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30 DE SETEMBRO DE 1988 1211

Na projecção ou na prospecção que, razoavelmente, podemos fazer disto, só na óptica de um espírito de conflitualidade galopante em todas estas três variáveis é que a solução agora proposta poderia inspirar inquietações. Não é razoável fazer essa prospecção ou assentar nesse pressuposto assim, sem mais. E porquê? Eis a principal questão que gostaria de colocar.

É que, o estatuto do governdor do Banco de Portugal será aquele que decorra do regime jurídico aplicável ao próprio Banco de Portugal. Cabe hoje ao Governo defini-lo.

Sucede que um dos partidos apresentante de projectos de revisão constitucional - concretamente o CDS - tem uma proposta de uma nova alínea r) para o artigo 167.°, em que comete à Assembleia da República, na área de reserva absoluta de competência legislativa, o poder de definir a organização e o funcionamento do Banco de Portugal. Mesmo neste esquema, a definição concreta do estatuto do governador - e logo dos seus poderes, das suas garantias e da margem de conflito possível dessa entidade com as outras entidades, designadamente com o Governo e, em particular, com o Ministro das Finanças - fica dependente da opção concreta do legislador, seja ele o governo, como ora sucede, seja a Assembleia da República (com o estatuto que o CDS pretende ou com outro qualquer, uma vez que a solução apresentada pelo CDS é, evidentemente, susceptível de reconformações e de reperspectivações).

Creio que é importante alertar para este aspecto, porque isto devolve ao PSD a preocupação que aqui exprimiu sobre a margem de conflitualidade. Reforçado inequivocamente - e não vale a pena escamotear esse facto -, o estatuto do governador (e dos vice-governadores eventualmente), a margem de intervenção que lhe é conferida e as garantias dependem de estatuto aprovado pelo legislador ordinário! Isto me parece que permite diminuir um pouco o alcance da proposta - mas qualquer proposta teria sempre esse alcance diminuído, dado o quadro real que deve ser tido em conta - e ultrapassar airosamente a questão colocada em termos desapaixonados, realistas e creio que compreensíveis e geralmente aceitáveis.

Pela nossa parte, naturalmente, não temos senão que dar o nosso aplauso a uma solução desse tipo, apenas acentuando os seus limites. Tudo aquilo que o Sr. Presidente acabou de sublinhar sobre as evoluções possíveis do Banco de Portugal quanto ao seu estatuto, quanto ao modelo de funcionamento em que deve inspirar-se, etc., etc., depende do legislador ordinário. E creio que não está em causa a alteração ou a evolução súbita de Portugal para qualquer dos dois modelos apontados como pontos extremos de autonomia.

Creio, também, que não deveríamos caminhar para um sistema em que o Banco de Portugal visse aviltadas competências e fosse colocado em situação de choque ou de directivismo galopante com intervenção substitutiva do Governo ou uma intervenção assente numa visão exacerbada, daquilo que são prerrogativas do governo enquanto órgão superior da Administração Pública: tem de haver diferença - mesmo no nosso sistema constitucional e com a exacta redacção que a Constituição tem no artigo 105.° - entre o estatuto do Banco de Portugal e o estatuto da Direcção-Geral da Contabilidade Pública! Esse é o outro pólo de raciocínio que tem de estar presente no debate e que, de resto, não foi omitido pelo Sr. Deputado Rui Machete, excepto na medida em que a alusão à integração na Administração Pública não faz realçar a diferença específica de estatuto do Banco de Portugal e pode inculcar um pouco a ideia de certa identidade de estatuto em relação a entidades relativamente às quais o Governo tem um poder, já não de superintendência, mas de direcção imediata.

O governador do Banco de Portugal não pode ser um director-geral da confiança do Governo - eis o que me parece basilar. Que a sua legitimidade seja reforçada só poderá, obviamente, trazer vantagens.

Gostaria de sublinhar, por último, Sr. Presidente, que também nós PCP procurámos, em sede de competências da Assembleia da República, trazer alguma clarificação útil sobre as relações entre a Assembleia e o Banco de Portugal para efeitos de debate orçamental. Na altura própria poderemos fundamentar mais extensamente as razões que nos levam a apresentar essa proposta que tem conexão com este tema que agora estamos a debater.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitia-me só dizer que as observações do Sr. Deputado José Magalhães reforçam o acerto de considerarmos com extrema cautela esta matéria, não porque no nosso pensamento o governador do Banco de Portugal possa ser equiparado a director-geral - já hoje não o é, e quem tenha a mínima familiaridade com o modo de actuação do Banco de Portugal, seja qual for o governador, sabe que assim não é -, mas porque, na realidade, nas matérias em que o Banco de Portugal actua, quer no campo cambial, quer em matéria de programação monetária como autoridade monetária, quer na articulação com o Tesouro, são questões de uma extrema delicadeza e importância do ponto de vista financeiro, económico e político, que nos obrigam a ter muito cuidado na evolução, que é desejável, no sentido de cada vez mais se firmar a autonomia técnica do Banco de Portugal.

Não pode o Banco de Portugal, nas suas funções, estar sujeito a flutuações de orientação política contingentes por motivos que não sejam motivos macroeconómicos, mas há um ponto sobre o qual, em particular, gostaria de fazer incidir a atenção de VV. Exas.: é que o Sr. Deputado José Magalhães disse algo com que, salvo o devido respeito, não estou de acordo, em termos de acento tónico. O problema não é tanto o das divergências institucionais entre o Ministro das Finanças e, eventualmente, o Primeiro-Ministro, o governador do Banco de Portugal ou o Presidente da República - que podem naturalmente existir -, mas encontra-se mesmo no fluir normal da actividade quotidiana do Banco, onde é muito importante que exista, simultaneamente, uma capacidade de ter autonomia na decisão e, por outro lado, de havçr uma política concertada, podendo alguém dizer a última palavra. Os problemas não se põem só quando os conflitos estalam e existem concepções fundamentais diversas, mas, a propósito de meio ponto na taxa de juro, a propósito - se os continuarmos a utilizar - dos limites de crédito, da política de open market, do crawling peg, ou seja lá do que for, existem possibilidades de divergência extremamente importantes e, no sistema político, financeiro e administrativo português, torna-se necessário imputar a alguém a responsabilidade última da