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2156 II SÉRIE - NÚMERO 71-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente introduziu no debate, e creio que isso é extremamente positivo, diversas dimensões magnificantes que ele de facto comporta. É óbvio que se nós dizemos: primeiro tema de reflexão - o conceito de processo; segundo tema de reflexão - o conceito de sanção; terceiro tema de reflexão - o conceito de disciplina; assumimos a responsabilidade de abrir um debate cujos contornos são como todos sabemos imensos...

O Sr. António Vitorino (PS): - A responsabilidade foi sua! Quando pôs cá na proposta o que pôs.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, tudo isto tem implicações enormes e não pode dar-se apenas por reproduzida qualquer consideração anterior porque pura e simplesmente ela não poderia ter sido produzida dentro dos longos parâmetros para que agora se apontou.

Só gostaria de, face a isso, não produzir aqui e de jacto as correspondentes contra-observações (se for esse o caso, em muitos casos nem sequer o é) mas de fazer três comentários.

Primeiro, o sentido da nossa proposta. O sentido desta é aquele que decorreu daquilo que pude exprimir e designadamente a preocupação emergente da interpretação que já vem sendo feita do texto constitucional como está. Por isso tive, de resto, o cuidado de extractar a douta anotação que aqui ficou como, digamos, expressão da dificuldade, mas também da aposta hermenêutica que é preciso fazer (e, na melhor das hipóteses, ganhar) face ao texto constitucional vigente, sem alteração de uma vírgula, como é óbvio. Essa foi a nossa preocupação, continua a ser a nossa preocupação.

Segundo, quisemos desencadear um debate que possa ter alguma utilidade nesta óptica de alargamento e de aperfeiçoamento, seguramente não na contrária. Creio que essa preocupação foi largamente profícua, útil, pelo próprio desenvolvimento normal da discussão aqui travada.

Terceira observação: é evidente que o progresso de ideias como a ideia de defesa, como a ideia do contraditório em todas as suas implicações e dimensões é desigual em função das diversas realidades de que temos estado a falar. Sem dúvida que se falamos nas empresas, se falamos nas confissões religiosas, se falamos nos sindicatos, se falamos nos partidos políticos, se falamos nas colectividades, se falamos nos diversos tipos de pessoas colectivas (que são as mais diversas, imagináveis, em qualquer ordenamento jurídico) aí teremos outras tantas possibilidades de sanção, aí teremos outras tantas possibilidades de processo. E outras tantas problemáticas diferentes, como é óbvio. É impossível aplicar uma bitola totalmente comum, inteiramente igual. Isso seria absolutamente absurdo. É desigual o caminho, é desigual o estatuto, é desigual a problemática.

Mas tem de haver um núcleo fundamental e irredutível. O que é que nós pretendemos? Tratar de maneira igual o que é desigual? De forma nenhuma! Tratar de maneira simples aquilo que é complexo? De forma nenhuma!

Qual é a nossa salvaguarda máxima em termos de redacção? É que estamos a discutir um preceito constitucional, Srs. Deputados. E, portanto, a norma constitucional não pode ter a pretensão de definir todo o universo normativo cuja edificação é necessária. Isto parece-me evidente. Tem que ter a pretensão de estabelecer um enquadramento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não se esqueça, em todo o caso, da dimensão em que este preceito se insere. Não é apenas uma garantia nas relações cidadão Estado ou grupos Estado, mas é nas relações entre cidadão e grupos intermédios privados, que é um aspecto extremamente importante.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, isso deve ser tido em consideração. Para estabelecer a diferença, na parte em que ela existe. É preciso encontrar um critério para a diferença e um critério para o núcleo comum. É que tem de haver um núcleo comum. Sustentar que ele não exista parece-me, pelo menos, retrógrado. Isso significa admitir verdadeiras selvas de indefesa num quadro em que o próprio Estado de direito democrático e o princípio do Estado de direito democrático exige e reclama que exista defesa, que exista um núcleo mínimo de elementos que não deixem a pessoa desprotegida perante uma instituição, uma organização ou uma pessoa colectiva que com ela esteja relacionada. Isso parece-me absolutamente fulcral.

O que é que o legislador ordinário nesta sede tem de fazer? Tem de fazer aquilo que não cabe ao legislador em sede de revisão constitucional. Tem de distinguir aquilo que seja de distinguir e tratar de forma igual aquilo que seja igual. É essa a tarefa de que fica incumbido por força de uma norma deste tipo. A margem de legiferação que uma norma deve dar ao legislador ordinário deve ser tal que lhe permita tratar de forma diferente o que seja diferente, e creio que isso é absolutamente fundamental para a construção da figura que aqui se pretende edificar. De resto é essa e só essa a nossa preocupação.

Há outras que não se colocam. Por exemplo, considero extremamente estimulante a hipótese colocada pelo Sr. Deputado Rui Machete quanto a alguns dos ordenamentos especiais e obviamente que percebo que tenha colocado o caso do creditício uma vez que o tem estudado especialmente. Repare, porém, as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12.°, n.° 2). O legislador ordinário deve resolver a dificuldade que enunciou e nesse caso sempre teria de o fazer!

O Sr. Presidente: - Também há pessoas singulares.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro! Mas quanto ao caso das pessoas colectivas o legislador ordinário tem uma margem de definição substancial, extremamente relevante que permite evitar o risco que o Sr. Deputado Rui Machete aqui aventava, por um lado. Por outro, a cláusula constitucional pode acautelar as demais dificuldades. Basta que se diga "nos termos da lei". Tão-só! Estabelece-se um princípio, um parâmetro, uma baliza, elenca-se um número de direitos mínimos, o chamado núcleo básico, e remete-se para o legislador ordinário a definição das transposições, das adaptações, das fronteiras e das outras peças do universo normativo que se quer construir.

Creio que isto é possível face a uma perspectiva simultaneamente realista e de progresso num terreno em que esse progresso me parece ser nesta direcção. Cla-