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8 DE OUTUBRO DE 1992 85

que estavam todos a "matar" muito sossegados quando, de repente, "caiu" em cima das pessoas a democracia e a participação dos povos como uma exigência, uma exigência que não se pode ignorar. Estava tudo a funcionar muito bem, com a democracia representativa - e não estou a pô-la em causa -, só que, de repente, ela foi questionada e os povos exigem pronunciar-se directamente. O que eu não queria era que a democracia representativa se opusesse a essa vontade de participação popular - esta é a questão. E, parafraseando Marx, diria que um espectro percorre a Europa: o espectro da democracia.

Este é um problema que os Srs. Deputados têm de entender, porque, neste momento, não posso dizer que este instituto de representação da vontade popular esteja qualificado para decidir sobre uma questão desta profundidade. É que, mesmo em termos empíricos e por analogia com o que se está a passar na Europa, está em causa - e digo-o com toda a solenidade - a qualificação das maiorias representativas que aqui estão colocadas pelas eleições que tiveram lugar antes da assinatura do Tratado de Maastricht, que não constava sequer dos programas de quem foi eleito, em maioria ou em minoria Portanto, não possuem capacidade para uma ratificação, ignorando os povos, quando estes, ainda por cima, estão a manifestar a sua vontade, dizendo que querem ser ouvidos. Em Portugal - porque nos outros países já se viu o peso que isso teve -, a opinião pública, eminentes personalidades de todos os partidos políticos - inclusivamente da própria maioria do PSD, onde o monolitismo começou a abrir "buraquinhos" relativamente ao referendo (para além de outras contradições que existem) - e alguns dos maiores constitucionalistas põem em causa esta questão e defendem o referendo; o próprio Presidente da República considera-o adequado e o próprio Presidente da Assembleia da República ficou em xeque com a recusa da petição a favor do referendo.

Assim sendo, como é que nós, Deputados, não temos de ter consciência do que se está a passar?! Ficamos em Bizâncio, fechados com as nossas coisinhas?! Ficamos atrás?! Nós, que queremos ir para a frente, modernizando-nos e caminhando para o futuro! Mas a modernidade e o progresso têm de ter coerência e consistência! É que só nesse sentido se consegue andar para a frente e progredir. E eu não posso andar para a frente sem os povos, porque depois vem a ressaca. De facto, quando vierem as consequências mais ou menos gravosas de uma posição assumida desta forma, vem a ressaca e os povos que não foram tidos em conta, depois, dizem: "Eu?! Eu não tive nada a ver com isso! Foram vocês!". Este é um argumento já muito lateral, mas é um argumento.

Na sequência do que o Sr. Deputado Costa Andrade afirmou, há pouco - e muito bem -, ao dizer que a experiência é a madre do saber de todas as coisas, julgo que temos de ter em atenção o que se passou por essa Europa fora! Aliás, estou a notar algumas manifestações bastante positivas por parte de alguns Deputados do PSD em relação a esta questão do referendo. E não gostaria, nesta fase mais aguda da discussão, de ver o PS ser ultrapassado pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Relativamente ao PSN - sem prejuízo de, numa segunda fase quando procedermos a uma votação indiciaria, podermos ouvir o Sr. Deputado Manuel Sérgio -, o Sr. Deputado escreveu-me uma carta justificando a sua ausência de 6 a 12 do corrente, mas é óbvio que não podemos esperar. Portanto, vamos prosseguir a discussão. De resto, do ponto de vista específico, pode ser que haja alguma argumentação especial, mas o texto não é essencialmente diferente dos outros textos apresentados.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em termos genéricos, é igual ao do Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, à guisa de informação e para meu melhor esclarecimento e do debate, gostava de abordar um ponto que me parece importante nesta matéria. O artigo 118.° da Constituição, no seu n.° 2, não exclui o referendo sobre matérias que sejam de relevante interesse nacional e que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo. O que exclui, por força da remissão para o artigo 164.°, é a aprovação concreta de tratado ou convenção. Portanto, não deixa de me impressionar um pouco a razão por que, do ponto de vista dos partidos que simultaneamente pensam que o artigo 118.° se deve manter - e esse não é o caso do CDS - mas que preconizam o regime excepcional, não se defender que existe uma diferença no objecto do processo. Quer dizer, em vez de ser o problema do Tratado de Maastricht, o objecto da discussão, ser, por exemplo, a questão da integração europeia. E daí provavelmente decorreriam consequências: na hipótese meramente académica de o referendo ser negativo, daí adviriam consequências quanto ao natural posicionamento dos órgãos do Estado Português a esse respeito. Não percebi por que é que esse argumento não foi usado, quando se utiliza o referendo a título excepcional. É que a posição do CDS é um pouco diversa, já que defende a modificação do artigo 118.° Pode concordar-se ou discordar-se mas é uma posição que não é transitória e ad hoc. Já no caso das propostas apresentadas pelo PCP, pelo PSN e pelo Sr. Deputado Mário Tomé, é específica e exclusivamente para um tratado ou para um conjunto de tratados, na formulação do PCP. O que, aliás, suscita depois esta dificuldade: e se, depois, numa fase ulterior, os tratados forem modificados, nessa altura também vamos ter um referendo ou não? Gostava de compreender a lógica que animou as propostas do PCP, do PSN e do Sr. Deputado Mário Tomé.

Entretanto, pediram a palavra os Srs. Deputados Almeida Santos e Nogueira de Brito.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Da nossa posição sobre a proposta do CDS já decorre em parte a nossa posição sobre estas três propostas. Em todo o caso, devo dizer que estas três propostas não têm a gravidade que empresto à do CDS. Esta dá o tal salto em frente que aqui referimos, tomando obrigatória, em relação a todos os tratados que versem estas transferências de competências, uma consulta popular. Era, de facto, um grande salto, no sentido da passagem de uma democracia representativa para uma democracia directa. Passava a ser o povo a ter as competências que hoje têm o Governo e a Assembleia da República. Não compreendemos isso, porque se julgamos que o povo português não deve ser colocado numa posição de estatuto de menoridade - e nunca se tratou disso, porque sempre invocámos razoes técnicas e não de competência - também, por outro lado, não aceito que a Assembleia da República seja colocada perante um estatuto de menoridade. Por que é que a Assembleia da República, que tem competência para tudo, inclusivamente para rever a Constituição - e está aqui neste momento a revê-la - não há-de ter competência para aprovar um tratado internacional, qualquer que ele seja, que nunca terá a importância da própria Constituição da República?