O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

7 DE NOVEMBRO DE 1988 1791

O Sr. António Vitorino (PS): - Pela minha parte, gostaria só de dizer o seguinte: parece-me que a questão levantada é uma questão importante, porque integra, no fundo, uma vertente do que já o artigo 3.° da Constituição prevê em sede de princípios fundamentais, e que não encontra correspondência em nenhum instrumento de efectivação jurídico-constitucional. Portanto, revela que há pelo menos uma vertente do artigo 3.° que se traduz num voto pio, na medida em que não tem tradução prática.

Penso que uma solução que contemplasse aqueles casos, e só aqueles, para os quais a própria Constituição comina uma sanção podia ser uma primeira aproximação ao problema. Isto é, prever a possibilidade de o Tribunal Constitucional aplicar uma sanção para aqueles actos políticos que a Constituição prevê taxativamente e para cuja irregularidade, ela própria, comina uma sanção, como é o caso, por exemplo, dos actos políticos que não sejam publicados, ou o caso do decreto de dissolução da Assembleia da República que não respeite os ditames constitucionais. Aí a Constituição identifica claramente o acto político e explica qual é a sanção susceptível de ser aplicada. Portanto, para completar o sistema só falta prever quem declare ou aplique a sanção e a Constituição, assim, não deixaria nada em aberto ao legislador ordinário. Pelo que admitiria, por muito tímida que fosse esta solução, mas trata-se de uma posição que assumo a título estritamente pessoal, sublinho, posição que não vincula em nada o PS.

Já agora, acrescentava também o seguinte: é óbvio que a temática é interessante e que há experiências noutros países que poderiam ser invocadas a este propósito. Na República Federal da Alemanha (RFA), o Tribunal Constitucional Federal Alemão já se tem preocupado sobre uma temática, a que talvez os Srs. Deputados chamem obsessiva, que é a dos fundamentos políticos da moção de censura construtiva, é a de saber se, de facto, na fundamentação política de uma moção de censura estão presentes as razões que a Constituição Federal prevê sejam fundamento de votação de censura ao Governo.

Dou dois exemplos: a Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 197.°, diz que o Governo pode ser censurado, por razões que tenham a ver com a execução do seu programa ou com um assunto relevante de interesse nacional. Há um partido que toma conhecimento de que o Primeiro-Ministro, sem ouvir o Conselho de Ministros, indigitou a esposa para o lugar de comissário português na CEE. Bom, esse partido pode considerar que uma tal prática é tão intolerável para o Estado de direito democrático, que justifica a formulação da censura ao Governo. E apresentar uma moção de censura dizendo que o Primeiro-Ministro é inidóneo, porque favorece familiares ao mais alto nível e ao nível mais escandaloso. Esta é matéria que não tem nada a ver com a execução do Programa do Governo, é matéria que nem sequer se pode considerar assunto relevante de interesse nacional, contudo a moção de censura foi apresentada no Parlamento e não existe nenhum instrumento de fiscalização do seu fundamento.

Tomemos o seguinte outro caso: suponhamos que o sistema político português consagrava o mecanismo das moções de reprovação a membros do Governo individualizados, distintas das moções de censura ao Governo

no seu conjunto. É um sistema que existe, por exemplo, na RFA e que, embora não tenha assento constitucional, existe também em Espanha. Aparentemente, não é possível censurar o Governo politicamente no seu conjunto, quando o objectivo da entidade censurante, do partido censurante é apenas a reprovação da conduta concreta de um determinado membro do Governo. Se eventualmente houvesse uma moção de censura dirigida contra o Governo no seu conjunto, por exemplo na RFA, apenas centrada na conduta em concreto do Ministro da Saúde, é possível que o Tribunal Federal Alemão não deixasse de prescrutar os fundamentos últimos da moção de censura apresentada e que concluísse que nesse caso o instrumento de fiscalização política "moção de censura" era inidóneo, porque o instrumento político que devia ter sido utilizado era o da moção de reprovação individual de um membro do Governo. Isto só para dar a ideia de que estamos perante um "campo" imenso, que pode levar o Tribunal Constitucional (TC) a acentuar não aquela vertente jurídico-política coberta por um manto diáfano, mas a vertente "político-política", que é a de sondar os fundamentos exclusivamente políticos de um acto político. Desta situação não se sai facilmente, a não ser através de muita prudência, muita cautela e de uma eventual fórmula, digamos assim, experimental, que é a de restringir este tipo de fiscalização àqueles casos onde a própria Constituição qualifica um acto como acto político e prevê, ela própria, a sanção aplicável. Aí o Tribunal teria uma mera função declarativa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode também incluir as hipóteses do artigo 275.° - "Dissolução indébita da AR"...

O Sr. António Vitorino (PS): - E aí a Constituição prevê claramente qual é a sanção (...)

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aí há uma tipificação, uma especificação da sanção, o problema é saber quem a aplica...

O Sr. António Vitorino (PS): - Afactis specie está definida na Constituição, o ilícito é claro, e a sanção está cominada. Só falta uma instância declaratória.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... os projectos do PCP e do CDS tocam num ponto muito sensível. Pessoalmente não tenho ideias concretas sobre esta matéria - e não creio que haja, em geral, ideias amadurecidas. Tenho, portanto, algum receio de caminhar no desconhecido. Em todo o caso, queria exprimir duas ou três ideias.

Em primeiro lugar, é evidente que há duas situações de natureza diferente. Uma situação - e não estou a falar sob o ponto de vista jurídico, mas das consequências práticas - é aquela em que há intenção de fazer o golpe de Estado, digamos, através do acto político. Aí dificilmente o Tribunal Constitucional representará resistência que valha. Há hipóteses em que não há nenhuma intenção e em que há apenas imprevidência, diferença de interpretação. No fundo a fiscalização acabaria por ser mais útil nas segundas hipóteses; nas primeiras não porque não devesse sê-lo, mas provavelmente o Tribunal não decidiria.