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1030 II SÉRIE - NÚMERO 34-RC

de um grande incêndio para o meu tão pequeno fósforo! A causa das chamas não está seguramente naquilo que perguntei, mas sim noutros factos antecedentes. Trata-se, portanto, do saldo de outro debate, de um saldo do passado. Digamos que a centelha do PCP não incendiou toda a pradaria do PS. Neste momento, o incêndio vem de outro sítio...

O Sr. António Vitorino (PS): - De maneira nenhuma, Sr. Deputado. Eu disse até que as perguntas do Sr. Deputado eram moderato contabile, pelo que mais melodioso do que isto não posso ser em relação a elas!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Devo dizer que me preocupa bastante o facto de o Sr. Deputado António Vitorino retomar, noutro tem e, provavelmente, ao abrigo da mesma táctica - admito que não a tenha mudado de ontem para hoje -, aquilo que era o argumento ou a démarche mais preocupante do PS nas reuniões de trabalho pretéritas.

Na verdade; seis anos depois da primeira revisão constitucional, o Sr. Deputado António Vitorino traz-nos a esta sede uma reinterpretação do adquirido desse processo inteiramente inédita. A única coisa que apetece perguntar é como é que ninguém se lembrou deste outro "ovo de Colombo", neste caso, "ovo de Vitorino"? E pergunto isto porque é verdadeiramente um ovo maravilhoso, caso se trate de um ovo e não aconteça que tenha de se esborrachar quando se tenta pô-lo de pé em termos de lógica.

O Sr. Deputado António Vitorino diz que a Constituição estabelece, após a primeira revisão constitucional, que a reforma agrária é um instrumento de política agrícola, ergo, todos os instrumentos da reforma agrária já estão, no fundo, dependentes das orientações e do enquadramento decorrentes da política agrícola. Se tendo eles, assim, este estatuto ancilar, a política agrícola for de certo tipo, serão accionados desta ou daquela forma os mecanismos para a reforma agrária ou até poderão não o ser. Se for outra a política, as coisas decorrerão de outro modo.

O Sr. Deputado António Vitorino, com esta simples démarche, e, pura e simplesmente, alterando um dos pressupostos do seu longo silogismo, consegue fazer uma desnaturação de conteúdo constitucional, transformar comandos legais em não comandos, obrigações em faculdades e deveres em liberdades.

Poderá ser defeito meu, em matéria de apreensão da bibliografia sobre esta área, mas nunca vi invocada essa exacta tese, embora já tenha visto invocadas muitas coisas: que as normas da Constituição neste ponto são "horrendas", que a reforma agrária é "colectivista", miserabilista, etc. Isto é absurdo, vale o que vale. Mas que a reforma agrária "nunca existiu" e "não existe constitucionalmente", que pode existir "ou" não existir - devo dizer, francamente, que nunca tinha ouvido! Até porque os que propõem a sua supressão usam como primeiro argumento - V. Exa. foi uma excepção nessa matéria - o de que a coisa que querem destruir "existe" constitucionalmente. Normalmente, não se propõe a destruição de um "zero constitucional", de um facultativo constitucional. O Sr. Deputado António Vitorino fez a démarche contrária.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não! Escusa de ir mais longe, porque posso esclarecer já o que foi o que eu disse exactamente: não disse que inexistiam normativos em matéria de reforma agrária. Não, não! Eles estão lá, existem e são claros e inequívocos! O que eu disse foi que o Sr. Deputado José Magalhães não tinha razão ao dizer que nós destruíamos o enquadramento da reforma agrária, na precisa medida em que, já hoje, no texto da Constituição saído de 1982, se torna claro qual é o enquadramento da reforma agrária no quadro constitucional - é um dos instrumentos fundamentais da política agrícola. Portanto, os objectivos da política agrícola que constam do artigo 96.°, n.° 1, da Constituição já são hoje pano de fundo norteador da própria reforma agrária, na medida em que o próprio n.° 2 do artigo 96.°, que ao n.° 1 se subordina, diz que a reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola. Foi exactamente isso que eu disse - da nossa proposta, neste aspecto, é ilegítimo concluir que havia uma alteração de enquadramento da reforma agrária; nesta sede, o enquadramento é o mesmo - é sempre instrumento de concretização dos objectivos da política agrícola. Agora, o que o Sr. Deputado José Magalhães me pode dizer é que o PS altera alguns dos instrumentos da reforma agrária constantes do texto constitucional - e isso é verdade. Mas coloque a questão sobre os instrumentos, não a coloque sobre o enquadramento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. afirmou que a reforma agrária, que existe constitucionalmente, está ancilarmente dependente da política agrícola. Mas está tão dependente da política agrícola que até possa ser objecto de redução ao limite mínimo - que é, como se sabe, em aritmética, o limite zero? Se a orientação da política agrícola, de que é instrumento a reforma agrária, for a de a reforma agrária ser simbólica, ela será simbólica? Se optar por uma boa e grande reforma agrária, será grande e boa? O Sr. Deputado junta-se à teoria da "reforma agrária para todas as cores". Só que, por azar, elimina o n.° 2 do artigo em referência: portanto, pode não haver reforma agrária para ninguém? Este raciocínio é que nós rejeitamos, por razão óbvia, caso exista.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é esse o raciocínio que fiz. O artigo 81.°, alínea h), da Constituição estatui claramente, como incumbência prioritária do Estado no plano económico e social, a realização da reforma agrária. Portanto, o Sr. Deputado José Magalhães não tem legitimidade para dizer que eu disse que no texto actual, hoje, seria possível reduzir a reforma agrária até ao zero. E não pode porque eu não disse isso, porque tenho o hábito de interpretar conjugadamente a Constituição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. sabe fazer interpretação conjugada e sabe fazer propostas de alteração que, conjugadamente, podem esvaziar o conteúdo constitucional. A minha preocupação não é a primeira arte. É, antes, a segunda.

Creio que há, no raciocínio que o PS desenvolve nessa matéria, um vício nos pressupostos. E o vício é este: nos termos da Constituição, a política agrícola que