52 II SÉRIE - NÚMERO 3-RC
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Como não há mais pedidos de intervenção, tomo eu a palavra.
Esta é, evidentemente, uma proposta séria, respeitável e ditada por boas preocupações mas que, creio, são levadas para lá do contexto português. A língua portuguesa está constitucionalizada em pelo menos três artigos da Constituição - num deles é tarefa fundamental a defesa da língua e em dois outros é uma incumbência do Estado. Portanto, para além de uma incumbência do Estado, é uma tarefa fundamental do Estado e, por isso, creio que não se podia ser mais enfático na constitucionalização da língua portuguesa. Por outro lado, o qualitativo "oficial" parece que pode dar a entender a possibilidade de haver outras que não sejam oficiais. Há países que têm várias línguas, uma das quais é a oficial. E o caso dos PALOP, onde o português é a língua oficial, coexistindo com outras, mas parece-me que não nos deveríamos colocar na posição das nossas ex-colónias no sentido de prevermos normas parecidas às da Constituição desses países.
Em última instância, embora eu reconheça que também é próprio dizer-se "o português é a língua [...]", a verdade é que mais frequentemente se diz que a língua é a portuguesa. Creio que foi o historiador Castanheda, a propósito da História da índia, o primeiro a falar na "língua português", tendo depois começado a dizer-se "o português é a língua [...]". Mas não há qualquer dúvida de que a língua oficial da República é a portuguesa, quando a cidadania é portuguesa e a nacionalidade também portuguesa.
Compreendemos as razões que estão na base desta proposta do CDS, mas parece-me que, se, de facto, temos de defender os valores da soberania, esta proposta não vem ao encontro de nenhuma preocupação nacional, de nenhuma ansiedade nacional e nem sei mesmo se chega a valorizar a língua portuguesa.
Chamar-lhe "oficial" quando não há outra há 800 anos - nem pode haver -, parece-me que é um mau serviço que prestamos à língua portuguesa. Mas este é o meu ponto de vista pessoal.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, mas a questão que se levanta é esta: se realmente caminharmos para a definição de línguas oficiais da Comunidade, não estando o português nelas incluído e, por exemplo, todas as matérias relativas à política económica e financeira portuguesa forem discutidas e decididas em inglês pelo conselho de administração do banco central europeu, podemos vir a ser confrontados com efeitos perversos em termos internos. Ora, não queremos correr o risco de, a certa altura, ao sintonizarmos a rádio ou ao ligarmos a televisão, ouvirmos o governador do Banco de Portugal a falar-nos em inglês sobre a nossa política monetária ou cambial.
É que, num determinado momento da nossa integração, pode suceder que os funcionários portugueses ou os representantes de Portugal façam a discussão de políticas fundamentais para Portugal noutra língua que não o português, acabando por usar, também entre nós, o inglês ou, porventura, o alemão, situação que queríamos evitar.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, por um lado, é para nós uma evidencia que a língua portuguesa é a língua oficial. Diremos mesmo que é a única língua que se fala em Portugal; portanto, é a única língua que deve ser adoptada.
Por outro lado, parece-nos também que a Constituição já tutela suficientemente a língua portuguesa por força dos três normativos citados, os artigos 9.º, 74.º e 78.º Não nos parece haver aqui uma necessidade premente, sem prejuízo de, noutra revisão, onde as coisas venham a discutir-se a outro nível, ponderarmos esta matéria também a outro nível. Mas, neste momento, não nos parece, no contexto desta revisão - que, do nosso ponto de vista, deve circunscrever-se, como revisão de emergência que é destinada a habilitar o Estado Português a ratificar o Tratado de Maastricht -, que isto seja uma necessidade.
Pensamos que a discussão desta proposta pode ser prejudicial, porque é uma evidência para nós que a língua oficial da República é a língua portuguesa; portanto, não nos parece que valha a pena, que seja necessário, constitucionalizar este imperativo.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe ÇPCP): - Sr. Presidente, gostaria de abordar três aspectos relacionados com esta discussão.
Em primeiro lugar, já me tinha interrogado sobre o aspecto gramatical desta proposta. É igual à que foi aprovada em França, que tinha a seguinte redacção: "La langue de la Republique est le trançais" e eu questionei-me a mim próprio se a língua oficial é a língua portuguesa ou se se poderá dizer, como é proposto, que "a língua oficial é o português", pois também reconheço aqui a minha ignorância quanto à correcção da expressão e, apesar de ser secundária neste momento, obviamente que esta questão se resolverá.
Em segundo lugar, também compartilho a ideia de que a língua portuguesa está constitucionalizada. Não tive a oportunidade de participar nos debates que se realizaram por ocasião da 2.a revisão constitucional, mas lenho presente através do estudo dos trabalhos preparatórios e reconheço as benfeitorias que, por proposta do PCP, na altura foram introduzidas por unanimidade no texto constitucional a nível das tarefas fundamentais do Estado e, portanto, quanto a esse aspecto, parece-nos que a língua portuguesa tem, efectivamente, alguma tutela constitucional com bastante dignidade.
Em terceiro lugar, penso que não é descabido que nesta revisão constitucional se coloque a questão da língua portuguesa, sobretudo na medida em que se vêm sentindo algumas tendências a nível da Comunidade Europeia paia a limitação das línguas de trabalho. Tenho presente um relatório ainda recente do Parlamento Europeu no qual se recomenda à Comunidade que as línguas de trabalho sejam restringidas a três - inglês, francês e alemão -, não se contemplando a língua portuguesa. Portanto, creio que essa tendência deve merecer alguma preocupação da nossa parte.
É evidente que não é por se dizer que a língua portuguesa é a língua oficial que este problema se resolveria, pois são questões que se poderão colocar a níveis diferentes, sobretudo ao nível do cumprimento constitucional da tarefa do Estado de defender internacionalmente a língua portuguesa, mas creio que esta tendência e a necessidade de, de facto, defender a língua portuguesa, quer no plano interno, quer a nível internacional, faz com que não seja despiciendo ponderar o reforço da constitucionalização da defesa da língua.