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1300 II SÉRIE - NÚMERO 42-RC

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava a ouvir o Sr. Deputado Costa Andrade e a lembrar-me de saborosíssimas páginas de Eça de Queirós a propósito da "Câmara bem barbeada", e a partir daí a concluir que, efectivamente, por este tipo de lógica e de argumentação nada, mas absolutamente nada, é passível de dignidade constitucional. Posso, como poderá qualquer pessoa com o mínimo de verbo e de disponibilização para produção de um discurso lógico e coerente, apocaliptizar o quadro de todas as normas e derrubar toda e qualquer boa ideia normativa com um canhão de caricaturas. Isso seria, evidentemente, possível a propósito de cada uma das intervenções do PSD. Só que não quero ir por aí, porque entendo que não é sério, no sentido evidentemente intelectual e de consideração dos problemas que estão em causa.

O que nós aqui pretendemos é fácil de ver. Queremos acrescentar às três alíneas do artigo 162.° que enumeram uns quantos de entre os deveres dos deputados uma outra que aponte não num sentido da sua vinculação imediata e directa às tarefas de todos os dias na Assembleia da República, mas para ligação com o universo dos eleitores, com os cidadãos que são, ao cabo e ao resto, a ultima rã tio da sua presença nesta Casa.

Isto é o que pretendemos. Se conseguimos dar, de um ponto de vista da redacção técnico-normativa, a melhor solução ou não, é outra questão. Independentemente das melhorias que se possam introduzir, não há aqui nenhuma tentativa de perversão, nem de sonegação da natureza livre do mandato do deputado. Entendemos que o mandato do deputado é tanto mais livre quanto mais directa e pertinencialmente se ligar aos interesses populares e ao mundo dos problemas comuns. Não há aqui nenhuma tentativa de constrição do que quer que seja, bem pelo contrário, e muito menos de menosprezo pelo mecanismo das petições e outros. É que o mecanismo das petições, e tudo o que lhe respeita, está na Constituição no lugar sistemático próprio, com a natureza, com a dignidade e com as decorrências que lhe são próprias. Aqui, considerando o deputado enquanto tal, apenas pretendemos consagrar o dever de informação aos cidadãos eleitores. Devemos aperfeiçoar, naturalmente, a redacção e para além deste dever de informação encontrar um canal de saída e de responsabilização por via constitucional para um problema que a todos nos afecta quotidianamente.

Há as petições, de um ponto de vista técnico como tal consideradas, que chegam à Assembleia da República e vão parar às Comissões. Há as reclamações, as queixas, as cartas dirigidas ao Sr. Presidente da Assembleia da República e tudo isso tem saída; já hoje está, naturalmente, contido nas normas constitucionais e regimentais. Mas há uma outra coisa que são as cartas individualmente dirigidas ao deputado pelo eleitor do seu círculo, pelo cidadão lá da terra, ou não, em função do qual chegou à Assembleia da República e que nós, PCP, entendemos não deve despiciendizar. Essas cartas, essas reclamações, devem merecer de todo o deputado, na nossa óptica, um extremo interesse. E a partir desta realidade pensámos em qualquer coisa que pudesse, na Constituição, sinalizar um acréscimo nos deveres do deputado no exercício das suas funções.

É verdade ou não que todos nós temos recebido representações, aqui na Assembleia da República, a nós dirigidas enquanto deputados? Dir-me-ão que já hoje

há muitas vias para dar seguimento a essas representações. Assume-as o grupo parlamentar, enquanto tal, e faz uma intervenção, um projecto de lei. Assume-as o grupo parlamentar ou o deputado se quiser e faz um requerimento ao Governo. Mas o que aqui se consagra é, de certa forma, um dever de realização, de aumento da eficácia e também da ligação aos interesses populares mais gerais.

Eis o que pretendemos, sem nenhuma espécie de mistificação. Repito: a norma que ensejamos é passível de benfeitorias de toda a ordem, incluindo as benfeitorias técnicas. O que desejaríamos é que, para além das intervenções produzidas e das intenções demonstradas, fosse possível considerarmos redacções alternativas. De alguma forma deixo este desafio.

O Sr. Presidente: - Devo dizer que a actual redacção do artigo 162.° absolve os proponentes do facto de a proposta poder não ter dignidade constitucional, porque este artigo diz "que os deputados têm como dever comparecer às reuniões". Isto é uma coisa verdadeiramente espantosa. "Desempenhar os cargos, participar nas votações", quer dizer, o próprio artigo consagra deveres tão elementares que outro igualmente elementar tem perfeita legitimidade no quadro deste artigo. Só que o que talvez se pudesse questionar é se, dizendo a Constituição que constituem deveres dos deputados estes três, pode haver mais algum. Claro que pode, mas em boa técnica jurídica parece que serão estes e mais nenhuns. Talvez devêssemos pôr aqui uma alínea dizendo "e os demais inerentes ao normal e zeloso exercício do seu cargo". Se quisermos pôr "nomeadamente" também não faz sentido, porque quanto às petições temos lá adiante um artigo. Este artigo é todo ele bem pouco significativo. Na passada, por vezes, deixamos ficar o que está, mas "participar nas votações", "comparecer às reuniões", carece de sentido. Como é? Um deputado poderia não comparecer? Não deputar? Não votar? Só estes três ínfimos deveres, e que são obviamente decorrentes da definição ou da natureza do cargo, não é grande a dignidade constitucional do preceito!

Os mais versados em matéria regimental podiam ir pensando numa redacção que desse um pouco mais de dignidade a todo o artigo.

O Sr. António Vitorino (PS): - O problema é o das sanções. Tem de se ver qual é o fundamento constitucional para poder estabelecer sanções. Se estes deveres não tiverem assento constitucional, por exemplo, o dever de comparecer nas reuniões do Plenário, poderá a lei ordinária estabelecer sanções de perda do mandato no caso de não comparência às reuniões?

O Sr. Presidente: - Costumo estar de acordo consigo mas, se assim é, são estes os únicos sancionáveis?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É capaz de não haver muito mais, Sr. Presidente. Ia dizer exactamente o que o Sr. Deputado António Vitorino disse...

O Sr. Presidente: - Então por que é que não fazemos uma norma remissiva para a lei e assim cobrimos a constitucionalização dos deveres? É que isto é esquisito, são estes os únicos sancionáveis? Para além deles um deputado pode fazer o que quiser?