13 DE SETEMBRO DE 1988 1045
Quanto ao PSD, vê-se que aquilo que propõe é um conjunto de substituições e eliminações - já irei às questões de implicação política funda -, nos termos seguintes: "na definição da política agrícola" em vez de "na definição e execução da reforma agrária, nomeadamente nos organismos por ela criados"; "a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores, através das suas organizações próprias" em vez de "a participação dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, através das suas organizações próprias". E elimina também a parte final do preceito ("bem como das cooperativas e outras formas de exploração colectiva por trabalhadores").
A questão é saber quais são as implicações de uma e outra das propostas, ressalvadas que estão as diferenças de origem, de teor e de conteúdo de cada uma delas. Creio que o principal problema é o que resulta da mudança de enquadramento que ambos os partidos pressupõem, decorrente do facto de se suprimir, não apenas o conceito de reforma agrária, mas um conjunto de regras constitucionais em matéria de política agrícola que conduzem a que hoje a margem de actuação do legislador ordinário se encontre limitada, vinculada, comprimida (num sentido positivo, de resto, em nosso entender), substituindo tudo isso por um outro quadro. Esta é a primeira diferença, fulcral, entre o que está em vigor e aquilo que propõem tanto o PS como o PSD de formas diferentes. Mas isso já discutimos e rediscutimos, suponho que não será possível avançar mais do que já se regrediu (em termos de debate, é claro). Quanto à questão do conteúdo específico e directo deste preceito, nenhum dos partidos propõe que se suprima a componente participativa, mas degradam-na em proporções que importa sublinhar. Sobre isto, seria particularmente importante ouvir o PS, naturalmente, sem que isso torne irrelevante a posição do PSD. A participação deve, hoje, ser assegurada às organizações de trabalhadores rurais e de pequenos e médios agricultores. Teve-se aqui em vista, aberta e claramente, como mostra tudo o que diz respeito à génese do preceito (que não foi alterado na primeira revisão constitucional, de resto), os sindicatos agrícolas e as associações de agricultores. Pensa-se em estruturas representativas, desde logo, e depois em estruturas produtivas directamente. E enunciam-se dois tipos: as cooperativas, por um lado, e as UECTs. Nesta matéria há uma supressão, tanto no caso do PS como no do PSD, desta distinção. Seria interessante saber em que é que se fundamenta, porque isso pode introduzir uma alteração relevante na lógica constitucional e na estrutura constitucional. Pode conduzir, por exemplo, a que se sustente - bastará para isso invocar uma destas actas - que cessou a existência de sujeitos privilegiados da política agrícola, que o "favor" constitucional em relação aos pequenos e médios agricultores e em relação aos trabalhadores rurais cessou, porque foi alterada a estrutura e a lógica do preceito. Por outro lado, a menção que nele se faz à importância e ao papel particular das estruturas colectivas e das cooperativas também desapareceria. E isso não é irrelevante, para se ponderar qual seja o conspecto final da constituição apícola. Se se altera o artigo 96.°, n.° 1, se se altera o artigo 97.°, n.° 2, se se altera o artigo 99.°, n.° 1, se se altera o artigo 100.°, se se altera o artigo 102.°, n.° 1, e se se altera, agora também, o artigo 104.°,
então faz-se, verdadeiramente, uma refundição da constituição agrária em termos tais que o resultado final só remotamente teria semelhança com o texto actual. Quanto ao âmbito da participação, a proposta do PS distingue-se da proposta do PSD. A proposta do PSD circunscreve a participação à questão da definição; a proposta do PS mantém, neste ponto, o âmbito vasto, abrangendo também as questões de execução não da forma agrária mas da política agrícola. Neste caso, o PS "apenas" suprime a reforma agrária!!! Seria possível que o Sr. Deputado Almeida Santos precisasse que áreas é que esta participação abrangeria? É que uma coisa é a definição e execução da reforma agrária que, designadamente, passa por um enquadramento legal explícito - há uma coisa chamada Lei de Bases da Reforma Agrária. A inexistência de um conceito específico, rico e denso como este, remeteria a participação para o universo da política agrícola. Ora, a política agrícola não passa só por leis, passa também por outro tipo de medidas, mas correr-se-ia o risco, neste cenário, de uma certa indifinição, porque o preceito seria, simultaneamente, demasiado vasto e pouco preciso. Teoricamente abrangeria tudo, uma vez que medidas de política agrícola são o que mais há: qualquer alteração de preços é uma medida de política agrícola, qualquer negociação em Bruxelas pode conduzir a medidas de política agrícola (importantíssimas, de resto). Somos capazes de imaginar centenas de situações que são desdobramentos e elementos de definição da política agrícola e em que seria necessária a participação das entidades que aqui são referidas. Mas, por outro lado, como o preceito é vago e como pode não haver sequer uma "lei da política agrícola", uma "lei da estrutura agrícola" - a existência desses diplomas fica, segundo o PS, e na sua lógica, na dependência do legislador ordinário, na dependência das correlações de forças decorrentes de factores vários -, poderia acontecer que houvesse uma participação projectada imensa, mas facilmente inviabilizável em concreto. É essencial que a definição constitucional seja feita com rigor. Também os aspectos orgânicos da participação me parecem bastante maltratados pelo PS e pelo PSD, uma vez que suprimem qualquer alusão à participação em organismos responsáveis pela política agrícola. Em suma: aquilo que no texto actual é preciso deixaria de o ser com a alteração dos artigos que citei e com o teor das propostas em debate. Portanto, a proposta do PS teria de ser mais precisa para dizer o que quer dizer, se bem entendi o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que, quanto ao problema da definição e execução da política agrícola, apenas corrigimos a injustiça de não ouvir os agricultores em tudo o que fica fora da reforma agrária. E, como a reforma agrária se aplica apenas a uma pequena área do País e a uma pequena parte da produção agrícola, ganha sentido referimos este direito - direito de participar -, não à reforma agrária, mas à política agrícola. Que política agrícola? Necessariamente aquela que está definida na Constituição pelos seus objectivos.
Parece-me, portanto, que não há mais indefinição.
Quer dizer: se houver uma lei sobre política agrícola, terão de ser ouvidos; se houver uma medida de execução dessa lei, terão de ser ouvidos, desde que seja fundamental, como é óbvio.