650 II SÉRIE - NÚMERO 22-RC
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Exa. forneceu-nos a explicação possível da parte do CDS, mas essa explicação não deixa de suscitar alguns comentários.
Na realidade, o que está aqui em causa é, efectivamente, o direito do consumidor como garantia, e não o direito de livre escolha, pois, naturalmente, este direito existe. Está, porém, em causa a garantia de mecanismos de protecção do exercício desse direito. O CDS põe o acento tónico na garantia do direito de livre escolha de bens ou serviços e depois acrescenta uma alusão à protecção, ao direito à informação, à protecção da saúde, à segurança, etc, mas esta preocupação não exprime - e foi sobre esse ponto que interpelei o Sr. Deputado - os mecanismos que, por exemplo, estão previstos na proposta do PS.
Por outro lado, também queria dizer-lhe que o facto de haver livre concorrência não traduz necessariamente que com isso estejam salvaguardados os direitos dos consumidores. Só por si, a livre concorrência não assegura isso, o que parece ser um pressuposto da sua exposição, porque, pelo contrário, se não houver uma contrapartida de garantia do exercício destes direitos, a livre concorrência tende a ir contra os próprios direitos dos consumidores, na medida em que, por exemplo, é susceptível de lhes transmitir uma imagem que põe em causa a sua própria liberdade de escolha, isto é, lhes incutir no espírito que devem fazer a escolha de A ou B, o que é atentatório do direito de livre escolha, que o CDS afirma defender com as propostas que faz. Para nós, não estando em causa esse direito, em que o CDS põe o acento tónico - o direito à livre escolha de bens ou serviços, que, naturalmente, se relaciona com as características do próprio sistema, de uma forma geral -, o que está em causa são mecanismos que o desenvolvimento da chamada sociedade de consumo urge constitucionalizar. Há, de facto, um tal desenvolvimento da chamada sociedade de consumo que esse desenvolvimento põe em causa os próprios direitos dos consumidores. Não os põe em causa por sistema, mas em muitos casos fá-lo, pelo que se torna necessária a sua defesa.
Naturalmente que tal questão também se prende com a própria organização económica, porque o panorama e muito mais agravado se, no que diz respeito à Constituição económica, por exemplo, se admitir a existência de monopólios privados. Aí é que se atenta gravemente contra o direito de livre escolha do consumidor, na medida em que se admite a existência de monopólios privados. Digamos que a estranheza que manifestei no início da minha intervenção relativamente a uma afirmação enfática de preocupação com os direitos dos consumidores reside no facto de não a ver correspondida com as propostas concretas. Em particular, não vejo como é que a eliminação daquele número do texto actual da Constituição pode ser explicada, por muito hábeis que sejam as explicações que possam ser dadas.
Explica-se, assim, a nossa convicção de que esta redacção não tende a defender efectivamente o exercício dos direitos, porque não traduz as preocupações expressas, nomeadamente, nas propostas do PS e que se irão encontrar na proposta da ID relativa à criação do Provedor do Consumidor.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Só queria intervir para colocar uma questão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, visto que chamou nesta sua última intervenção a atenção para uma decapitação - para usar o mesmo termo - que o CDS teria feito no seu articulado quanto ao direito dos consumidores à formação. O Sr. Deputado Nogueira de Brito justificou essa eliminação do inciso sobre a formação do consumidor indicando que uma das razões, ou talvez a única razão, que teriam levado o CDS a fazer essa amputação era a de considerar que a formação do consumidor atribuída ao Estado tinha em si incito um certo paternalismo. Efectivamente, admiro-me bastante de que tenha sido essa a razão, ou que haja razões, para tirar do artigo o que já lá estava, visto que isto não implica qualquer paternalismo da parte do Estado. V. Exa. não admite que, por exemplo, o Estado deve nas escolas ter e manter uma certa educação dos alunos no sentido dos direitos dos consumidores? Não admite também que o Estado possa ter campanhas não só para dar informações aos consumidores- até porque esse talvez nem seja o seu papel primacial, pois isso até caberia fundamentalmente, se nós as tivéssemos, às organizações e associações de consumidores espalhadas e com o impacte suficiente no nosso país? É papel do Estado nesse contexto sem o da formação tanto no que mencionei como, por exemplo, na condução de uma campanha de indicações aos consumidores para não tomarem remédios em demasia, campanhas de prevenção em matéria de saúde, que são também, ao fim e ao cabo, matérias de formação dos consumidores. V. Exa. não admite esta hipótese?
Não me parece que haja paternalismo, pois, actualmente, em qualquer país da Europa, pelo menos tanto quanto sei, o Estado conduz campanhas e, em alguns países, nas escolas públicas há disciplinas ou, pelo menos, alguns tempos lectivos destinados à própria formação dos alunos como futuros consumidores. Parece-me, portanto, que não é um paternalismo e que não há razões de fundo para retirar do antigo artigo este novo que propomos no seu n.º 1, este direito dos consumidores à formação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproximamo-nos claramente da hora de encerramento dos trabalhos, de acordo com o estabelecido antes do início desta reunião, e, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de fazer apenas duas observações.
Em relação ao primeiro aspecto, o do livre acesso, muitos dos Srs. Deputados já deixaram expresso o que eu próprio gostaria de formular. Há vias eficazes para a garantia da liberdade, há outras que no passado provaram conduzir a opressão e ao contrário da liberdade de escolha. Aqueles cidadãos que no Porto percorrem o Salão Automóvel, olhando com admiração o último modelo daquele protótipo fabuloso que custa 41 000 contos e, ao que parece, já tem adquirentes, exercem de forma "livre" o seu "direito à livre escolha", que na nossa sociedade é a livre escolha ocular (que é aquela que, as mais das vezes, é possível, como o CDS bastante bem sabe).
Deixaria de parte esse aspecto e a via que o CDS preconiza para garantir o mercado, a livre concorrência e outras coisas e só faria uma observação em relação à questão da formação. Em matéria de formação, o CDS ou é incompleto ou desatento, ou as duas coisas, porque suprime aqui a alusão a formação, mas manteve as alusões, que a Constituição tem abundantemente esparsas, a outros aspectos de formação, designadamente as constantes do artigo 59.º, n.º 3, alínea c), que o CDS manteve, formação essa que é cultural, técnica e profissional. Pelos vistos, não