisão constitucional de 1982. Quase juraria, sem grande erro, que foi. Isto é, que em 1982, enquanto parceiro da AD, o CDS patrocinou, quiçá pela pena do Sr. Deputado Luís Barroco, a aprovação desta norma, que hoje prevê que as associações de consumidores e as cooperativas de consumo tenham direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.
Porquê esta sanha em desfazer aquilo que foi feito em 1982 nesta matéria? Merece tal sanha a democracia participativa nesta componente - de resto, moderna e existente nas mais diversas constituições e nos mais diversos Estados, independentemente da sua orientação, e correspondente aquilo que é hoje o movimento nos consumidores à escala das próprias Comunidades, coisa que, suponho, deveria sensibilizar de forma comovente o CDS? Por que e que isso e indigno de estar na Constituição da República Portuguesa na visão do CDS? Este é o segundo aspecto.
O terceiro aspecto são as amputações praticadas em relação ao n.° 1.º CDS não se limita a fazer, ao contrário do que faz o PS, uma transposição com enriquecimento. Faz uma transposição com amputação. E amputa o quê? O direito à formação dos consumidores, o que num país como Portugal e um pouco esquisito, porque se, realmente, alguma coisa e necessário fazer e formar mais os consumidores, e não, seguramente, apenas informá-los. Assim, gostava de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se isto também não e um segundo lapso deste artigo do projecto do CDS ou se o CDS tem uma noção alargada de informação que contempla já a formação e se entende que não há formação que não assente numa informação, sendo, portanto, os dois conceitos um e o mesmo (o que seria, quanto a mim; uma grandíssima confusão conceptual, porque toda a gente distingue entre a formação e a informação e, embora seja difícil fazer a primeira sem a segunda, não abrange a primeira). Penso que me fiz entender.
Mas o CDS faz uma ou ira amputação. Amputa a referência constitucional ao direito à protecção dos interesses económicos dos consumidores, o que deve estar ligado conforme oiço o Sr. Deputado Narana Coissoró observar -, mas o está perversamente, porque suprimir-se aquilo que hoje consta da Constituição nesse ponto, qualquer que seja a sua irradiação, dimensão, vinculatividade, projecção na esfera intersubjectiva, é negativo, quanto mais não seja por gerar possibilidades de uma hermenêutica comparativa que leve a estabelecer o impacte das subtracções. Se lá está e não faz mal, não se tira. Se se tira e não faz mal", já não e líquido, porque e susceptível de abrir caminho a uma interpretação amputativa de conteúdos constitucionais, e creio que isto deve estar presente e não pode ser escamoteado num debate desta natureza.
Finalmente, o CDS não faz só amputações. Faz, vá lá, uma prótese, que é a criação de um novo direito - o direito de livre escolha de bens ou serviços.