8 DE OUTUBRO DE 1992 95
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tive a ocasião de, nesta sessão, pedir a palavra por duas vezes para questionar, respectivamente, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e João Amaral. Gostava agora de fazer algumas considerações mais de fundo sobre a matéria em discussão.
Em primeiro lugar, relativamente à posição do Partido Comunista, verificámos aqui - e o Sr. Deputado João Amaral já teve ocasião de explicitar essa alteração de posição por parte do Partido Comunista - que, tendo naturalmente...
O Sr. João Amaral (PCP): - Não me diga que só agora deu por ela?!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas é agora e nesta sede que é pertinente discutir a questão.
O Sr. João Amaral (PCP): - Até agora foram perguntas!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E, naturalmente, não é preciso qualquer excesso de nervosismo da parte do PCP!
À pergunta que eu, há pouco, tive ocasião de fazer ao Sr. Deputado João Amaral sobre quais eram as razões substantivas que Unham levado o Partido Comunista a achar que a introdução do referendo deixava de comportar sérios riscos de perversão plebiscitaria, a resposta que pudemos obter foi apenas no sentido de que, dada a necessidade de valorizar o processo de discussão em tomo do Tratado de Maastricht, isso implicou, por avaliação de oportunidade política, uma alteração da posição do PCP.
Ou seja, a justificação que o PCP nos dá para ter mudado a sua posição não é a de ter tomado uma outra opção quanto à natureza constitucional do referendo, mas apenas a de ter tomado uma outra opção quanto ao juízo de oportunidade para a utilização do referendo para a aprovação de um certo instrumento de convenção internacional.
Isto significa que o Partido Comunista não tem uma posição de fundo sobre a natureza da Constituição, tem apenas uma posição de oportunidade sobre a conjuntura política. Penso que isso, só por si, demonstra a ausência de sustentação da posição do Partido Comunista e, por isso, queria que isso ficasse aqui declarado.
Quanto à posição do CDS, queria dizer que essa sim já tem implicações constitucionais bastante mais profundas. E é porque tem implicações constitucionais bastante mais profundas que vale a pena ponderar agora na sua globalidade para também concluir como foi totalmente, pelo menos em minha opinião, imponderada a solução que o CDS aqui nos apresentou.
Porque a solução que o CDS aqui nos apresentou, aparentemente ditada por uma razão de conveniência quanto ao método de aprovação do Tratado de Maastricht, revela, no fundo, ter tido uma visão, já* significativamente diferente, sobre a natureza representativa do nosso regime democrático. E, das duas uma, ou a proposta que o CDS aqui nos traz foi conscientemente formulada para alcançar esse objectivo ou ela foi feita sem a ponderação das suas implicações, o que, de certa maneira, representa uma leviandade política quanto à iniciativa.
Falta clarificar este ponto, ou seja, falta clarificar se a solução originaria do CDS é a que é porque o CDS tem uma visão distinta da que tinha até há pouco tempo sobre a natureza representativa do nosso sistema democrático ou se a posição do CDS é a que é apenas por que o CDS não teve o discernimento jurídico-constitucional de pensar em todas as implicações da proposta que nos apresentou.
Vejamos: na proposta do CDS, no que diz respeito à necessidade de convocação do referendo de forma vinculada por parte do Presidente da República, há, desde logo, a ausência da distinção, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito já reconheceu, quanto à natureza das organizações internacionais criadas por via dos tratados a aprovar.
Portanto, o CDS admitia submeter a referendo, necessariamente, todos os actos que implicassem criação ou participação de Portugal em organizações internacionais com alguma partilha de competências, mesmo que essa partilha de competências, como há pouco aqui se viu, não implicasse qualquer risco no que diz respeito ao exercício da soberania nacional.
Ora bem, o CDS diz: "tudo visto e ponderado, talvez seja de rever essa questão, no que diz respeito às distinções a fazer quanto à natureza dos organizações internacionais".
Outra questão: o CDS quer que o referendo passe, nestes casos, a ser vinculativamente convocado pelo Presidente da República. Portanto, o CDS atribui ao Presidente da República, em exclusivo, a competência para definir a pergunta a suscitar através do referendo.
Qual é, então, o mecanismo de controlo democrático sobre o conteúdo das perguntas que, nessa circunstância, o Presidente da República deveria submeter a referendo?
O CDS esqueceu-se totalmente de configurar esta questão. Ou seja: retirou a possibilidade de controlo preventivo da constitucionalidade das questões a suscitar por via do referendo e não encontrou qualquer outro mecanismo de controlo democrático sobre as perguntas. O CDS enfraquece manifestamente, por esta via, o sistema de controlo democrático sobre a própria objectividade e isenção da pergunta a fazer, nestes casos, por via do Presidente da República.
É grave que o CDS tenha retirado do processo de formulação da pergunta a Assembleia da República. Ou seja: ao atribuir de forma vinculada ao Presidente da República a iniciativa para lançar o referendo, o órgão de soberania Assembleia da República seria completamente afastado desse processo.
Questão igualmente grave, do meu ponto de vista, é a contradição constitucional em que ficávamos, na sequência da aprovação do modelo apresentado pelo CDS. Se não, vejamos: um tratado internacional era sujeito a referendo para aprovação, só que o CDS não mexia no poder do Presidente da República quanto ao acto de ratificação. E, como se sabe, nos termos da Constituição, o acto de ractificação por parte do Presidente da República é um acto livre, não é um acto vinculado.
Será que o CDS queria esta consequência de poder haver uma resposta positiva a um referendo e, portanto, em princípio vinculante quanto à aprovação do referendo, urna vez que era o próprio processo de consulta que determinava o mecanismo de aprovação, mas, depois, continuar a deixar, em última instância, ao Presidente da República a decisão sobre a ratificação ou não do tratado? Era isso que o CDS queria? O CDS queria consultar o soberano popular através de um mecanismo de consulta directa, mas, depois, deixar a última decisão através de um processo de decisão indirecta, através do acto de ratificação por parte do Presidente da República?
Não deve ter sido isto que o CDS queria, no entanto não pensou nas implicações de tudo isto. E como não pensou nas implicações de tudo isto, o CDS tem de fazer aqui urna de duas confissões: ou confessa que, de facto, com esta