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26 DE OUTUBRO DE 1988 1633

O Sr. João Amaral (PCP): - Registo, apesar de tudo, que aqui foi considerado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação que a solução ideal seria a que está aqui proposta e que ela só não será acolhida por razões, no fundamental, de eficácia, ou seja, quase que se pode dizer, de velocidade.

Se esta é a solução ideal, se tendencialmente será, então o que haveria que procurar era resolver os outros problemas, para que nos aproximássemos da boa solução. Estaremos de acordo que esta é a melhor solução, desde logo porque o que caracteriza o poder governamental de tutela é o facto de ser um poder instrumental investigatório, de recolher informação, de poder saber, por via directa, através de modos tipificados, como é que funciona a autarquia, nomeadamente no que respeita -é isso que interessa- à conformidade dos actos dos seus órgãos com as leis que estão em vigor.

Uma questão totalmente diferente é, depois, a da aplicação de sanções, porque se trata de verdadeiras sanções. Nunca até este momento, tirando o Sr. Deputado Narana Coissoró, ouvi dizer na aplicação de sanções que fosse excluída a intervenção judicial. Nomeadamente, na proposta de lei que aqui se referiu era feito o controle judicial, que implicava, desde logo, o poder do tribunal de anular a medida. Aqui, e curiosamente, os Srs. Deputados que criticam a proposta do PCP já não querem colocar problemas de eficácia. Isto é, o Governo pode ter manipulado o exercício da tutela, eventualmente (não estou a falar de nenhum governo, estou a trabalhar em termos abstractos), pode ter sucedido o que sucedeu, mas a sanção foi aplicada. O sistema de recurso, esse pode ser moroso, aí já não há problemas! Srs. Deputados, estamos a falar de órgãos eleitos directamente, com autonomia definida constitucionalmente, de um poder próprio, e estamos a falar não propriamente de um sistema associativo qualquer de terceira ordem! Estamos a falar de um órgão de estrutura autónoma e não a falar de um órgão da Direcção-Geral da Administração Autárquica, estamos a falar de órgãos de poder autárquico, de órgãos de poder local, com tudo o que isso representa dentro da estrutura do Estado. E estamos a falar das relações entre um órgão de soberania - o Governo - e esses órgãos que têm legitimidade directa pela eleição e têm assento constitucional e autonomia.

Sendo certo que, nesta relação, a intervenção do órgão de soberania tribunais na aplicação das sanções seria, já aqui foi considerado, essencial, procuremos as soluções adequadas para conseguir que ela se faça respeitando outros valores, os valores da eficácia, da protecção dos interesses gerais que estão incorporados nas leis. Procuremos essas soluções, mas aceitemos aquilo que é fundamental e que me parece que corresponde a uma situação concreta, reclamada e bem sentida no universo político e político-jurídico em Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Se o conceito de tutela (e já chegámos à conclusão de que ele engloba a apreciação da legalidade ou ilegalidade) também engloba a aplicação de sanções, a tutela não pode apenas ficar no plano da investigação e o responsável dizer: "Há aqui ilegalidade, mas agora já não posso fazer nada. Vou remeter isto aos tribunais!" Isto porque, segundo o próprio conceito de tutela, o responsável por ela, quando chega à conclusão de que há uma ilegalidade, tem de extrair efeitos dessa ilegalidade, o que é, no fundo, sancionar, aplicar a sanção à ilegalidade. Não vejo, pois, que haja usurpação do poder judicial quando se tiram os efeitos dessa ilegalidade apreciada pela tutela, restando sempre o recurso ao poder jurisdicional, como acto administrativo que é, da aplicação de sanções.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, em relação a esta área penso que há dois conceitos, ou melhor, duas zonas em que se desenvolve este preceito, como, aliás, há pouco salientou, e bem, o Sr. Deputado José Magalhães. Uma questão é a dissolução e outra é a cessação individual do mandato dos titulares, e poderíamos descortinar ainda uma outra, que será, e não está aqui prevista, a sanção política que também devia ser apreciada e teorizada em relação a este ponto. A sanção política, por exemplo a inegibilidade, decorrente dessa cessação individual devido à dissolução. São questões que são conexas e que é conveniente considerar. É inegável que o poder de tutela pertence ao Governo, a tal ponto o é que todos os constitucionalistas que se têm ocupado desta matéria o referem. A questão fundamental é saber, em relação à questão que agora é inovada da cessação individual do mandato, como é que ela, em termos finais, deve ser exercida. Deve ser remetida para o poder judicial ou deve também ser exercida pelo Governo? E esta a questão, inovatória, que o PCP coloca neste momento.

Quando, há pouco, estava a fazer aquele aparte à intervenção do Sr. Deputado João Amaral, estava a referir o seguinte: o interesse da eficácia, o interesse da rapidez da dissolução, o interesse em fazer cessar uma situação de ilegalidade documentada (ao fim e ao cabo do que se trata é disso) trata-se de finda a fase de investigação se chegar à conclusão que há ilegalidades graves, de que aquela administração sofre de ilegalidades graves. Nesse caso o interesse público ou as duas faces do interesse público são concretamente estas: saber se, ou saber em que medida, em que limites, é que devemos consagrar a autonomia ou que devemos fazer cessar uma administração que está recheada de ilegalidades e a ofender o mesmo interesse público, a ofender indirectamente a relevância dos princípios da autonomia e da dignidade do exercício das funções autárquicas.

Portanto, a questão que se põe é saber se nós em determinada altura estamos a proteger melhor o interesse público dando maiores condições de demora na resolução desta questão, deixando permanecer administrações que estão, manifestamente, em situação de ilegalidade, ou se transigimos com situações destas, alargamos os prazos, as fórmulas de apreciação da decisão e estamos, implicitamente, a reconhecer que estas situações vão continuando ao longo do tempo.

É um conflito de interesses dentro dos interesses públicos que estamos aqui a tentar dirimir. É um facto que disse que, do ponto de vista da solução ideal, provavelmente, a melhor seria a função jurisdicional (e mantenho-a), designadamente em relação à segunda parte do preceito, só que esta questão deverá ser subordinada às considerações que venho produzindo sobre a matéria.