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2 DE SETEMBRO DE 1988 1029

relativamente clara e que, em parte, coincide com uma parcela da exposição do Sr. Deputado Costa Andrade. O PS pretendeu sublinhar com as suas propostas que este título, que passa a ser consagrado à política agrícola, tem um instrumento chave: o artigo 96.° Este preceito estabelece os chamados objectivos da política agrícola, clarificando que esta tem uma componente constitucionalmente vinculada e uma outra deixada à livre decisão das forças políticas que em cada momento são legitimadas pelo sufrágio popular para conduzirem essa mesma política agrícola. E a componente vinculada é aquela que está no artigo 96.° e é uma vinculação quanto aos objectivos da política agrícola. Aliás, já na Constituição actual, a reforma agrária aparece como subordinada a esses objectivos da política agrícola. Mais claramente, devo dizer que a reforma agrária não é, na minha interpretação constitucional, uma finalidade, em si, que se coloca no texto da lei fundamental ao lado da política agrícola. Essa era a situação que se poderia inferir da redacção da Constituição originária de 1976. Mas, em 1982, a alteração do n.° 1 do artigo 96.° clarificou quais passavam a ser os objectivos da política agrícola, pelo que o n.° 2 refere explicitamente que a reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola. Portanto, todos os instrumentos de reforma agrária que a Constituição consagra já estavam, desde 1982, subordinados aos objectivos da política agrícola. E, nesse sentido, é possível dizer que as propostas do PS não são preservadoras da reforma agrária, mas é técnica e juridicamente possível defender que o estatuto dos instrumentos da reforma agrária, que são todos os recuperados na proposta relativa ao artigo 96.° do projecto do PS, continuam a ser aqueles que decorrem da subordinação dos instrumentos da reforma agrária aos objectivos da política agrícola. Não há, de facto, sob esse ponto de vista, nenhuma alteração qualitativa que legitime interpretações miserabilistas. Consequentemente, continua a deixar-se à livre disponibilidade de quem detém o Poder em cada momento a decisão livre de se socorrer dos instrumentos característicos da Lei de Bases da Reforma Agrária. A integração do peso relativo dos instrumentos da reforma agrária no quadro da condução da política agrícola, tendo em linha de conta os objectivos que o artigo 96.° prefigura para esta política agrícola, é dependente da vontade do poder político em cada momento legitimado pelo sufrágio universal. E isto parece-me ser de uma coerência democrática inatacável.

Nesse sentido, à pergunta que o Sr. Deputado José Magalhães fez no sentido de saber se o enquadramento jurídico-constitucional não varria tudo, responder-lhe-ei que não. Esta é, pois, a linha de defesa da minha interpretação no sentido das propostas apresentadas pelo PS.

Perguntou-me igualmente se não haveria uma certa diferença da óptica do artigo 102.° quando se contrapõe a expressão "beneficiários" a "apoio preferencial" e se altera a estrutura da norma que consagra hoje um direito - eu diria aparentemente - para passar a referir um mero apoio do Estado. Creio que não há alteração substancial naquilo que é a lógica do artigo. Mais: há uma importante clarificação deste título todo. E digo isto porque, se a epígrafe do artigo 102.° fosse "Direitos dos pequenos e médios agricultores, das cooperativas de trabalhadores agrícolas e de outras formas colectivas de exploração", o Sr. Deputado José Magalhães teria razão. Estaríamos, então, perante um artigo construído na óptica dos direitos. Porém, a própria epígrafe do artigo consagra a expressão "Auxílio do Estado". É uma norma toda ela construída no sentido de impor obrigações ao Estado. Dir-me-á o Sr. Deputado José Magalhães que não há obrigações sem direitos e, consequentemente, se o artigo 102.° faz impender sobre o Estado uma obrigação é porque há implícita a consagração de um direito. Isto é, de facto, verdade e esse direito, que se consagra desta forma...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas não é uma questão implícita, mas sim explícita, porque o actual n.° 1 do artigo 102.° refere, in fine, a expressão "têm direito ao auxílio do Estado".

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Deputado. Referia-me não ao texto actual da Constituição, mas à fórmula adoptada pelo PS na sua proposta de substituição do n.° 1 do artigo 102.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas a pergunta que lhe formulei incidiu sobre as razões da transformação estrutural com conversão de um explícito, directo e claro, direito dos cidadãos em mera obrigação do Estado. Sublinho, aliás, este último aspecto.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não creio que V. Exa. tenha razão, pois a lógica da construção da norma é mais da imposição de deveres do Estado, e não de meras obrigações, do que propriamente a consagração de direitos. Na realidade, a norma desde o seu início, até pela própria epígrafe e construção do n.° 2, está construída na óptica da definição de incumbências do Estado mais do que na da consagração de direitos. Portanto, a interpretação que faço é a seguinte: da construção da norma que fazemos no artigo 102.° resulta uma coerência interna dela mesma e não a diminuição de direitos. É evidente que, perante o que se consagra no artigo 102.° com base nas propostas do PS, os pequenos e médios agricultores e as cooperativas de trabalhadores agrícolas têm direito ao auxílio do Estado. Acontece, porém, que esse auxílio do Estado só se faz na precisa medida da prossecução dos objectivos da política agrícola e de acordo com a vontade do poder político em cada momento.

Nesse sentido, não creio que haja consequências quanto à eficácia dos direitos económicos, sociais e culturais e à natureza do auxílio do Estado, que continua, aliás, a ter a mesma epígrafe, que o PS adopta para este preceito no seu próprio projecto.

Finalmente, quanto à alusão ao Plano feita por V. Exa., julgo que ontem o Sr. Deputado Almeida Santos já explicou por que é que entendemos que não faz sentido proceder a uma referência a ele neste capítulo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, desejo apenas fazer uma curta observação. As afirmações produzidas pelo Sr. Deputado António Vitorino deixaram-me, de certa forma, perplexo. Dir-se-ia: são