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7 DE OUTUBRO DE 1988 1293

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas acontece que a Assembleia da República poderia ser chamada a decidir sobre a suspensão ou não do exercício de funções do deputado, mas o normal decurso do processo conduzir ao seu arquivamento antes de deduzida a acusação.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Exacto, Sr. Deputado. No entanto, pode dar-se a situação inversa, isto é, haver um deputado já constituído na qualidade de arguido, inclusivamente caucionado, mas continuar a desempenhar em pleno as suas funções parlamentares. São duas situações que é preciso contemplar e prevenir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, devo dizer que não concordo com a interpretação de que esta norma seja construída na óptica do prestígio da Assembleia da República, ou até de uma preocupação de este órgão não ter no activo deputados sobre os quais recaia uma suspeição muito forte. De facto, a lógica do preceito é a inversa, ou seja, tem-se em conta antes do mais a protecção do deputado individualmente considerado, bem como o facto de se considerar que a condição de deputado deve ser mantida no tempo tanto quando possível e ter por limite apenas a situação que não obstrua o livre curso da justiça. Portanto, nesse ponto o prestígio da Assembleia não existe como valor que sobreleve do valor da liberdade individual do deputado, da prevalência das imunidades e, consequentemente, do facto de a suspensão ter um carácter excepcional, apenas justificada por um outro valor constitucional a que se reconhece prevalência num caso concreto, que é o da não obstrução da justiça e do seu livre exercício.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis a desfortuna da condição parlamentar que tivesse integrado uma comissão de inquérito em que se aflorou de sobremaneira o problema das imunidades. E igual acaso nefasto faz com que tivesse tido a oportunidade de ponderar umas quantas vertentes de uma questão sobre a qual muito está por equacionar ainda, sobretudo no plano regimental, no nosso país. Suponho mesmo que é escassa, entre nós, a produção doutrinária ou até teórica à volta do problema, tendo surgido, porém, uma peça, em meados talvez de 1984, produzida pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que constituiu uma primeira pedra de um edifício que bem importaria que todos nós ajudássemos a erguer com maior escorreiteza.

Na verdade, levanta-se, por exemplo, a dúvida sobre se a óptica dos artigos 159.°, 160.° e outros similares tem a ver com o prestígio da instituição parlamentar, e, portanto, prevalecentemente com uma observação publicística, ou se, pelo contrário, releva do entendimento da situação de deputado uti singuli e dos seus efectivos direitos, prerrogativas e deveres.

A interpretação que o Sr. Deputado António Vitorino acaba agora de dar não tem sido pacífica. Suponho, até, que há várias linhas de entendimento oposto.

Creio ser possível defender uma concepção que cruze elementos de ambas as águas e que, prudentemente, sem deixar de ter em vista a importância da defesa do prestígio do Parlamento, não deixe também de considerar o deputado, enquanto tal, quando sujeito a procedimentos de natureza criminal ou afins.

Fala-se, com pertinência, num princípio designado por in dúbio pró deputado, como estando obviamente vertido na regra das imunidades. Deste ponto de vista acompanho o Sr. Deputado António Vitorino. Creio que ressalvadas situações em que estejam já processualmente consumadas umas quantas fases que levem à solidez do movimento judiciário em curso, se não deverá propender para a facilitação da disponibilização do deputado a qualquer foro, sob pena de, por essa via, incorrermos numa degradação progressiva do seu estatuto, que também, do ponto de vista singular, importa ter em conta e robustecer. No entanto, isto também não pode entender-se sem limites.

O que suponho derivar da norma do artigo 160.° não anda longe de uma visão que, salvaguardando a força do estatuto de deputado qua tale e a dimensão individual do mandato, não desmunicia a Assembleia da República como ente colectivo para a todo o tempo poder agir da forma que entender mais escorreita, sem qualquer espécie de prepotência e sem abrir portas à discricionariedade absoluta.

Como eu disse, a questão foi em 1984 ampla e controversamente debatida e o entendimento que hoje faço do relatório do deputado Vilhena de Carvalho é o que acabo de verter.

Uma outra questão paralela tem a ver com a matéria da pena maior, já abordada demoradamente noutras instâncias. Trata-se efectivamente de uma vexata quaestio. E em torno do problema o Sr. Deputado Costa Andrade, que é especialista nesse domínio, pôde já facultar-nos considerações que penso de extrema importância. Assim, talvez a norma proposta pelo PRD seja pelo menos favorecida por uma certa ideia de economia, mas entendo que também não é este o momento para trinchar um problema que terá de ter uma resolução global que depois não deixará de influenciar todas as fórmulas redactivas que viermos a adoptar neste domínio.

Portanto, quanto à questão de fundo a nossa opinião é que terá de se decidir lá atrás e, depois, repercutir nas diferentes normas da Constituição o consenso a que houvermos chegado quanto à definição constitucional do conceito de pena maior.

Quanto à questão processual ou adjectiva entenderia, com muitas reservas e sem que isto envolva mais do que uma mera opinião aproximativa, que só numa fase processual mais avançada e sólida se deveria permitir aquilo que hoje é uma excepção aos n.ºs 2 e 3 do artigo 160.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, V. Exa. suscitou nesta sede a questão da doutrina que tem sido elaborada pela Assembleia da República na interpretação das imunidades parlamentares.

É uma doutrina que tem, apesar de tudo, alguma solidez e configura um determinado caminho e em relação à qual penso que se pode sublinhar dois tipos de questões distintas.