8 DE JULHO DE 1988 705
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sobre este artigo poder-se-iam reeditar considerações que já foram feitas anteriormente sobre outros que foram agora mesmo objecto de apreciação por parte do Sr. Deputado José Magalhães.
Seja como for, em relação a este artigo gostaria de suscitar duas questões.
As expressões utilizadas no n.º 3 parecem-me imperfeitas, na medida em que não se percebe muito bem qual é o alcance de uma norma que exprima que as associações de deficientes gozam de protecção especial. O que é que significa esta protecção especial? Quais são os seus contornos? Os seus limites? Porque uma coisa é consagrar (e por isso pessoalmente teria uma certa simpatia) o princípio da participação das associações de deficientes na definição e execução da política de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, outra coisa é consagrar aqui um princípio de tratamento mais favorável a essas associações de deficientes, cujos contornos não se percebem, aliás, e que não teriam paralelo noutras normas da Constituição onde se consagra igual princípio de participação de associações representativas de interesses difusos, digamos assim.
Ou é um número que, em meu entender, desce a um pormenor de regulamentação excessivo. Sempre se deverá entender que no n.° 2 já se consagra o princípio de que estes dois incisos, no n.º 4, são meros corolários, na medida em que o Estado tem por obrigação assumir o encargo da efectiva realização dos direitos dos deficientes. Normas como a da eliminação das barreiras arquitectónicas e a da quota de postos de trabalho para deficientes são normas típicas de lei ordinária, não são, em meu entender, normas com dignidade constitucional. Portanto, acrescentar qualquer destes conceitos ao n.º 2 tornaria esse n.° 2, que já e um verdadeiro labirinto de redacção, não um labirinto mas um suplício de tenta-lo, de leitura. Parece-me que, apesar de tudo, a Constituição na sua versão actual é equilibrada e, pessoalmente, a única simpatia que teria seria por uma pequena nota, também aqui, quanto às associações de deficientes, atendendo a que noutras partes da Constituição já se consagram referencias a outras associações representativas de interesses difusos.
O n.° 3 é impreciso quanto à parte final e o n.° 4 já se deve entender como um corolário natural do que se contém no n.º 2 e, sobretudo, matéria com maior propriedade e detalhe, susceptível de ser tratada em sede de lei ordinária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino. Suponho que é indiscutível para todos nós que "verdadeiro suplício de tânlalo" e aquele que hoje enfrentam os deficientes, em inúmera das suas actividades quotidianas. Quer quanto à quota de emprego, quer quanto à eliminação de barreiras arquitectónicas, eu não diria que a procissão legislativa necessária vai no adro, mas uma outra coisa, que está ainda em formação, ainda nem sequer começou a circular.
Do que se trata aqui é de uma especificação, eventualmente apenas de uma especificação do que já consta do n.° 2, no tocante, designadamente, à efectiva realização dos direitos. Há especificações que se nos afiguram de extrema utilidade, mesmo tendo o conteúdo que pode, à partida, parecer excessivamente destinado à legislação ordinária. É o caso. Creio que é possível dessupliciar a leitura da norma, particularmente quanto ao n.° 2, e o deputado António Vitorino estará certamente de acordo comigo, se se acolher esta ideia, através de uma metodologia que leve, por exemplo, à reelaboração do n.º 2, designadamente com alíneas. Era possível fazer um n.º 2 com uma mesma cabeça e quatro alíneas. Alínea a) que tenha a ver com uma política nacional de prevenção e tratamento, reabilitação e integração dos deficientes; alínea b) a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres, ao respeito e à solidariedade para com eles; alínea c) a assumir o encargo de efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres aos pais ou tutores, e alínea d) que poderia não ser necessariamente a alínea d), e nem sequer ser alínea, porque tudo isto depois se reconfiguraria, conteria este propósito de alguma especificação que vem do texto proposto pelo PEV, obviamente com algumas deficiências redactivas, que a todo o tempo poderíamos acautelar. Era esta questão que eu colocaria ao Sr. Deputado António Vitorino, procurando saber se, sim ou não, vê com alguma disponibilidade a consignação de uma solução deste tipo.
O Sr. António Vitorino (PS): - Em tese abstracta é sempre possível. Contudo, a minha sensação é a de que isso quebraria um pouco o equilíbrio dos artigos da Constituição que tratam destas matérias.
Trata-se aqui da consagração de princípios programáticos. Neste caso em concreto tratar-se-ia de consagrar duas medidas de política em concreto e de verte-las na Constituição. Teria um mero valor programático na prática, porque repare-se que a progressiva eliminação das barreiras arquitectónicas já se deve entender como um dos instrumentos de política de protecção dos deficientes que deve ser prosseguido no quadro do horizonte definido pelo n.° 2, isto é, no quadro da obrigação de o Estudo assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos. Como? Através da consagração, em sede de lei ordinária, de normas que prevejam expressamente a progressiva eliminação dessas mesmas barreiras arquitectónicas. Mas, mesmo nas sociedades que estão mais avançadas sob esse ponto de vista, todos temos consciência de que as barreiras arquitectónicas subsistem e há sempre limitações práticas muito significativas na concretização desse objectivo.
Seja como for, o problema que existe aqui é também um problema de equilíbrio de todo o tratamento destes artigos. Os outros artigos, sobre a juventude, sobre a infância, sobre a paternidade, sobre a própria terceira idade, são artigos enunciativos de objectivos, de princípios. Esta proposta seria a consagração constitucional de dois instrumentos de políticas em concreto. Do facto resultaria algum desequilíbrio, interno ao próprio título da Constituição.
O Sr. Presidente: - Mais alguém quer usar da palavra? Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quero apenas dizer que, na verdade, este projecto do PEV em relação ao artigo 71.° nos parece manifestamente excessivo- excessivo em termos de revisão da Constituição, e não, é evidente, excessivo em relação ao seu conteúdo. Porque efectivamente acompanhamos algumas ou as essenciais preocupações que estão aqui versadas neste artigo, nestes novos números.