O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

7 DE OUTUBRO DE 1988 1295

que já haja um quadro acusatório estabilizado que permita à Assembleia da República equacionar todas as consequências da decisão de autorizar ou não a suspensão do mandato.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Concordo com uma grande parte da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, mas queria recordar o seguinte: parece-me que no artigo 160.° há duas vertentes perfeitamente distintas, que são a do n.° 1 e a dos n.ºs 2 e 3.

No n.° 1 do artigo 160.° o que se pretende é consagrar legalmente o chamado princípio da irresponsabilidade, isto é, a irresponsabilidade do deputado durante o exercício do seu mandato, e mesmo aí com algumas restrições, porque, se o deputado, no exercício do seu mandato, cometer crimes, como, por exemplo, o de ofensas corporais voluntárias, pode, e deve, ser responsabilizado criminalmente. Este princípio da irresponsabilidade que o n.° 1 contém diz apenas respeito aos votos e opiniões que os deputados emitam no exercício do mandato de deputado da Assembleia da República.

O Sr. António Vitorino (PS): - Acho que é uma leitura perfeitamente redutora do n. ° 1. O exercício das funções não se resume ao hemiciclo da Assembleia da República ou ao edifício da Assembleia. Desculpe contraditá-lo neste ponto, mas parece-me importante.

O Sr. Seiça Neves (ID): - E tanto assim que é no n.° 1 que se fala da responsabilidade civil. Isto é: leva-se a imunidade tão longe que se fala de responsabilidade civil, exactamente por se pretender neste número disciplinar sobretudo a ligação do deputado ao órgão ou instituição a que pertence, isto é, à Assembleia da República.

Os n.ºs 2 e 3 têm uma vertente diferente, que é a do deputado perante a sociedade, perante o quadro social, político, económico e legislativo, que diz respeito não só ao deputado, mas a todo o cidadão português. Estamos, pois, fora do âmbito do n.° 1. Os n.ºs 2 e 3 visam impedir, na minha perspectiva (que, de resto, tem um vasto suporte doutrinal), que outras autoridades se imiscuam na vida, na autonomia e na independência da Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, bem como impedir que de alguma maneira, mesmo no exercício da sua actividade fora da Assembleia da República, o deputado seja cerceado, fora dos rigorosos limites das leis criminais. É bom recordar que com a consagração de imunidades não se visa impedir o julgamento do deputado, mas apenas o seu adiamento. É isso imposto em nome da liberdade individual ou do prestígio do deputado? Não, é exactamente o contrário: é em nome do prestígio institucional, em nome da instituição que ele representa. Se assim não fosse, levar-se-ia a imunidade do deputado muitíssimo mais longe. Mas não: isto representa apenas, e na melhor das hipóteses, o adiamento do respectivo julgamento. Além do mais, a prisão do deputado, a sua eventual detenção ou mesmo o seu julgamento não implicam sequer, directa e necessariamente, a perda do mandato. O deputado pode ser preso ou ser julgado, mas não necessariamente perder o mandato, excepto num caso previsto na Constituição ou, então, por faltas - só nesses casos é que perde o mandato. Isto é: não decorre necessariamente da prisão e do julgamento do deputado a perda do seu mandato.

Finalmente, e em face da actual textura do Código de Processo Penal, é bom recordar o seguinte: a constituição da qualidade de arguido - e foi por aí que comecei - tem hoje, em termos cronológicos referenciados ao velho Código de Processo Penal, um efeito semelhante ao do despacho de pronúncia ou equivalente. No domínio do anterior Código de Processo Penal existia o inquérito preliminar, a utilizar ou não pela autoridade policial, e depois o delegado do Ministério Público, apenas com base na prova (que é dúbia e que muita gente pôs em questão em termos de constitucionalidade) produzida nesse inquérito, podia deduzir acusação e promover imediatamente o regime de liberdade em que o réu ficaria a aguardar julgamento. Havia apenas um inquérito, muitas vezes conduzido apenas por autoridades policiais, como a GNR (com o bom português e a cultura que lhe conhecemos!), e era com base nesse inquérito que os promotores do Ministério Público podiam requerer o julgamento, com índices probatórios mínimos. Com o novo Código de Processo Penal, o poder jurisdicional que cabe ao Ministério Público está claramente alargado: pode fazer sessões conjuntas de prova e tem de ouvir o arguido e fazer uma série de diligências até o constituir na posição de arguido. E é por isso que tudo isso tem a sua solenidade processual. É preciso que se anuncie ao arguido quais os seus direitos e deveres e isso tem de ser imediatamente lavrado, por termo, no processo, porque é esse o momento que, nos termos do novo Código de Processo Penal, corresponde ao antigo despacho de pronúncia ou equivalente.

Daí que me pareça que a revisão constitucional não deve deixar de contemplar tal momento processual à luz do actual Código de Processo Penal, isto é, o momento da constituição de arguido. Por outro lado, embora não conste de nenhum dos projectos, ao arrepio do que venho defendendo, seria bom que a Comissão se preocupasse também com a perda do mandato por questões desonrosas, nomeadamente aquelas que dizem respeito à sua punição em termos penais. Se o deputado pode perder o mandato por questões muito menos honrosas, mais fúteis, então depois de condenado por outro órgão de soberania...

O Sr. Presidente: - Estamos a fazer uma excursão muito longa sobre este artigo, que aliás é relativamente compreensível, a exceder a ideia de algumas das alterações propostas, mas de qualquer das maneiras daria a palavra ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, porque ma pediu.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Algumas notas apenas, não a título conclusivo - pois talvez o debate se não conclua tão facilmente - mas de indiciação de algumas ilações depois de tudo quanto acabámos de ouvir.

Quanto ao n.° 1 é a irresponsabilidade civil, criminal ou disciplinar dos deputados pelos votos e opiniões emitidos no exercício das suas funções que tem suscitado entendimentos polémicos e frequentemente leituras distorcedoras daquele que é, a nosso ver, o escopo fundamental do preceito. Há pouco fazia-se aqui referên-