2 DE FEVEREIRO DE 1989 2153
não exista - nesse aspecto estamos de acordo, penso. Como estamos também de acordo em matéria de função pública, já não acompanharia quando não se limitasse a uma coisa genérica do tipo de processos disciplinares, porque não sei até onde vamos, e, menos ainda, processos sancionadores, porque é muito mais vago. Para lhe dar um outro exemplo: será que os empreiteiros faltosos, em matéria de empreitadas de obras públicas, quando lhes aplicam sanções - que são processos sancionatórios de um outro tipo - têm que ter as garantias? Suponho que o PCP não estava a pensar nesses termos, já que se trata de matérias ligadas ao direito administrativo e ao direito civil, consoante as empreitadas sejam administrativas ou civis. Mas a verdade é que, tal como aqui está formulado, também lá chegaríamos, porque são processos sancionatórios, e algumas normas são emprestadas aos processos sancionatórios disciplinares da função pública, foram inspiradas daí. De maneira que esta é uma matéria em que não se pode caminhar com esta afoiteza com que o PCP caminha, embora seja de louvar a circunstância de ser chamada a atenção para um problema extremamente importante que não se pode resolver, julgo com a simplicidade de enunciar dois ou três princípios e já está!, porque não é possível, mas talvez seja viável fazer alguns progressos desde agora. E um desses progressos é na mera ordenação social e, eventualmente, nos processos disciplinares - poder-se-ia ponderar na altura, quando lá chegássemos. É uma questão de sede, embora eu talvez preferisse, quando lá chegássemos, vermos se haveria alguma coisa a corrigir. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, colocada a questão nesses termos, iremos fazer, na bancada do PCP, a reflexão consequente. Creio que há na "conclusão" que o Sr. Presidente exprime o reconhecimento das dimensões que o problema assume que, penso, tenderão a alastrar...
O Sr. Presidente: - É natural. Sr. Deputado José Magalhães, eu não escondo que estamos numa matéria em permanente evolução e admito que, daqui a alguns anos, haja certas zonas onde seja possível, com segurança, expressar uma norma não exactamente deste tipo, porque essa parece-me extremamente ambiciosa, mas algo já com uma regulamentação mais rica do que aquela que neste momento é possível fazer. Mas, na minha perspectiva, ainda lá não chegámos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Duvido também, Sr. Presidente, que possa caminhar-se, em relação aos diversos processos sancionatórios, num sentido que seja o da restrição das possibilidades de defesa, o da recusa da possibilidade de cada um exprimir as suas razões, de cada um ser ouvido antes de lhe ser aplicada a competente e adequada sanção.
Assim sendo, creio que só a visão mais pessimista e mais liberticida é que pode apontar para uma invo-lução nessa esfera. Tenho alguma crença nas tais virtualidades expansivas e na capacidade de irradiação do direito processual penal ou da matriz processual penal como matriz da máxima garantia de direitos. A sua expansão para outras áreas (e a homologia até onde pode ir) parece-me ser a seta apontada para o futuro. Não creio que seja possível conceber a questão em termos diferentes.
O Sr. Presidente: - Estou de acordo consigo, Sr. Deputado, não tanto pela irradiação do processo penal mas por reforço e consubstanciação da liberdade e da autonomia dos cidadãos. Se o Sr. Deputado José Magalhães olhar - e eu não estou a fazer nenhuma blague - para aquilo que se passa em todos os partidos políticos, em Portugal, e para aquilo que se passa nas associações, constatará que se verificam, hoje, coisas que eram perfeitamente impensáveis há alguns anos e que são um progresso, em todos os partidos; e, quando há retrocessos, são apontados pela opinião pública como retrocessos. Julgo que isto é algo de extremamente importante que transcende a luta política, as pugnas e as polémicas, é uma afirmação da liberdade dos cidadãos e da consciência que a opinião pública tem do progresso que se está a fazer. Não creio, sinceramente, que isso seja algo que deva ser obtido mediante o expansionismo do processo penal; penso que é algo em que, em termos da liberdade dos cidadãos, se ganha muito mais. Mas, em qualquer circunstância, as nossas posições são inteiramente convergentes. Há um progresso da democratização da vida nacional em todos os domínios e, portanto, vamos ter, cada vez mais, uma opinião pública alertada, crítica, consciente desses problemas, e cidadãos que, cada vez mais, estão dispostos a usar os seus direitos de uma maneira mais eficaz, mais autónoma e, consequentemente, a serem verdadeiramente mais livres. Penso que isso é extremamente importante - é uma forma de afirmação da sociedade civil sobre o Estado da velha fórmula dicotómica de Ferguson, depois popularizada por Hegel - e regozijamo-nos muito com isso. Não digo que, aqui ou além, não possa ser, nos casos mais graves, amparada por fórmulas jurídicas e que o processo penal não possa até dar alguma contribuição - não estou a negar isso, só que não vejo que seja essa a tarefa decisiva. Estamos, portanto, inteiramente de acordo nessa perspectiva. Justamente porque este é um processo gradual e um processo que não deve envolver a intervenção permanente do Estado - e esse é o ponto que há pouco não sublinhei devidamente e queria agora sublinhar -, não deve ser o Estado a fiscalizar no interior de cada organização e ir lá ver se estão ou não a ser cumpridas as regras, têm que ser os cidadãos participando e, nos casos mais clamorosos, então haverá uma fiscalização de vária ordem, de diversos graus e intensidade, por violação dos direitos, a partir da pura e simples fiscalização da opinião pública, como tem acontecido nalguns casos (há cidadãos que publicam livros a queixarem-se da maneira como as coisas se passam, outros até põem questões em tribunal). Tudo vai evoluindo - e penso que isso é positivo - e as organizações, sejam elas empresas, associações, clubes desportivos ou partidos políticos, vão tendo que se dobrar, a pouco e pouco, a este facto da afirmação da personalidade dos indivíduos; isso resulta de um crescimento da sociedade democrática. É positivo, é importante, e talvez, aqui e além, possa ser consubstanciado em normas constitucionais que dêem uma ajuda. Neste momento, penso que a ajuda, no que respeita a este capítulo, só se pode consagrar na ordenação social (esta é a minha opinião; não ouvi ainda a opinião dos colegas do meu partido). Não tenho dúvidas pessoais em subscrever a ideia de que na ordenação social devem haver garantias de defesa; agora, não podem é ser dadas as mesmas garantias do processo penal - não é tanto por diminuição dos cidadãos, mas