90 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC
O Sr. João Amaral (PCP): - Quero só dizer que essa pergunta não é dirigida ao PCP mas a mim, pelo que seria mais interessante da sua parte dizer que leu uma citação de uma intervenção que produzi no Plenário. Não tenho qualquer problema em assumir isso e a si, Sr. Deputado, ficava-lhe bem ter essa franqueza.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não me vai dizer que não foi em nome do PCP que a fez?!
O Sr. João Amaral (PCP): - Não, o que lhe digo é que lhe ficava bem a franqueza de dizer "O senhor leu ou disse isto no Plenário!"
Devo dizer que a questão que aqui se coloca não é a explicar por que é que o PCP evoluiu na sua posição. O PCP não só assume que evoluiu, como explica com clareza que de uma posição inicial de resistência ao referendo, com base em considerações que expressei no Plenário, passou a entender que, face à situação concreta deste Tratado e às suas implicações e às questões que ele levanta, este referendo se justificava.
O PCP acaba de justificar a sua posição e, agora, o que importa é apreciar a proposta que o PCP apresenta, a proposta que apresenta o Deputado Mário Tomé, o PSN ou, noutro quadro, a proposta que o CDS apresenta.
E por que é que a questão do Tratado da União Europeia é particularmente relevante?
Creio que não vale a pena estar a iludir uma questão que é central. Não há repetição, não há via aberta, não há tratados destes a esmo! Este Tratado da União Europeia é um exemplar único nas opções que o País pode fazer. Devo dizer que, em minha opinião, a questão é excessivamente séria para em tomo dela fazermos umas brincadeiras como a que Sr. Deputado acabou de fazer.
Na realidade, a questão que aqui se coloca é esta a União Europeia, tal como está configurada no Tratado de Maastricht, representa uma efectiva alteração qualitativa das Comunidades no sentido, que é claramente assumido, embora não esteja dito expressamente em palavras, mas está no conteúdo, de uma via federal. Ora, não se sai das federações com essa facilidade. Isto é, quando se segue um processo desses, a saída não é uma opção fácil. Trata-se, portanto, de um caminho que a ser tomado pelo País, nesta altura da sua vida, tem implicações futuras que não podem ser resolvidas com facilidade. Quero recordar, por exemplo, o que se passa com outras estruturas de natureza semelhante àquela para que a Comunidade ou os Estados pretendem evoluir, ou seja as estruturas do Centro e do Leste da Europa, onde os processos de desagregação de uniões e de estados federais são extremamente dolorosos e provocam custos altíssimos na situação dos povos e, muitas vezes, são pagos penosamente em termos até de conflitos armados.
Ora, tudo isto só para dizer que as opções que estão contidas no Tratado são de um alcance tal que não é admissível que não haja um debate muito profundo, uma discussão muito ampla e um conhecimento muito detalhado de todas as implicações das decisões que se vão tomar. Assim, a proposta que apresentamos tem subjacente esta ideia, ou seja, a de provocar um grande debate nacional que encerre com a tomada de uma decisão.
Há pouco, o Sr. Deputado Almeida Santos colocava uma questão muito pertinente que era a de saber se isso não seria uma menorização da Assembleia, dos Deputados e da democracia representativa.
Não vou dizer, sequer, que esta Assembleia não tem mandato para isso, porque na altura em que se realizaram as eleições o Tratado ainda não existia, mas quero dizer que, em relação a esta matéria e em face do que se passa na Europa, já ficou demonstrado que existe um divórcio entre as posições que os políticos têm assumido e aquilo que os povos sentem. Trata-se, de facto, de uma realidade tão evidente que urge resolvê-la. Claro que podemos falar longamente em torno de questões técnicas, mas a questão política que está aqui subjacente é esta.
Então, primeiro, vamos entender-nos sobre a questão política a este nível, isto é, vamos ver se consideramos ou não necessário que um passo desta natureza e com este alcance envolva todo o povo português e, nomeadamente, implique uma decisão dele. E não se venha dizer que a solução para este problema era propor um referendo para sairmos da Comunidade, porque esse é um jogo de palavras, Sr. Deputado Almeida Santos. Não é isso que está em causa. O referendo que propomos responde a uma situação concreta: a que desenha o calendário político que está traçado. Ora, não está traçado, nem ninguém propôs a saída da Comunidade. O que está traçado e proposto é que se institua uma União Europeia com certas características. Portanto, é isso que está no calendário político e é sobre isso que deve incidir a nossa discussão. Logo, é nesse quadro que esta proposta surge.
Quero, desde já, salientar que não ousaria nunca dizer que uns são mais ou menos democráticos, nem é essa a questão! Agora, também não se pode dizer que é curioso que os partidos que propõem o referendo são os que estão contra Maastricht, porque também posso dizer que os que se opõem ao referendo são os que estão a favor de Maastricht.
É evidente que, na realidade, quem quer sustentar Maastricht quer evitar essa consulta, mas a questão que se coloca é a de saber até que ponto respondemos perante o povo português por uma decisão com este alcance. A este propósito, quero só recordar que, há escassos meses, o nível de ignorância em tomo desta questão levou os dois dirigentes dos dois maiores partidos a dizerem que não era necessário fazer a revisão constitucional e 15 dias depois disseram o contrário. E refiro isto já para não falar de muitas outras coisas que, enfim, só a partir do referendo da Dinamarca, de alguma maneira, vieram à luz do dia, apesar de terem sido feitas insistentes chamadas de atenção em relação a muitas situações que existiam, mas que só encontraram eco a partir da tomada de posição de um povo. Lembro que, na altura, o que se disse acerca da Dinamarca foi perfeitamente absurdo. Por exemplo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros disse claramente que não era admissível que quaisquer 2 milhões de cidadãos pusessem em questão o que os outros 340 milhões queriam, o que é, em minha opinião, completamente absurdo, visto ser a negação mais elementar de uma postura democrática. Não estou a acusar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de não ser democrata, o que quero dizer é que se trata de uma postura não democrática. Diria mais: é uma postura típica do estilo e do modelo que subjaz ao Tratado de Maastricht.
É só isto que tenho a dizer para explicar por que é que evoluímos na posição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para concluir a sua intervenção.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, termino abordando apenas algumas questões suscitadas.
No que toca à questão já referida pelo Sr. Deputado João Amaral, a de uma suposta menoridade da Assembleia da República quando se propõe o referendo, creio que nem do