O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

13 DE SETEMBRO DE 1988 1089

isto é, por outra lei formal da Assembleia da República. Isto introduz uma alteração de grande fôlego e alcance no domínio da repartição de competências entre órgãos de soberania. A fazer vencimento a proposta do PCP, a competência concorrencial entre o Governo e a Assembleia sairia assinalavelmente modificada, o que afastaria progressivamente o nosso sistema legislativo do modelo, apesar de tudo original, que vigora em Portugal desde a Constituição de 1933 e que a Constituição de 1976, no essencial, recolheu, e que o aproximaria, progressivamente e algo cautelarmente, mas irreversivelmente, dos modelos de repartição de competências legislativas vigentes nos restantes países da Europa Ocidental, onde há uma manifesta prevalência da lei parlamentar, onde as matérias legislativas devem ser objecto de lei parlamentar e onde o exercício de poderes legislativos por parte do Governo é manifestamente excepcional e depende ou de autorizações legislativas ou do chamado "estado de necessidade", ou do chamado "estado de urgência", para emissão de decretos-leis sobre matéria parlamentar, sujeitos, em vários regimes, a diferentes formas de ratificação a priori ou a posteriori por parte da instância parlamentar. O n.° 2 proposto pelo PCP abre uma porta para expandir aquilo que passará a ser progressivamente considerado reserva de competência de facto da Assembleia da República e para diminuir progressivamente o que seja competência concorrencial entre a Assembleia e o Governo, hoje em dia susceptível de ser livremente utilizada a cada momento pelo Governo. Já sei que me irão argumentar que se trata de uma medida de protecção de actos legislativos do órgão que detém o primado legislativo, que é a Assembleia da República, para evitar a sucessão de actos revogatórios mútuos a que pode dar origem a própria natureza da competência concorrencial. Esse é, de facto, um dos efeitos úteis, benéficos, de uma medida do género da que propõe o PCP. Seja como for, parece-me que consagrar a solução do PCP, no sentido do progressivo esvaziamento da competência concorrencial, não pela via de uma decisão assumida de alteração da repartição de competências entre órgãos de soberania, mas pela via de um critério hierárquico-normativo sujeito a decisões meramente casuais, é deixar um pouco ao sabor de cada momento e sobretudo à vontade de cada legislador majoritário no Parlamento a possibilidade de progressivamente, através de uma actividade legislativa permanente da AR, ir subtraindo à reserva de competência concorrencial matérias cada vez mais vastas, que hoje em dia podem ser objecto de actos legislativos quer do Parlamento quer do Governo, prevalecendo aí sempre o critério lex posterior, anterior derrogai criando uma espécie de "reserva adicional" da AR preenchida casuisticamente. Quanto ao n.° 2 são estas as observações que me parecem necessárias, quanto mais não seja para esclarecer se era este de facto o desiderato pretendido pelos proponentes, se subscrevem tudo o que disse sem limite ou se entendem que há limites ou que deve haver limites. O limite das autorizações legislativas é que não vejo como é que pode funcionar, na medida em que aparentemente haveria autorizações legislativas que permitiriam que os decretos-leis de uso dessas autorizações contrariassem as leis parlamentares sobre matérias de competência concorrencial já anteriormente objecto de lei formal. É uma mecânica...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A sua objecção está a referir-se ao n.° 3?

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não é ao n.° 3, estou a referir-me ao n.° 2.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Refere-se ainda ao n.° 2?

O Sr. António Vitorino (PS): - Ainda ao n.° 2, ou seja, os decretos-leis só poderiam contrariar as leis parlamentares anteriores sobre as mesmas matérias se houvesse autorização legislativa bastante para o efeito, o que significa que os autores devem ter pretendido, especulo, mas penso que é o que faz sentido, é que...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas especula sob controle.

O Sr. António Vitorino (PS): - Aliás, essa é a minha actividade preferida: especular sob controle... O que significa que o PCP o que pretende é transferir casualmente certas matérias que hoje integram a competência concorrencial para a chamada "esfera de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República", portanto ao referirem, na vossa proposta, "salvo autorização legislativa" isso significa que todas as matérias uma vez objecto de lei da Assembleia da República que hoje em dia podem ser consideradas como tendo natureza concorrencial entre o Parlamento e o Governo, passariam ipso facto a integrar a reserva relativa de competência legislativa do Parlamento. É, portanto, uma norma expansiva da reserva de competência relativa da Assembleia da República, de progressivo alargamento da reserva relativa de competência da AR e de progressivo esvaziamento da competência concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Os decretos não podem contrariar as leis, salvo se houver uma lei que autorize que um decreto concreto altere uma lei. É isto?

O Sr. António Vitorino (PS): - Não pode ser. O Sr. Almeida Santos (PS): - É o que está cá.

O Sr. António Vitorino (PS): - Também aceito que essa interpretação seja possível, só que já estava na minha interpretação a tentar dar, não direi uma porta, mas uma portinhola de saída à proposta do PCP,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou alguma janela no último andar...

O Sr. António Vitorino (PS): - ... no sentido de admitir que, a valer a minha interpretação de que isto é uma operação de transferência de matérias da competência concorrencial para a competência reservada da Assembleia da República, o PCP não integra as matérias transferidas para a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, mas apenas, moderato cantabile, para a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.