O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2152 II SÉRIE - NÚMERO 71-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se o Sr. Deputado Costa Andrade a entende muito melhor, ou mesmo muitíssimo melhor, não serei eu que a entenderei muitíssimo pior. A busca de uma solução adequada e que seja uma benfeitoria é a nossa única Estrela Polar nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Não ouvi toda a discussão, mas as dúvidas que queria formular - e que não são dúvidas apenas para efeitos de argumentação, são dúvidas resultantes de problemas de teoria geral ou de dogmática jurídica que aqui se colocam - são do seguinte teor: em primeiro lugar, percebo o intuito nobre que subjaz a esta proposta do PCP; mas ela oferece-me várias dificuldades. A primeira dificuldade é que não é fácil delimitar com rigoroso que seja isso dos processos disciplinares e dos processos sancionatóríos; nós sabemos o que são processos disciplinares no direito administrativo. Depois, chamaram-se, um pouco por imitação, processos disciplinares nos ordenamentos internos de outras organizações, designadamente no direito do trabalho, no seio da organização empresarial; também, depois, nos ordenamentos próprios dos clubes; sejam eles recreativos ou dedicados ao desporto, das associações sem fins lucrativos, dos partidos políticos, etc.. Isto porque, por imitação, se aplicaram penas disciplinares; mas têm natureza muito diversa. Normalmente, entendeu-se que os direitos que estão em jogo nesses processos estão assegurados por outro tipo de normas, que não são apenas aquelas que vigoram no processo penal.

Quero eu dizer com isto que, quando se fala no direito ao bom nome e à reputação, ou quando se fala no problema de não ser despedido sem justa causa, quando se invocam direitos da personalidade ou direitos atinentes a certos ramos específicos, tem-se em vista proteger tipos de interesses que, normalmente, aparecem protegidos por normas processuais no processo disciplinar da função pública ou, de uma maneira mais grave, no processo penal. E ainda, mutatis mutandis, mas com maior imprecisão, nos processos sancionatórios; porque existe uma sanção penal, uma sanção civil, uma sanção administrativa e (como o Sr. Deputado José Magalhães sabe) há as maiores dúvidas sobre quais são os limites dos processos sancionatóríos. Depois, existem zonas que são de grande indeterminação; existem processos disciplinares em matéria, por exemplo, de um ordenamento especial, como é o da função creditícia - há quem diga que sim, que os bancos e quem lá trabalha estão sujeitos a um ordenamento especial, do qual são entidades disciplinadoras o Banco de Portugal, como banco central, e o Ministério das Finanças, sem ter a ver, directamente, com o problema da função pública, porque existem bancos públicos e bancos privados. Esse tipo de ordenamentos especiais, que é uma figura que foi muito defendida, em tempos, por Máximo Severo Gianninni, é algo que prolifera.

Não estou a dizer isto com o intuito de criar dificuldades, mas elas existem efectivamente. Portanto, há aqui uma primeira dúvida sobre o que é que se pretende exactamente. Suponho que aquilo que está na raiz da proposta do PCP é uma ideia louvável e que pretende dizer o seguinte: quem sofre uma diminuição na sua esfera jurídica em resultado de um castigo, de uma punição, de uma sanção em termos latos, deve ter a possibilidade de se defender. E devemos procurar a matriz disto no processo penal. Mas a verdade é que esta irradiação do processo penal feita nestes termos pode dar azo a dificuldades - que, de resto, já foram aqui apresentadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade - quando se publiciza e se faz uma ingerência das normas do processo penal no caso dos partidos políticos, no caso de clubes desportivos, etc.. E pode-se ir mais longe, porque se pode dizer que, mesmo em relação aos ordenamentos com maior autonomia - como é, por hipótese, um ordenamento de tipo canónico ou um ordenamento de uma confissão religiosa -, isto é uma norma de direito e ordem pública e, portanto, também o Estado deve intervir. Está, pois, a ver, Sr. Deputado, que isto nos pode levar extremamente longe.

Por outro lado, há outro tipo de critica que é feito e que é o seguinte: mas não é só isso. É que, como se pretende aplicar todo o modelo do processo penal, que é um modelo que foi, ao longo dos séculos, depurado em razão de algo particularmente grave, as sansões privativas da liberdade ainda tem consequências mais graves. De modo que julgo não estarmos em condições suficientemente amadurecidas - o ordenamento jurídico não está - para adoptarmos uma disposição deste tipo, a qual, provavelmente, teria mais inconvenientes do que vantagens. Dir-se-á: há duas soluções possíveis. Uma delas é dizer: no núcleo de matérias que já estão suficientemente maturadas, e que podem ser melhoradas, como é o caso do processo disciplinar na função pública - foi aquilo que disse o Sr. Deputado Costa Andrade -, poderemos, eventualmente, introduzir melhorias. Não sei se valerá a pena porque as normas constitucionais já vão relativamente longe, mas poderemos ponderar esse aspecto. E impressiona-me, por exemplo, haver, no direito de mera ordenação social, uma coisa que já está no direito ordinário, mas que podemos constitucionalizar, ou seja, deve haver uma garantia de defesa. Não vejo nenhum inconveniente nisso, mas já vejo dificuldades de transpor, para o processo de mera ordenação social, todas as normas do processo penal, porque isso era inutilizar o processo de mera ordenação social. Foi justamente uma razão de simplicidade e celeridade que deu origem ao processo de mera ordenação social. Mas há aqui um problema de deficiente formulação. E, portanto, qualquer coisa do tipo daquilo que disse o Sr. Deputado Alberto, Martins, no que respeita a consignar uma questão fundamental que é o direito de defesa e circunscrito àqueles sectores do ordenamento onde as coisas são claras, como é, por exemplo, a mera ordenação social - já lá está, mas, se quiser, podemos voltar a reafirmá-lo para o processo disciplinar da função pública -, nisso não vejo inconveniente. Mas fazer uma reformulação com uma força expansiva tal que não se saiba bem quais são os seus limites, embora me pareça um intuito generoso, não poderemos subscrevê-la neste momento.

Portanto, com isto quero dizer que, seguro, seguro, seria caminhar no sentido de dizer: vamos garantir o direito de defesa nos casos de mera ordenação social, já que isso não está, neste momento, abrangido pela Constituição, e parece-me claro que deve assegurar-se, muito embora não conheça nenhuma regulamentação em matéria de mera ordenação social onde não esteja assegurado o direito de defesa; o que não há é uma protecção constitucional e não se justifica que ela