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1294 II SÉRIE - NÚMERO 42-RC

A primeira questão prende-se com o facto de saber se as imunidades são conferidas a título intuitu personae ou, pelo contrário, em termos de intuitu institutionae. Será que se trata de um direito ou regalia individual dos deputados ou é apenas uma projecção no foro pessoal de cada deputado de uma característica institucional do órgão a que pertence, como seja, neste caso, a Assembleia da República?

Penso, de facto, que a resposta tem sido encontrada por parte da Comissão de Regimento e Mandatos num ponto de equilíbrio, apesar de tudo instável entre estas duas vertentes. Não há imunidades parlamentares conferidas intuitu institutionae que não tenham obviamente repercussão no foro pessoal de cada deputado. Não faria, aliás, sentido reconhecer abstractamente imunidades que não se traduzissem em regalias para os deputados individualmente considerados, no sentido de poderes-deveres. E digo isto porque as imunidades também conferem especiais responsabilidades a quem delas usufrui. Não é, pois, um estatuto de privilégio tout court.

Ora, é evidente que as imunidades pretendem igualmente salvaguardar não apenas a liberdade indivudual do deputado, mas o prestígio da instituição em que se insere. E nesse sentido o prestígio da instituição é também o que lhe é granjeado pela liberdade de acção dos deputados individualmente considerados. Não creio, pois, que haja contradição entre estas duas vertentes.

Entretanto, o que se tem questionado é saber quais são os limites destas imunidades, tendo em linha de conta a sua razão teleológica. Pergunta-se, de facto, se as imunidades recobrem toda e qualquer conduta do deputado, seja ela adoptada e praticada a que título for, e independentemente das consequências jurídicas de outro tipo que essas condutas, adoptadas a coberto das imunidades, possam também co-envolver?

Ou haverá limites ou usufruto destas imunidades?

Na verdade, trata-se de uma matéria que recentemente apaixonou e agitou a vida parlamentar portuguesa, fruto de uma interpretação leviana do significado das imunidades parlamentares e da sua tradição histórica explicável, segundo penso, mais por falta de cultura política, do que propriamente por qualquer má-fé ou má intenção. No entanto, tem-se entendido, em regra geral, que o prestígio da instituição que justifica a concessão das imunidades parlamentares visa dois objectivos distintos.

Por um lado, tenta-se evitar que um deputado em qualquer acto preparatório de natureza criminal prévio à audiência de julgamento em que esteja constituído na posição de réu seja afectado por situações de enxovalho, de contradita ou até de acusações espúrias, antes que esteja completamente formulada contra ele uma acusação consistente. É aquilo que vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos têm reafirmado no sentido de se justificar que haja uma protecção especial para os deputados, porque, por força das funções políticas que exercem, estão particularmente expostos no exercício das suas funções. A questão consiste em saber que actos processuais é que poderiam revestir-se de um tal significado que alcançasse e atingisse o prestígio da instituição quando centrados num certo deputado.

Por outro lado, tem argumentado a Comissão de Regimento e Mandatos que a suspensão do mandato dos deputados deve ter características e natureza excepcionais, tendo em vista garantir uma certa estabilidade na composição individual da Assembleia da República. E embora o sistema eleitoral português seja um sistema proporcional, pois as pessoas votam em listas de partidos e não em deputados individualmente considerados, a verdade é que o voto popular determina uma dada composição da Assembleia da República individualmente individualizada e que actos exteriores à vida parlamentar não devem constituir-se, por regra, em factor de alteração daquela composição individualizada que saiu do sufrágio popular.

Nesse sentido, a segunda vertente desta questão leva-me a dizer que só excepcionalmente deve haver lugar à suspensão do mandato dos deputados, em virtude da necessidade de garantir uma certa estabilidade na composição do Parlamento. É forçoso reconhecer que este segundo argumento tem sentido mediatizado e progressivamente relativizado, sobretudo porque a lei e o Regimento consagram fórmulas particularmente flexíveis de suspensão do mandato por iniciativa dos próprios deputados, defraudando por essa via aquilo que era a pretensa estabilidade da composição individualizada da Assembleia da República em função da qual seriam conferidas as imunidades parlamentares. Porém, refiro apenas isto não no sentido de diminuir as imunidades parlamentares, mas de dizer que o vício do sistema está na fórmula flexível de suspensão do mandato de deputado e não propriamente nas garantias e no âmbito das imunidades.

Por isso, a ideia que tenho em relação ao n.° 3 do artigo 160.° é a de saber onde colocar a fasquia que permita que a Assembleia da República tenha de decidir se o deputado deve ou não ser suspenso para efeitos de seguimento do processo. É naturalmente uma fasquia que tem de levar em linha de conta desde logo a gravidade da conduta imputada ao deputado. E digo isto porque a Assembleia da República pode decidir não suspender o mandato do deputado e, consequentemente, por essa via, obviar ao prosseguimento do processo judicial. E fá-lo porque considera que a categoria juscriminal, imputada ao deputado, não é suficientemente gravosa para justificar a suspensão do seu mandato. Regra geral, e há jurisprudência da Comissão de Regimento e Mandatos no sentido de dizer que, quando o processo em causa pode seguir os seus trâmites normais, após o visado cessar o seu mandato de deputado, sem prejuízo dos objectivos de realização material da justiça, a Assembleia não deve suspender o mandato do deputado e deve permitir que ele continue a participar nos trabalhos parlamentares, porque daí não resulta afectado o valor da justiça material, e dá-se prevalência à natureza da continuidade e da estabilidade do exercício do mandato do deputado. Desde logo esta doutrina pressupõe um juízo valorativo do conjunto dos membros da Assembleia acerca da gravidade juscriminal da conduta imputada ao deputado. Esse juízo deve ser colocado apenas naquela fase do processo em que a Assembleia da República possa julgar com suficiente solidez acerca de um quadro acusatório. Parece-me isto relativamente evidente, não apenas na base de suspeições de imputações susceptíveis de serem, inclusivamente, como disse o Sr. Deputado Costa Andrade, arquivadas antes mesmo da formação da acusação, mas apenas numa fase em