O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

26 DE OUTUBRO DE 1988 1635

O Sr. Presidente: - Os juízos em causa própria são sempre, como é óbvio, desvalorizados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, essa afirmação é irreversível. V. Exa., por exemplo, põe-se no papel de juiz em causa própria, quando se coloca na postura de governo que quer poderes e deseja bulir em autarcas! Nesta matéria + 1 - 1 = 0, isto é, o critério da "exclusão do juízo em causa própria" levaria a uma suspeição geral de que não ficariam isentos os defensores da governamentalização...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, coloco-me na postura do legislador. É aquela em que estou e que não tem nada de governo. Também é da Assembleia da República, do País e de toda a gente.

E essa a minha posição. Não admito que possa supor que é outra. Mas não tenha dúvida do seguinte: invocar o ponto de vista de um juízo em causa própria é invocar um juízo desvalorizado. Sempre foi assim, sempre assim será.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, e enquanto houver governos sobre a Terra é legítimo formular a suspeição de que o que pretendem é acrescer poderes, mesmo que isso coloque em risco a garantia dos poderes de outros órgãos, quer a Constituição quer autónomos em relação ao Governo! Não queria colocar o debate neste terreno...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos numa democracia controlada, em que o Governo já não é - nem tem, necessariamente, que ser - aquele papão de quem devamos, em todas as circunstâncias e em todos os momentos, suspeitar por sistema. Ele tem também que prestar contas, tem controles legais e não legais, políticos, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essas palavras são felizes, Sr. Presidente. Entendo que V. Exa. deve, por uma questão de coerência, generalizar esse juízo de não suspeição a todos. É tanto juiz em causa própria o Governo, que pretende exercer as suas prerrogativas constitucionais, como a autarquia, que pretende não ver invadida a sua esfera de autonomia e não ver ultrapassados os seus poderes. Portanto, não façamos nenhuma suspeição. É esse o meu raciocínio! E confiemos a questão a tribunais cujo juiz seja, também, insuspeito!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Governo é juiz, mas não em causa própria. O juiz julga, mas não julga a família, não se julga a si próprio. O juiz não julga nenhuma causa que seja dele. Está a julgar uma causa que é de outrem. Quando emite a opinião de que os presidentes das câmaras ou os autarcas em geral pretendem ficar sujeitos a uma tutela judicial, refere um juízo em causa própria. Não o é quando o Governo exerce um juízo tutelar. Não são duas situações paralelas. Estamos a viver em democracia, o Governo é controlado, sujeita-se à lei. Não temos razões para, em todos os casos, dele sistematicamente suspeitar. As soluções são melhores quando são entregues aos tribunais? São mas têm o defeito de ser morosas e até podem demorar mais do que o próprio mandato. Quando intervêm, a eficácia da intervenção é nula.

Por outro lado, a tutela de que se trata é a administrativa, o que não é por acaso. Em outras democracias também ainda ninguém abandonou a tutela administrativa das autarquias locais. É que não é fácil substituí-la pela tutela judicial. Se o fosse, eu também o acompanharia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação a essa matéria as contraposições radicais redundam em simplificação! Neste debate ninguém fez uma análise prescritiva da tutela administrativa. O tema que estamos a discutir é o da medida extrema, que é a dissolução. É dessa que estamos a falar. Ora, essa medida só pode aplicar-se aos casos de acções ou omissões ilegais graves. Discute-se se nessas circunstâncias o controle jurisdicional, que é constitucionalmente obrigatório, deve ser ex ante ou ex post. É isso que estamos a discutir! Se é ex post, é moroso, contra as autarquias. Se é ex ante, é moroso - e não sei porquê, já que podemos inventar um sistema processual que seja adequado -, mas moroso contra a aplicação de medidas dissolutivas. No primeiro caso, porém, as autarquias são fortemente lesadas...

O Sr. Presidente: - Nunca o consegui, Sr. Deputado. Já tentei consagrar na lei os prazos de oito e quinze dias para o julgamento das questões de comunicação social. Fizemos uma lei o mais expeditiva possível, mas não deu absolutamente nada. Continuou a demorar dois, três anos à espera da primeira amnistia. Quando vem a decisão já não tem eficácia nenhuma. Já ninguém a relaciona com o delito!

Por outro lado, não há, infelizmente, uma grande gama de formas de tutela administrativa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aí é que está o equívoco básico, Sr. Presidente. É que V. Exa. estabelece uma visão redutora do que seja a tutela e, no limite, até identifica a tutela com a dissolução. Devo dizer que é uma visão extremamente redutora, para não dizer mais, do conceito constitucional de tutela.

O Sr. Presidente: - Invoco a prática, Sr. Deputado. Na prática, o que acontece é isso. E até é bom que assim seja porque não concebo uma tutela que intervenha a propósito de coisas miúdas, que esteja permanentemente a massacrar o autarca a propósito de tudo ou de nada. Não é essa a minha concepção de tutela! Para mim a intervenção da tutela é a bomba atómica! Só quando se tratar de um caso extremamente grave é que a tutela administrativa deve operar. Na prática, o Sr. Deputado sabe que é assim! Salvos os casos de dissolução, na prática não tem havido mais nada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, temos leituras totalmente diferentes do que tem sido a prática nessa matéria. Como a prática nessa matéria é uma questão de facto, que pela sua própria natureza só pode suscitar uma discussão limitada, devo dizer que, a nosso ver, o que tem acontecido é precisamente o contrário! Se no panorama da vida autárquica portuguesa tem havido factos infrequentes, a dissolução é um deles.

O Sr. Presidente: - Quais são os outros, Sr. Deputado?