84 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC
que foi feita em 1989, pudesse redundar na possibilidade de proceder a alterações à Constituição por via referendaria, fazendo que pudesse ser aprovado por maioria simples aquilo para que são exigíveis em temos constitucionais maiorias de dois terços, abrindo caminho àquilo que se chamou na altura - e que se chama - a possibilidade de preversão plebiscitaria do estatuto do referendo. Por outro lado, o regime adoptado salvaguarda o estatuto e as competências próprias dos órgãos de soberania e que se traduzem não apenas em exclusões de âmbito material do referendo, mas, também, num processo cuidadoso de decisão quanto à realização do referendo e que envolve, como já foi dito, a Assembleia da República, o Governo, o Presidente da República e a obrigatória fiscalização prévia por parte do Tribunal Constitucional.
Assim, não vemos razão para que este regime seja alterado. Somos da opinião que deve ser mantido. Portanto, não colocamos a questão em termos de alterar o regime constitucional do referendo, mas apenas no sentido de assumir a excepcionalidade do Tratado de Maastricht e as consequências excepcionais da eventual ratificação desse Tratado, para, considerando como excepcional aquilo que é excepcional, adoptar consequentemente uma disposição constitucional excepcional que viabilize a possibilidade de um referendo sobre essa ratificação.
Creio que não será necessário fazer mais considerações sobre o carácter excepcional desta situação. Ela é tão reconhecida que quatro quintos desta Assembleia decidiram abrir um processo de revisão constitucional extraordinário, o que só por si demonstra que é inequívoca a excepcionalidade da situação que se criou.
Daí que a proposta que fazemos seja no sentido de que exista uma norma transitória que permita a realização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia, realizado nos demais termos previstos na Constituição e na lei orgânica sobre o regime de referendo. Obviamente, que aquilo que estamos a discutir neste momento não é a proposta de referendo propriamente dita, que seria apresentada no seu devido tempo, mas uma proposta que em sede de revisão constitucional permita que haja uma decisão sobre a realização desse referendo.
Termino dizendo que não encontramos uma justificação válida de um ponto de vista constitucional para a recusa desta nossa proposta. Qualquer justificação que seja dada para a sua recusa só pode ser, obviamente, uma resposta política.
Essa recusa significa algo. Em primeiro lugar, receio do esclarecimento popular acerca das consequências e real natureza do Tratado de Maastricht, do verídicto popular sobre esse mesmo Tratado e, ao mesmo tempo, a vontade de impor ao povo português uma decisão supranacional que se verifica estar a dividir os povos europeus e que se pretende que seja imposta mesmo sem um debate necessário, sério e responsável sobre esta matéria.
Por outro lado, não parece que se possa entender que este Tratado é demasiado complexo para ser referendado. Qual o conceito que se faz do povo português que leva a entender que este Tratado é demasiado complexo para ser referendado em Portugal quando já o foi pelos Dinamarqueses, Franceses, Irlandeses e não está excluído que ainda possa ser referendado por outros? Não pensamos que ao povo português deva ser atribuído um estatuto de menoridade em termos eleitorais e em termos referendados, que leve a considerar que não é possível referendar em Portugal aquilo que já foi referendado por outros povos europeus. Portanto, também aí não vemos qualquer razão válida para que este referendo não se realize.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria apresentar dois pontos prévios.
Primeiro, quando o CDS apresentou a primeira proposta sobre o referendo também votei contra, com base de que a proposta do CDS poderia ser entendida como uma abertura para o plebiscito constitucional. Portanto, penso que foi cautelosamente que evoluí para esta situação, nomeadamente quando foi aberto este processo de revisão constitucional para poder avançar com este projecto.
A segunda questão que quero colocar é que, quer se queira quer não, há um parti pris por parte da maioria desta Assembleia, a maioria do PSD, em relação ao referendo. Isto é, mais do que fazer um protesto, quase que me dá vontade de considerar ridículo o facto de - entretanto, perguntava se esta Comissão tem conhecimento da acta da Comissão de Petições que recusou a petição no sentido de que esta Comissão Eventual de Revisão Constitucional tivesse em conta a necessidade de a revisão assimilar a proposta de referendo - a Comissão de Petições ter recusado uma petição que solicitava que, neste processo de revisão, fosse tida em conta a realização do referendo, com a alegação de que essa petição era inconstitucional. Isto parece-me um disparate absoluto - desculpem a rudeza da expressão - e, em meu entender, não tem sentido. Estas eram as duas questões prévias que queria colocar.
Quero ainda dizer que o Tratado de Maastricht, em si, do meu ponto de vista, começa a não ter consistência; do ponto de vista jurídico, foi posto em causa, o que é irrebatível, pelo "não" da Dinamarca; do ponto de vista económico, está "tremelicante", para não dizer também posto em causa, com a crise do Sistema Monetário Europeu; do ponto de vista político, e este é o mais grave, está posto em causa, porque está a dividir cada povo na Europa - nem sequer está a dividir os povos da Europa entre si pelas suas fronteiras, mas sim cada povo na Europa. A não ser que se pretenda ocultar isso, avançando, de qualquer forma, para o Tratado de Maastricht, ratificando-o e esquecendo que, afinal, dividiu a França e a Dinamarca e quase que ia dividindo a Irlanda. Ora, isto cria uma situação perante a qual temos de ter muito cuidado.
Por outro lado, quanto à questão do tempo para a realização do referendo - e julgo que este problema está ultrapassado -, não há qualquer limite, como se sabe - e, se se disser o contrário, isso não é verdade -, para a ratificação do Tratado, o que consta do próprio Tratado. De facto, o depósito do instrumento de ratificação é dilatado no tempo, tendo lugar quando cada país entenda. Portanto, não se pode dizer que tem de ser até ao dia 1 de Janeiro, ou até ao dia 53 do mês 89 do ano 2030. Não há nada que permita afastar a hipótese do referendo na base do tempo.
E aqui chego à questão da necessidade e da razoabilidade da existência de um referendo. De facto, os povos devem pronunciar-se; os povos não estão esclarecidos e os passos que se vão dar exigem muita temperança e muito cuidado. Não podemos cair numa situação em que a Europa, em vez de criar as condições para ser democrática, seja um lugar onde vai tudo andar à cabeçada, de uma forma ou de outra. Temos como exemplo experiências iniciadas com grandes ideais e magníficos projectos, que todos sustentavam, inclusivamente os que estavam contra, que redundaram em trágicos fracassos e sabemos que estas questões da unidade dos povos demoram muitos séculos até encontrarem a sua expressão. Diria, usando uma expressão do Raul Solnado,