8 DE OUTUBRO DE 1992 91
ponto de vista formal isso acontece, na medida em que o que propomos é que, neste momento, a Assembleia, através de uma maioria qualificada de dois terços, use as suas competências para viabilizar, em sede de revisão constitucional, a possibilidade de realização de um referendo. Isto é, que por maioria de dois terços viabilize que a Assembleia da República, mais uma vez no uso das suas competências, possa decidir por maioria propor ao Presidente da República a realização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia. Ou seja, estamos a propor que a Assembleia use competências que actualmente não tem e que, em sede de revisão constitucional, lhe sejam atribuídas. Ora, creio que não se pode dizer que estamos a propor um estatuto de menoridade para a Assembleia.
Por outro lado, penso que também não estamos, de forma alguma, a propor que se suspenda a Constituição. E também é claro que propomos que o referendo seja viabilizado no estrito respeito pelas demais disposições constitucionais e legais, mas estamos é a reconhecer a excepcionalidade da situação decorrente da ratificação do Tratado. E essa excepcionalidade é tão reconhecida porquanto, nos 16 anos de vigência da Constituição da República, é a primeira vez que alguém suscita um processo extraordinário de revisão constitucional.
Além disso, quando eu disse que não via razões válidas para uma posição contrária ao referendo, disse menos do que isso, disse apenas que não via razões válidas do ponto de vista jurídico-constitucional. E, de facto, essas não foram apontadas. Agora, evidentemente, existirão razões políticas válidas para quem as defende, que são razões tão políticas como as nossas, pois assumimos claramente que a nossa opção pelo referendo é uma proposta política, que corresponde a um imperativo e também à vontade da grande maioria do povo português de que seja realizado um referendo sobre esta matéria. Logo, as posições contrárias ao referendo são tão políticas como as posições que o defendem, assim como são políticas as posições que estão contra ou a favor da ratificação do Tratado. Deste modo, entendo que não está em causa a qualidade de democrata de quem defende uma ou a outra posição, mas que uma posição contrária ao referendo é extremamente discutível, até porque estou convencido de que a maioria do povo português também não compreende essa posição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que falámos em dois níveis diferentes, pois tudo o que eu disse foi no sentido de ser tida em consideração a democracia representativa e o papel da Assembleia da República, que nunca pus em causa. Far-me-ão a justiça de admitir que defendo o referendo defendendo o "não" a Maastricht, como defenderia o referendo se defendesse o "sim" a Maastricht. Digo isto com a maior clareza, a maior convicção e o maior empenho.
Mas, de facto, o que se está a passar deve servir para nos alertar, e quando falei em Bizâncio, não queria cometer uma "bizantinice". Isto é, em meu entender, o direito cristaliza as aquisições dos povos, da história, etc., mas nunca fez andar a história.
Ora, entendo que o espectro da democracia percorre, neste momento, a Europa. É uma realidade, as pessoas querem a democracia representativa e não a estão a pôr em causa, mas querem ser informadas perante uma situação destas em que se vai dar um passo que não se sabe bem onde é que vai parar. Fala-se da democracia partilhada, mas trata-se de uma partilha pontuada, em que nós temos uma pontuação e os outros têm outra. Mas que raio de partilha é esta?!
Bem, não está nada disto em causa, o que está em causa é que onde houve referendo, onde houve discussão, cresceram nas pessoas as opiniões favoráveis ao "não". Porquê? Porque o "sim" que lhes era ministrado pelos maiores dirigentes políticos não estava a servir. Ora, esta situação deverá alertar-nos, pelo que mesmo que eu defenda o "sim" tenho de ver o que é que se passa na realidade.
Em França, Giscard d'Estaing, Raymond Barr, Mitterrand, Chirac e todos os representantes de grandes partidos dizem "sim" a Maastricht e o "não" ficou, em termos percentuais, a um ponto e tal do "sim"!...
Por outro lado, na Dinamarca, até as centrais sindicais disseram que "sim", que o Tratado de Maastricht era bom, mas o povo disse "não".
Ora, independentemente da posição política, do "sim" ou do "não", será que isto não tem de nos fazer reflectir em relação à responsabilidade política da imposição, mesmo que democraticamente sustentada na democracia representativa, de um fenómeno novo que está a percorrer a Europa? Isto porque nós não estamos no Mundo de há três anos. Primeiro aconteceu no Leste e, agora, na Europa, também há exigências novas, dado que o Mundo está em transformação.
Alguém se lembraria, antigamente, que um Presidente da República fosse para a "rua", da forma como aconteceu agora no Brasil? Ninguém se lembraria, pois isso era impensável.
Em relação à questão de Richard Nixon, por exemplo, parece-me que era um pouco difícil imaginar toda aquela mobilização de milhões de pessoas que quiseram dar a sua palavra e que impuseram ao Congresso que fosse evoluindo.
Assim, arriscaria a colocar-me na humilde posição - que é sempre humilde, como é evidente - de dizer que todos devemos ter a humildade de atender a estes fenómenos que se estão a verificar, porque o futuro tem de ser preparado muito cautelosamente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quero só tecer, muito sucintamente, duas considerações sobre a resposta do Sr. Deputado João Amaral àquilo que eu disse e também sobre o que disseram os Srs. Deputados António Filipe e Mário Tomé.
O Deputado João Amaral referiu que o Tratado de Maastricht é um exemplar único. Ora, não sei porque é que ele tenha de ser um exemplar único, o que sei é que está previsto que, a seguir à união económica e monetária, haverá outros tratados a prever a união política e talvez um segundo tratado a corrigir este sobre a união económica e monetária ou a agravá-lo, do ponto de vista em que o Sr. Deputado o considera um desastre.
Não há nada que diga que não são n os tratados necessários para a construção da Europa, pelo que é difícil compreender que se faça uma proposta com aplicação exclusiva ao Tratado de Maastricht.
Por outro lado, o Sr. Deputado João Amaral veio dizer "Estejam tranquilos, porque só se aplica a este!". No entanto, não sei se só se aplica a este, uma vez que as coisas valem independentemente da interpretação dos seus autores. Por exemplo, diz aqui na proposta do PCP que "não são aplicáveis a um referendo", mas a expressão "um referendo". em bom português, pode entender-se como o género e não