O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 DE DEZEMBRO DE 1988 1977

E o Sr. Deputado Jorge Lacão conceder-me-á que, se existe momento de alguma liberdade de actuação, esse momento é o da elaboração da revisão do texto constitucional, na medida em que é a partir daqui que surge toda uma cadeia de vinculações; e temos de ter alguma liberdade. "Obviamente" - diz-me o Sr. Deputado - "deslocou a sua questão para problemas éticos". Mas eu não a desloquei, apenas disse que este acto de criação jurídica tem de estar imbuído de preocupações éticas, tem de ter um critério segundo o qual se determine aquilo que é e aquilo que não é alterável. E, Sr. Deputado, eu dei esse critério: é o da matriz liberdade/igualdade. Obviamente, essa matriz não se queda por meras considerações abstraccionistas e tem uma correlação institucional. Quando o PSD, no artigo 290.°, fala em todo um conjunto de limites, refere-se à divisão e equilíbrio de poderes, ao respeito pelos direitos fundamentais, etc.., aponta para as condições institucionais de realização dessa matriz imutável, que é a liberdade/igualdade. Estamos ambos sujeitos a essa matriz, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Permita-me que lhe ponha uma questão, que é a tradução concreta daquela que há pouco coloquei. Faça todo o seu discurso com essa coerência, mas, em vez de dizer que, para si, a matriz imutável é a liberdade/igualdade, admita que alguém a substitui pelo binómio homem/nação, por exemplo, e continue a fazer o seu discurso.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Continuo a fazer o meu discurso, mas direi desde já ao Sr. Deputado que, a retirar-se a matriz liberdade/igualdade, inibir-se-ia a própria possibilidade de alternância democrática e de participação política de todos... Repito: aquela matriz aproveita a ambos, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Quem o diz, Sra. Deputada? Quem o garante?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Consequentemente, não é possível retirá-la. É essa a matriz que mantemos, é essa a matriz identificadora do texto constitucional que temos (pois que é um texto democrático) e é essa a matriz pela qual vamos fazer uma leitura -e essa leitura não pode ser meramente constatativa, mas também crítica- que não admita, da parte do poder constituinte originário, uma intenção "voraz" que nos imponha não só a democracia mas também o modo como havemos de vivê-la. É essa distinção que, em meu entender, é fundamental estabelecer, razão pela qual disse ao Sr. Deputado que não era demais fazer considerações éticas no momento fundamental em que o jurídico há-de plasmar, como é óbvio, um discurso ético que, esse sim, se cifrará exactamente no binómio liberdade/igualdade.

Por outro lado, foram-me colocadas outras questões mais concretas, às quais eu não deixaria de responder. Por exemplo, o Sr. Deputado José Magalhães "atirou-me" com uma conclusão de uma obra do Prof. Gomes Canotilho sobre o problema da dupla revisão da Constituição; e eu "atiro" ao Sr. Deputado não com a conclusão do livro mas com o livro todo. De facto, o Sr. Deputado verificará que, antes de chegar à conclusão, o Prof. Gomes Canotilho, apesar de assumir claramente uma posição, revela, da primeira até à última página - e tenho claro o teor de todo o livro -, profundas preocupações "existenciais", sendo certas passagens um vaivém de palpites, em que o próprio autor tem dificuldades em chegar a essa conclusão. Podemos, até, verificar pontos do livro em que eu posso confirmar aquilo que acabo de referir.

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, o Prof. Gomes Canotilho seguramente ficará deliciado com o resumo que V. Exa. acaba de fazer da obra em questão...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A obra é óptima... exactamente por isso!

Risos.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, gostaria apenas que a Sra. Deputada pudesse pontuar a afirmação peremptória que fez. Justificar-se-ia que se "descolasse" em relação ao Prof. Gomes Canotilho nessa matéria, porque as posições de ambos são antitéticas. De facto, V. Exa. tem uma posição puramente decisionística, dissolve por completo a própria ideia da Constituição e, que eu saiba, que tenha percebido, que tenhamos todos entendido, o pressuposto básico subjacente às posições do autor que citou é precisamente o oposto!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A conclusão do autor é essa, mas o caminho que percorre é cheio de indecisões e inquietações, o que revela, Sr. Deputado, que o problema não é unívoco - contém ingredientes que estão muito para além do jurídico, ingredientes políticos, ingredientes éticos - e a sua solução é altamente difícil de encontrar. Consequentemente, não é com a simplicidade, que me relatou que o Prof. Gomes Canotilho chega a essa conclusão - era apenas isto que pretendia dizer.

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, V. Exa. não teve a gentileza de nos transcrever o pensamento do grande Kant; trouxe-nos uma mera citação e eu não a critiquei pelo facto de nos trazer Kant em condensado, em pílula; limitei-me a dar-lhe o benefício de ter lido Kant, ou, pelo menos, a sinopse, e a nós o benefício de percebermos minimamente o que V. Exa. disse.

Admito também que, em relação ao que o Prof. Gomes Canotilho escreveu, ocorra o mesmo - todos estamos cientes do que foi dito e do que está escrito. Aliás, teremos ocasião de continuar a discutir este ponto. Apenas me preocupou que fosse perigosamente simplificado aquilo que é, realmente, complexo. Nesse sentido, estou de acordo com a Sra. Deputada: não se deve simplificar aquilo que é complexo. Desejaria tão-só que praticasse essa bela máxima. Também não se deve pôr na boca das pessoas precisamente o contrário daquilo que elas dizem. É uma questão de ética elementar!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Também não disse o contrário.