13 DE SETEMBRO DE 1988 1061
na alínea a) no artigo 168.°, diz respeito a impostos e não a taxas. No entanto, sabemos também que, no nosso universo de figuras jurídicas, gozam de estatuto e de existência, com uma longa história atribulada e bastante confusa, outras figuras, designadamente várias realidades que se acobertam sob a designação de taxas e que nem sempre o são, certas contribuições especiais de diversos tipos, certos diferenciais de preços, designadamente aqueles que revertiam no passado para o Fundo de Abastecimento. Sucede que em relação a algumas dessas figuras, o próprio Tribunal Constitucional teve ocasião de considerar que a certas contribuições especiais se devia aplicar o regime constitucionalmente fixado para os impostos, incluindo portanto a reserva de lei parlamentar. Por outro lado, o Tribunal Constitucional veio a entender que certos diferenciais de preços que revertiam para o Fundo de Abastecimento não constituíam impostos, não lhes sendo, portanto, aplicáveis os regimes específicos dos impostos propriamente ditos. Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos n.ºs 277/86 e 7/84, entre outros.
Ulteriormente, o Tribunal Constitucional veio pronunciar-se sobre uma outra questão, no Acórdão n.° 205/87, qual seja a de saber se só a Assembleia da República poderia modificar o regime legal de certos tributos. Que tributos eram esses? Na revisão da Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado vigente pretendeu-se alargar a reserva da lei parlamentar a certas taxas, a certos diferenciais cobrados pelos serviços autónomos, pelos fundos autónomos, pela Segurança Social e pelos organismos de coordenação económica e institutos públicos, sem distinguir os tipos de diferenciais que eventualmente pudessem existir. Do percurso e das ilações que sobre esta matéria foram extraídas a nível jurisprudencial não caberia aqui dar conta extensamente. Em todo o caso, sabemos que o Tribunal Constitucional veio a entender que, face ao quadro constitucional vigente, era inconstitucional a norma constante das disposições conjugadas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.° dessa tentativa de revisão da Lei de Enquadramento, na parte em que reservava à Assembleia da República a modificação de todo o regime legal de certos impostos e de outras receitas juridicamente equiparáveis, para além dos respectivos elementos essenciais enunciados no artigo 106.°, n.° 2, da Constituição, bem como na parte em que reservava à Assembleia da República a modificação do regime legal dessas taxas e de outras receitas juridicamente não equiparáveis aos impostos. Pesou nisto o facto de o Tribunal ter reflectido sobre os contornos da noção de taxa, de ter procurado apurar as diferenças entre as taxas propriamente ditas e os impostos, tendo considerado correcta a reflexão adquirida a nível da doutrina nos termos da qual o que basicamente distingue a taxa do imposto é a natureza bilateral da taxa, o seu carácter sinalagmático, uma vez que à prestação do particular corresponde aqui uma contraprestação directa e específica por parte do Estado. Isto é o que se lê a p. 2610 do Diário da República, 1.ª série, n.° 150, de 3 de Julho de 1987. O Tribunal veio a considerar substancialmente correcto o ponto de vista assinalado doutrinalmente, segundo o qual o montante da taxa pode não corresponder exactamente ao custo do bem ou serviço que constitui a contraprestação do Estado. Seguiu-se aqui a orientação do Prof. Dr. Teixeira Ribeiro, na parte em que v este tem vindo a sustentar que as taxas, quando de montante superior ao custo, não constituem impostos na parte excedente ao custo, visto manterem o seu carácter bilateral, dependendo esse montante da finalidade que o Estado deseje alcançar.
Evoco tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para sugerir que este é um bom momento para se clarificar os termos da competência da Assembleia da República nesta matéria. Que só a Assembleia da República seja competente para modificar o regime legal dos impostos, contribuições especiais e outros tributos cobrados por serviços autónomos ou por outras entidades públicas; que não seja da competência exclusiva da Assembleia da República o regime legal das taxas pagas pelos utilizadores directos, desde que o respectivo montante corresponda ao custo; que na outra parte em que não corresponde ao custo deva ponderar-se, exactamente, de quem é a competência - eis matéria que nos mereceria alguma atenção. A Constituição, em todo o caso, não deveria manter silêncio sobre esta matéria. A proposta que o PCP apresenta visa clarificar que essa reserva de lei deve aplicar-se também ao regime das taxas. Portanto, não se trata de definir mais do que o enquadramento das taxas, as essentialia desse quadro normativo. Não se trata de fazer uma repartição de competências em que o Governo fique esvaziado de poderes de definição. Trata-se apenas de estabelecer uma clarificação no sentido de eliminar dúvidas sobre a margem de competência da Assembleia quanto ao quadro das taxas e outras obrigações públicas de natureza patrimonial, que são, como sabe, uma floresta.
Quanto ao segundo aspecto, a retroactividade, tivemos a ocasião de encetar uma primeira reflexão sobre esta matéria, na altura em que debatemos a proposta de aditamento do PS de um novo artigo (o artigo 62.°-A, ao que creio) sobre os direitos dos consumidores. Nessa altura foi alvitrado que talvez fizesse sentido incluir nos direitos, liberdades e garantias - sede provavelmente mais adequada e mais exacta - uma norma que não só inequivocamente consagrasse os direitos dos consumidores como também alguns dos direitos essenciais dos contribuintes. Este aspecto pode ser equacionado nos termos em que o PCP o faz aqui, nesta sede, estabelecendo um princípio. Pode ser equacionado, também, no ângulo subjectivo dos direitos dos contribuintes.
Independentemente de se optar por um caminho ou por outro, por uma fórmula ou por outra, parece relevante - mas aí trata-se de uma grande opção de sistema fiscal - que se rompa caminho em relação à consagração da irretroactividade. A retroactividade é uma brutalidade e retroactividade é uma desnecessária violência. Todo o debate que aqui fizemos quando o governo do bloco central, num mês de Setembro, trouxe à Assembleia da República um pacote fiscal extraordinário e retroactivo foi elucidativo das dificuldades e das implicações de opções extremas deste tipo. É difícil configurar uma situação em que ao poder político seja vedado encontrar outros caminhos para a obtenção de receitas que não o lançamento de impostos - verdadeiros e próprios impostos - com cunho retroactivo. Muitas outras soluções são possíveis, muitos outros recursos são imagináveis. O facto de não estar assegurado que os aumentos dos impostos, ou a criação de impostos ex novo, tenham de ter lugar apenas para o futuro, a possibilidade de tributar factos