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1976 II SÉRIE - NÚMERO 63-RC

seada na propaganda ou na campanha eleitoral de 19 de Julho. Mas não quero, nem posso, admitir que o fundamento do projecto de revisão constitucional do PSD se baseie no manifesto eleitoral de 19 de Julho, por não ser verdade, mas, sim, mistificação.

O Sr. Presidente: - Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Pretendia colocar algumas questões à Sra. Deputada Assunção Esteves e confessar, à partida, o meu embaraço. Na verdade, não sei se me hei-de dirigiria Sra. Deputada Assunção Esteves na sua qualidade de jurista porque da sua intervenção resultou, a meu ver, um verdadeiro estilhaçar dos próprios princípios essenciais do Estado de direito; provavelmente, dever-me-ia dirigir à Sra. Deputada Assunção Esteves na sua qualidade de discípula de Kant, mas então entraríamos para uma outra área de discussão, seguramente, extremamente agradável no domínio filosófico mas pouco consequente no plano de acção política - e c essa que nos move. Assim, acabarei, inevitavelmente, por procurar dirigir-lhe as minhas questões na sua qualidade de deputada do PSD, o que, suponho, para além de a responsabilizar a si própria, não excluirá que, das suas afirmações, se responsabilize igualmente o partido que aqui representa.

Verifiquei que a Sra. Deputada Assunção Esteves, em matéria de Constituição, tem uma concepção - de resto, já não pela primeira vez enunciada - de que a normatividade material vale claramente acima de qualquer plano de legalidade normativa. E partindo deste pressuposto, aplica-o no momento de revisão constitucional, nos exactos termos em que o poderia aplicar no momento originário de celebração de uma Constituição. Ou seja, o que interessa é a adesão ética ou axiológica a uma certa ideia de Direito, e tudo se actualiza nesse momento existencial: a ideia de Direito prevalecente num certo momento é aquela que deve ser plasmada na Constituição. Só que esta concepção implica desbaratar completamente tudo aquilo que sejam requisitos formais de revisão constitucional e dar como não tendo nenhum alcance tudo aquilo que sejam limites materiais de revisão constitucional - são requisitos e limites que não existem na concepção que aqui nos foi referida pela Sra. Deputada Assunção Esteves. Porquê? Porque, afinal de contas, do ponto de vista da Sra. Deputada, a questão já nem sequer é política, mas, sim, do domínio da ética, do domínio da adesão a valores.

A questão curiosa consiste em procurar depois perceber como é que a Sra. Deputada Assunção Esteves plasma essa tradução ética, concretiza esses valores. Deu-nos a explicação: através, afinal de contas, desse milagre que foi o 19 de Julho, onde se plasmou uma determinada vontade política, que actualizou em termos expressivos uma certa vontade popular, dela resultando a revogação, pura e simples, de tudo aquilo que estiver em contrário à sua manifestação existencial. E, como disse há pouco - e, a meu ver, bem - o Sr. Deputado Alberto Martins, passou, rapidamente, da concepção kantiana para a conceição de Lassalle, ou seja, a da Constituição não já na lógica do imperativo ético mas na lógica da correlação de forças. Afinal de contas, mesmo que a Sra. Deputada Assunção Esteves custe reconhecê-lo, a ética traduz-se numa simples lógica de correlação de forças que, em termos políticos, significa saber quem tem a maioria para impor a tal normatividade à qual tão brilhantemente se referiu. Só que este princípio leva a que dele se tenha de retirar todas as consequências.

E uma das consequências possíveis é aquela que, de de seguida, lhe passo a referir: imagine que, em 19 de Julho, a "actualização da vontade popular" - a expressão é sua - se tinha verificado no sentido trans-personalista das concepções sociais e, portanto, também das concepções políticas. Neste momento, teria, por hipótese, uma determinada maioria, sem atenção aos requisitos formais e aos limites materiais, a produzir exactamente o seu discurso sobre a ética e a construir uma revisão constitucional que violasse por inteiro os princípios com os quais a Sra. Deputada concorda, mas que poderiam ser totalmente outros. Imagine que esta hipótese se verificava e que a Sra. Deputada era juiz do Tribunal Constitucional. Se visse vertida toda uma concepção transpersonalista, em nome de imperativos éticos (porventura outros que não os seus, mas tinia lógica idêntica àquela que aqui referiu), em nome de que valores jurídicos é que a Sra. Deputada poderia vir a decretar, em fiscalização sucessiva, a inconstitucionalidade desse texto de revisão constitucional?

Digo-lhe francamente: ou me responde sem margem para dúvidas a esta pergunta, ou toda a sua construção, por mais brilhante que seja, constitui o maior contributo para qualquer concepção totalitária que, em matéria de entendimento de Constituição, possa emergir neste ou noutro momento qualquer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-me razoável dar uma resposta global às questões que me foram formuladas, deixando espaço para a reivindicação de respostas mais concretas às pessoas que não se sentirem "respondidas".

De facto, a grande inquietação comum a todas as perguntas prende-se com o ponto fundamental da minha intervenção de há pouco e a minha intenção é esclarecê-lo de imediato. Farei referência pontual a certas observações que me foram feitas por alguns deputados, para efeito de ilustração desta tese fundamental que tentarei, novamente, esclarecer.

Na minha intervenção, de modo nenhum pretendi defender, como o entenderam, por exemplo, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Alberto Martins, Jorge Lacão e José Magalhães, a superioridade da chamada vontade democrática pontual. Pelo contrário, o que pretendi estabelecer na minha exposição foi uma distinção clara entre o domínio das alterações justificadas e o domínio das alterações não justificadas. Tentei demonstrar que existe de facto um acto voluntário, cifrado em eleições democráticas, com poderes de alteração, mas que a própria vontade manifesta nesse acto se subordina a determinados princípios, ou seja, que há limites que podem ser ultrapassados e limites aos quais se ordena o próprio "limitador" - foi exactamente nesse sentido que tentei fazer a minha exposição.