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30 DE SETEMBRO DE 1988 1217

o quadro ofereça dúvidas e tenha dificuldades de aplicação - como, recentemente, o caso de um secretário de Estado do Ministério da Saúde evidenciou abundantemente, embora de forma efémera.

No caso do Presidente da República, a questão coloca-se em termos que creio serem susceptíveis de ser considerados pacíficos. Devo, no entanto, dizer que a norma que propomos tem duas componentes. Por um lado, a proibição de desempenho de cargos e funções públicas não previstos na Constituição e, por outro lado, as actividades privadas ou actividades profissionais.

As coisas são obviamente de natureza diferente. Embora se insiram na mesma problemática, há gradações, esferas: um mesmo tipo de actividades pode merecer juízos diferenciados e pode originar soluções diferenciadas. Pareceu-nos que a solução era, à partida, correcta e contamos com os resultados da ponderação colectiva que, com esta proposta, visámos precisamente desencadear.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, independentemente da nossa posição, que vai ser já indiciada, tenho algumas dúvidas quanto ao conteúdo (e todos nós percebemos o que é um cargo ou função pública ou uma actividade profissional no campo privado) da expressão "função privada", que suscita graves dificuldades de compreensão. Por exemplo: um Presidente da República que seja proprietário de um bem exerce uma função privada; se recebe proventos de alguma coisa que possui exerce uma função privada? Confesso que não sei o que é uma função privada, e talvez convenha esclarecer isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não tenho perguntas a colocar, Sr. Presidente, mas gostaria de dizer que a posição do PSD em relação a este problema pode ser expressa da seguinte maneira: tirando esta dúvida, que tem toda a legitimidade de ser colocada, a proposta do PCP é uma proposta que merece concordância nos termos essenciais quanto à substância do seu conteúdo.

Acontece que não nos parece que aqui seja o local próprio para inserir essa proposta. É um tanto chocante que esta matéria seja aqui remetida para o artigo 131.° da Constituição. Pensamos que esta matéria deverá constar necessariamente, como consta em grande parte dos casos em relação a outros órgãos de soberania, nas leis eleitorais respectivas.

O Sr. Presidente: - Diria o seguinte, para o Sr. Deputado José Magalhães tomar em conta: está adquirido que a competência do Presidente da República é uma reserva da Constituição. Ora, se está adquirido que a competência do Presidente é uma reserva da Constituição e que nenhuma lei ordinária lhe pode atribuir uma competência que a Constituição não preveja, salvo quando ela própria remeta para a lei ordinária - já vimos uma proposta do PS que diz "salvo se lhe atribuir as marcações de outras eleições", a pensar na marcação das eleições para o Parlamento Europeu -, não vejo que haja necessidade de se dizer que não pode desempenhar nenhum outro cargo ou função pública, pela simples razão de que é óbvio que só pode desempenhar as que resultarem das suas competências. Acho que a primeira parte é uma clarificação, mas não é necessária. Não estou em desacordo com o conteúdo, estou em desacordo com a necessidade.

De qualquer modo, mesmo quanto a isso e quanto a funções "privadas" - já que também acompanho o Sr. Deputado Costa Andrade no exagero da expressão - há muita função privada que o Presidente da República tem de exercer: por ser presidente de uma associação moral, de beneficência, presidente do Prémio Nobel, por que não? Também admito que possa ser prestigiante para o País o facto de ele amanhã presidir a um órgão supranacional que não tenha carácter executivo, mas que se revista de grande prestígio! Portanto, deixaria ficar tal como está, compreendendo embora a preocupação ínsita na pergunta.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está, evidentemente, longe de nós a ideia de agir no terreno do perigo e seria sempre pecado venial agir no terreno da desnecessidade...

O problema existe. A solução é, como todas, eminentemente discutível, não mais que isso. A terminologia pode ser própria ou imprópria, a interpretação pode ser correcta ou inadequada e, em certos casos, deverá ser correctiva. É evidente que só por grande malevolência é que o Sr. Deputado Costa Andrade resolveu fustigar-nos com qualquer intuito de proibir as funções privadas em que pensou ao titular do cargo: era no cargo e suas funções - "funcionais" jurídicas que pensávamos e não nas muitas que a todos cabendo não podem ser proibidas pelo direito político!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, das duas uma: ou a expressão "função privada" não significa nada, ou significa aquilo que, em teoria sociológica, significa "funções". E "funções" é tudo aquilo que num sistema desempenha algum papel ou tem alguma função. Ou debitamos aqui toda a teoria funcionalista de Parsons e Luhman, e vemos o que são funções privadas - e todos os papéis sociológicos são funções...

O Sr. Presidente: - Por exemplo: ontem o Presidente da República exerceu uma função privada, isto é, atribuiu um prémio que ele próprio instituiu. Com base num outro prémio que lhe foi atribuído ele consagrou um prémio que, na qualidade de presidente desse prémio, atribuiu e entregou. É claro que é a caricatura do risco, se o Sr. Deputado José Magalhães consentir. Mas poderemos figurar muitos mais exemplos. Certamente que a fiscalização da constitucionalidade não vai encarniçar-se contra uma hipótese desta, mas também não vejo necessidade de consagrar isto expressamente, porque já decorre dos princípios.