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1972 II SÉRIE - NÚMERO 63-RC

relativamente à rigidez e à força veiculada nos limites impostos pelo artigo 290.° Dizia: "nesta revisão os limites devem ser respeitados, mas fixam-se outros limites para depois ...". A questão que ponho é: como se respeitam? O Sr. Deputado Almeida Santos explica como é que o PS respeita esses limites (aqui corro o risco de me colar à argumentação do PCP, mas direi, à frente, como é que me demarco dela). Questão prévia é a de saber se o artigo 290.° impõe à próxima revisão estes limites ou se os impõe a todas as revisões subsequentes ao texto original da Constituição. Aí o Sr. Deputado Almeida Santos não avançou nada. Mas, relativamente ao modo como o PS defendeu o esquema da dupla revisão diferida, referiu ainda que havia o respeito, presente na actual revisão, dos limites impostos no texto que temos. Dizia: "a expropriação e a nacionalização deixam de ser imperativas e passam a ser facultativas, mas ficam lá". Acho que há aqui uma alteração de qualidade, que há aqui uma verdadeira revisão. Dizia também que "a planificação económica agora já não está em toda a parte". Eu digo: se a planificação económica, do ponto de vista do PS, não está em toda a parte, então está só em qualquer parte? Está em nenhures? Há aqui uma verdadeira alteração. Dizia o Sr. Deputado Almeida Santos que "as alterações não se podem verificar por imperativo do artigo 290.°". Mas a alinea y) desaparece? Isto é, cria aqui um precedente, até do ponto de vista moral, para a alteração de todas as alíneas possíveis do artigo 290.° Dizia eu "aqui corro, de facto, o risco de me colar à argumentação do PCP". Exactamente quero prevenir que não. Se eu, neste momento, faço uma alusão à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, é para dizer que, da parte do PSD, não há esses medos. Isto é, não temos medo de dizer que no artigo 290.° há alguma coisa que deve ser alterada e que vamos alterá-la já.

Então qual é a nossa perspectiva do ponto de vista desta alteração? A nossa perspectiva é, antes de mais, uma perspectiva de análise da intenção do poder constituinte, mas não é uma análise meramente constitutiva da intenção do poder constituinte originário. É uma análise crítica do ponto de vista da intenção do poder constituinte originário e da sua relação com o discurso democrático. Devemos nós conformar-nos com uma vontade lotalizante do poder constituinte originário? Isto é, com uma vontade que pretenda veicular, no artigo 290.°, uma imposição à geração futura, da democracia e, mais do que isso, injustificadamente, uma imposição do modo como havemos de viver a democracia? Creio que, aqui, este critério do que deve ser entendido pela intenção originária do poder constituinte se circunscreve apenas ao discurso legitimador da própria democracia, deixando-se a liberdade de alterar aquilo que é contingente. Não podemos, do ponto de vista de um critério racional, de avaliação da matriz democrática, entender ou admitir que possa ter havido um poder constituinte originário de tal modo to-talizante que nos imponha modos de viver. Isto é, critérios contingentes que se transformem em critérios absolutos e insusceptíveis de ser alterados.

O que nos parece é que há, aqui, que ver uma questão fundamental que é esta: há uma vontade democrática ínsita nesta tarefa da revisão. Mas a questão que se põe é esta: essa vontade democrática tem ela que se sujeitar a ditames, a contingentes, impostos anteriormente? Parece-me que há aqui dois momentos fundamentais de análise da questão: aquilo que a vontade democrática pode e deve alterar e aquilo a que a própria vontade democrática tem que se sujeitar. Nesse sentido, devo dizer: parece-me indiferente a qualificação técnica de caducidade ou revogação; diria mesmo que eu assumiria sozinha a coragem de dizer que, em vez de caducidade, se poderia falar de revogação. Mas revogação de quê? Houve um acto voluntário plasmado na alternância democrática verificada em eleições prévias a esta revisão. Esse acto voluntário tem efectivamente um sentido alterante de determinadas coisas que foram e agora são escolhidas de modo diferente. Isto é, eu diria, para seguir o ponto que atrás tomei, uma vontade alterante do modo de viver a democracia, quer no plano económico, quer noutros planos da vida da sociedade política. Mas essa vontade democrática não pode alterar -e aqui o PSD assume claramente também a ideia de que há um vector fundamental de intangibilidade - os princípios a que ela própria se ordena. É que a alternância democrática ordena-se ao princípio da igualdade de participação política e às condições de liberdade em que se exerce essa participação política. Isto é, a vontade democrática como um acto voluntário (passe a tautologia) tem o dever moral de fazer uma leitura do poder constituinte originário não totalizante, isto é, não impositiva de critérios de democracia, do modo de a viver, mas não pode ela transbordar no sentido do seu auto-aniquilamento, isto é, transbordar no sentido da sua própria injustificação - tem que se subordinar à matriz liberdade/igualdade. Não vou aqui perder-me na tentação que alguns deputados têm, e que no fundo é útil, de me referir a fundamentos filosóficos para a minha exposição; eu diria que a intenção com que a faço mereceria mesmo a chamada aqui de certas tomadas de posição de princípio: são as condições de liberdade e igualdade (ou, num plano mais filosófico, seriam as condições da posição original em John Rawls, as condições do discurso racional em Habermass ou do discurso moral em Kant) que, essas sim, estão acima do próprio acto voluntário veiculado pelas eleições e resultando na alternância democrática. A questão é esta. O que se deve alterar, ou não, é fundamental mais de um ponto de vista ético do que de um ponto de vista técnico-jurídico. É indiferente a classificação de caducidade ou revogação, e é exactamente no problema da escolha da democracia, isto é, no plano da justificação, e na rejeição da imposição de modos de ler a democracia, isto é, na refutação da injustificação, que reside a incumbência fundamental do revisor da Constituição, ou seja, estabelecer aquilo que é a diferença entre o que se altera e o que se não altera - essa é a grande incumbência ética do legislador constituinte ou do legislador de revisão, e é para ela que chamo a atenção de todos os Srs. Deputados, independentemente da coloração que nos divide e com o propósito de contributo efectivo para esta discussão.

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, há quatro pessoas para lhe fazer perguntas, uma das quais sou eu, e faço-as já. Relativamente ao que me diz respeito, a Sra. Deputada Assunção Esteves pôs a questão em termos de que o PS e eu próprio teríamos tido medo de ir além de um certo ponto, enquanto o PSD teria sido