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30 DE SETEMBRO DE 1988 1215

vás, como dirigir mensagens ou até inaugurar solenemente sessões, et coetera, não suscitam (creio eu) particulares problemas - aliás, o Sr. Vice-Presidente Deputado Almeida Santos não se referiu a elas sequer.

O Sr. Presidente: - Não, não. Referi-me, não às mensagens, mas ao facto de hoje esta competência não existir em relação à própria Assembleia da República. Parece-me difícil aceitar que, não existindo esta competência em relação à Assembleia da República, venha a existir em relação às assembleias regionais.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - O Sr. Presidente da República teria o direito constitucional de usar da palavra na assembleia regional. Digamos que é o mais alto magistrado da Nação e não tem de se sujeitar a prévio convite do presidente de uma assembleia regional.

O Sr. Presidente: - Como também me parece que ele hoje não precisa desse convite.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - É uma questão de bom senso.

O Sr. Presidente: - O melhor nestas coisas é não pretendermos que somos inocentes! Nós sabemos o significado das coisas e não vale a pena irmos muito ao fundo nesse aspecto.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi isso precisamente que quis sublinhar, porque em relação ao que vem proposto nas alíneas l) e l') o caso é totalmente diferente.

O texto em causa assenta desde logo -devo dizer que isso nos preocupa bastante- numa radical confusão quanto ao próprio esquema constitucional vigente, em dois pontos absolutamente fulcrais.

O primeiro ponto é que deva entender-se pelo regime de dissolução dos órgãos de governo próprio das regiões.

A Constituição configura-o como um mecanismo quase de estado de sítio regional, de sanção por procedimentos de enorme gravidade contrários à unidade nacional, à vigência da Constituição no território; são situações limite da máxima gravidade, por ofensa a valores fundamentais constantes, designadamente, do próprio estatuto das regiões ou decorrentes da natureza do Estado democrático. Não se trata de um mecanismo que deva confundir-se com o sistema de governo das regiões. O mecanismo a que se refere o artigo 136.°, alínea j), e o seu desenvolvimento posterior na parte correspondente no artigo 236.° da Constituição não tem a ver com a problemática do sistema do Governo. No sistema de governo, tal qual está gizado constitucionalmente, há responsabilidade do Governo perante a assembleia regional - não há responsabilidade dos governos perante o Ministro da República, e por maioria de razão não há responsabilidade do governo regional perante o Presidente da República; o Ministro da República não pode demitir os governos regionais e a possibilidade de dissolução da assembleia regional pelo Ministro da República, por outras razões, é controversa. Há quem sustente que isso está na disponibilidade dos estatutos regionais, mas sucede que esses estatutos não previram essa hipótese - reflectimos bastante sobre essa matéria no momento da sua redacção e da sua revisão, concretamente no caso dos Açores, mas não se chegou a qualquer solução que alterasse o status.

Em todo o caso, mesmo que viesse a configurar-se a hipótese de reformular o sistema do Governo tendo em conta um outro perfil de competências do Ministro da República, uma criação de um sistema em que o governo regional dependesse simultaneamente da assembleia regional e em certa medida da confiança do Ministro da República, coisa que não está colocada, tudo isso nunca teria nada a ver com o regime de dissolução que está previsto neste artigo. Portanto, avançar-se para soluções como aquelas que o projecto n.° 10/V prefigura, nos termos das quais passaria a ser possível, "em caso de crise política grave e para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas", o Presidente da República dissolver os parlamentos das regiões autónomas, significaria a transposição para o sistema regional do esquema de dissolução da Assembleia da República - que tem razões de uma outra natureza. Essas razões serão graves obviamente, terão a ver com fenómenos de crise política que pode ser crise política corrente (que embora deva ser uma grave, pois ninguém dissolve por lana-caprina) mas esse quadro crítico não é susceptível de ser colocado em paralelo com as situações-limite a que se refere o artigo 236.° da Constituição no caso das regiões autónomas, que são típicas situações de crítica, de censura e de sanção, de castigo, em sentido político, por condutas gravemente violadoras da Constituição e da unidade nacional. É a crise das crises - a crise máxima. Só nessas situações se justifica a compressão à autonomia que uma tal dissolução sempre representa.

Parece-me preocupante que este aspecto fulcral não tenha sido materializado e ponderado - tenho esperança que isso ainda venha a acontecer! - pelos proponentes. Dir-se-ia que, na cegueira de centrar todo o debate em torno da presença ("maldita" ou "bendita") do Ministro da República e do vezo de ultrapassar a figura do Ministro da República, através da projecção para o Presidente da República de um conjunto de competências, os proponentes perdem de vista as próprias garantias de autonomia co-envolvidas no actual sistema de dissolução e fazem do Presidente da República, neste cenário em que surge sem mediador e com intervenção directa, um gestor de crises políticas regionais correntes. A não ser que entendam que o "regular funcionamento das instituições democráticas" deveria ser compreendido, na conceptologia do artigo 236.° do projecto n.° 10/V, como "a perturbação do funcionamento das instituições quanto ao próprio exercício da soberania, quanto à unidade nacional"... Isso, porém, seria dar a essa expressão, que já é de controversa e difícil aplicação, um outro e mais difícil campo de leituras recheadas de dificuldades. Suponho que não é fértil e pode ser extremamente instabilizador.

A mesma coisa se passa em relação à alínea l'), embora aí pontualizada pelo facto de tudo se operar nos termos dos respectivos estatutos político-adminis-trativos, envolvendo, em todo o caso, uma alteração radical da estrutura de poder e do relacionamento entre a República e os órgãos do governo próprio das regiões autónomas. É um passo que tem pressupostos e implicações que creio não estarem medidas pelos próprios proponentes.